São Paulo sediou, em novembro, o Neobrain Brasil 2019, o primeiro congresso internacional do projeto Protecting Brain, Saving Futures (PBSF) (“Protegendo Cérebros, Salvando Futuros”). O congresso abordou amplamente o tema asfixia neonatal.
Estima-se que a encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI) neonatal ocorra em duas a seis crianças por 1.000 nascimentos em países desenvolvidos, sendo uma importante causa de óbito e incapacidade permanente. Já em países de baixa e média renda (low- and middle-income countries – LMIC), a frequência dessas complicações é muito mais alta.
Hipotermia terapêutica
A hipotermia terapêutica (HT) tem sido extensivamente investigada nas últimas décadas em lactentes com EHI moderada ou grave. Muitos estudos têm demonstrado que a HT é uma intervenção segura e benéfica, com redução significativa na mortalidade ou no desenvolvimento neurológico aos 18 a 22 meses e aos 6 a 7 anos de idade. Todavia uma revisão sistemática da literatura não identificou reduções significativas na mortalidade com o uso de HT em LMIC.
Os estudos foram pequenos e com alto risco de viés, portanto, evidências de benefício ou dano não puderam ser verificadas. Problemas potenciais com a implementação da HT nesses países estão relacionados a falha dos protocolos utilizados nos ensaios devido à falta de disponibilidade de equipamentos ou instalações avançadas, profissionais inadequadamente treinados e diferenças nas comorbidades da população, particularmente infecções perinatais coexistentes.
Dessa forma, para determinar a frequência do uso da HT, suas práticas atuais e seu acompanhamento em longo prazo no Brasil, Variane e colaboradores conduziram o estudo Therapeutic Hypothermia in Brazil: A Multiprofessional National Survey, publicado em setembro no American Journal of Perinatology e abordado no Neobrain Brasil 2019.
Os autores efetuaram um survey nacional, prospectivo e transversal, com 19 questões relacionadas à avaliação das práticas de HT na EHI. Um questionário online foi disponibilizado aos profissionais de saúde que atuam na assistência neonatal no Brasil.
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Resultados
O número de profissionais que responderam o questionário foi 1.092. A maioria dos respondentes era composta por:
- Neonatologistas – 685 (63%);
- Profissionais atuantes em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) de hospital público – 589 (54%).
- Profissionais atuantes na região Sudeste do país – 696 (64%).
Deles, 411 (38%) profissionais não utilizam HT pelos seguintes motivos:
- Falta de equipamento adequado (80%) e/ou falta de conhecimento/treinamento (76%);
- Destes, 386 (94%) declararam não possuir um centro de referência para fornecer HT ou que eram incapazes de realizar a transferência do bebê nas primeiras 6 horas de vida.
Entre os que responderam, 681 (62%) relataram usar HT em suas unidades. Destes, 624 (92%) forneceram detalhes sobre as práticas:
- 136 (20%) não usavam escore neurológico ou Eletroencefalograma de Amplitude Integrada (aEEG) para avaliar a encefalopatia. Oitenta e um profissionais (13%) não responderam a essa pergunta;
- Treinamento específico para avaliação da encefalopatia foi fornecido a apenas 81/407 (19%) dos profissionais;
- 184 (29%) dos entrevistados relataram realizar o resfriamento de bebês com EHI leve;
- A maioria dos entrevistados relatou o início da HT na sala de parto e/ou na admissão, uso de compressas de gelo ou resfriamento passivo, conseguido desligando o aquecimento da incubadora como método de resfriamento e monitorando a temperatura retal/esofágica continuamente;
- 53% dos respondentes afirmaram que a consulta com um neurologista pediátrico só estava disponível se necessário, 22% relataram ter esse profissional regularmente disponível e 28% nunca tiveram acesso à consulta neurológica;
- Quase metade (48%) dos entrevistados relataram não usar aEEG ou eletroencefalograma (EEG);
- 30% afirmaram que o EEG foi realizado apenas se necessário (motivo não especificado);
- 12% tinham aEEG e EEG prontamente disponíveis;
- 4% tiveram acesso a serviços de neurofisiologia e/ou EEG por vídeo contínuo;
- As imagens cerebrais não eram comumente realizadas: 25% relataram uso de uma tomografia computadorizada (TC), 43% puderam realizar uma ressonância magnética (RM) em um local externo, mas não estava claro se isso foi ou não feito, 17% não tiveram acesso à RM cerebral e apenas 19% foram capazes de realizar a RM em seu próprio centro;
- 31% relataram ter um programa de acompanhamento bem estabelecido.
Conclusões
Os resultados desse survey nacional demonstraram que a HT foi implementada no Brasil com significativa heterogeneidade, o que pode afetar a segurança e a eficácia dessa abordagem. Uma força-tarefa nacional com o objetivo de fornecer educação e treinamento adequados em todo o país com encaminhamento de bebês elegíveis para centros capazes de fornecer o nível de atendimento necessário para esta terapia é sugerida pelos autores.
Mais informações sobre o projeto PBSF podem ser obtidas neste link.
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Referência bibliográfica:
- VARIANE, G. F. et al. Therapeutic Hypothermia in Brazil: A MultiProfessional National Survey. Am J Perinatol, v.36, n.11, p.1150-1156, 2019.
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