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Pediatria13 setembro 2019

Norovírus: um novo agente da síndrome hemolítico-urêmica em pediatria

Recentemente, um caso incomum de síndrome hemolítico-urêmica induzida por Norovírus foi apresentado. Neste artigo, vamos falar um pouco mais sobre o caso.

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Recentemente, um caso incomum de síndrome hemolítico-urêmica (SHU) induzida por Norovírus foi apresentado. Neste artigo, vamos falar um pouco mais sobre o caso.

Antes de tudo, a SHU é uma microangiopatia trombótica (MAT) rara. Sua incidência média é de 6,1 casos/um milhão de crianças com menos de 5 anos de idade por ano e sua taxa de mortalidade geral é de, aproximadamente, 4%. O dano primário ao endotélio vascular é responsável pela tríade clássica da síndrome: anemia hemolítica microangiopática, plaquetopenia e insuficiência renal aguda.

A SHU é classificada como:

  • Típica: causada pela bactéria Escherichia coli produtora da toxina Shiga (STEC). Essa forma responde por 90% dos casos;
  • Atípica, subdividida em síndrome familiar ou não familiar. Geralmente, estas formas são secundárias à herança ou anormalidades adquiridas na via alternativa do complemento.

norovírus

O caso do Norovírus

Abu Daher e colaboradores (2019) relataram o caso de SHU induzida por Norovírus (anteriormente denominado vírus Norwalk) que cursava com insuficiência renal aguda (IRA) grave associada à gastroenterite aguda (GEA). O caso foi publicado na edição de julho da revista BMC Nephrology e ocorreu em Beirute, Líbano. Veja:

  • Paciente do sexo masculino, nove meses de idade, foi internado com história de oito dias de diarreia aquosa e não sanguinolenta, vômitos e diminuição da ingesta oral. O bebê era previamente saudável e tinha uma história patológica pregressa negativa;
  • Ao exame físico, a criança era pálida e irritada. Apresentava edema corporal generalizado. Nenhuma outra anormalidade foi observada;
  • As investigações iniciais revelaram leucocitose (19.000/mm³), anemia (hemoglobina 7,7 g/L, hematócrito 22%) e trombocitopenia (plaquetas 62.000/mm³). A creatinina sérica foi de 2,5 mg/dL, Blood Urea Nitrogen (BUN) 57 mg/dL, ácido úrico 7,6 mg/dL e desidrogenase lática (LDH) 2293 UI/L (valor de referência 265 I U/L);
  • A lâmina de sangue periférico evidenciou hemólise microangiopática com esquizócitos;
  • A ultrassonografia de abdome mostrou rins ecogênicos de tamanho normal;
  • O paciente foi internado em unidade de terapia intensiva pediátrica (UTIP) com o diagnóstico de SHU com possível evolução para diálise;
  • Durante a internação, a criança apresentou diarreia persistente, ingesta oral baixa, oligoanúria, anasarca e hipertensão arterial sistêmica;
  • A criança evoluiu com débito urinário inferior a 0,5 mL/kg/hora. Não houve resposta a doses elevadas de furosemida intravenosa. Devido à deterioração progressiva da função renal (creatinina atingindo 5,2 mg/dL, BUN 88 mg/dL), oligoanúria persistente, agravamento da hemólise microangiopática (hemoglobina 5,4 g/dL) e trombocitopenia (plaquetas 23.000/mm³), foi iniciada diálise peritoneal (DP) após 48 horas de internação. O paciente também recebeu uma unidade de concentrado de hemácias;
  • Os exames de fezes com reação em cadeia da polimerase – transcriptase reversa (RT-PCR) qualitativa por Multiplex foram negativos para Salmonella, Shigella, Campylobacter, Yersinia, E. coli entero-hemorrágica, E. coli enteropatogênica (EPEC), E. coli enterotoxigênica (ETEC), E. coli enteroinvasiva (EIEC), E. coli produtora de toxina do tipo Shiga (STEC) stx1/stx2, Rotavírus A, Adenovírus, Astrovírus, mas foram positivas para Norovírus GI/GII;
  • Exames laboratoriais adicionais relevantes incluíram albuminúria maciça (relação albumina/creatinina 97 mg/mg – valor de referência < 0,2), e baixo complemento C3 (0,56 g/L – valor de referência 0,9-1,8g/L) e C4 (0,07 g/L –referência 0,1-0,4 g/L);
  • Após 48 horas de DP contínua, o paciente apresentou melhora clínica significativa, com diminuição progressiva do edema e aumento gradual do débito urinário. A DP foi continuada por mais 5 dias e a função renal da criança melhorou de forma progressiva, normalizando-se no décimo dia (creatinina sérica 0,3 mg/dL). A albuminúria reduziu para uma relação albumina/creatinina de 0,13 mg/mg;
  • Três semanas após o início da doença, C3 e C4 haviam retornado aos níveis normais em 1,16 g/L e 0,31 g/L, respectivamente;
  • Os autores relatam que o paciente vem sendo acompanhado desde o início de sua doença e não mostra evidência de dano residual. Seus perfis renal e hematológico são normais, assim como o complemento. Ele é normotenso e não possui microalbuminúria.

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Este parece ser o primeiro caso de SHU por Norovírus. Os autores acreditam que, com a imunização rotineira contra rotavírus em lactentes, a prevalência de GEA por Norovírus e sua detecção em amostras de fezes por RT-PCR Multiplex nessa população provavelmente aumentará, portanto mais casos podem ser diagnosticados no futuro, particularmente em pacientes com STEC – SHU negativos.

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Referências bibliográficas:

  • Abu Daher G. et al. Norovirus: a novel etiologic agent in hemolytic uremic syndrome in an infant. BMC nephrology, v.20, n.1, p. 247, 2019.

Autoria

Foto de Roberta Esteves Vieira de Castro

Roberta Esteves Vieira de Castro

Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra

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