Human monkeypox (em português, varíola dos macacos em humanos – VMH), é uma doença zoonótica viral causada pelo ortopoxvírus Monkeypox e que tem sido endêmica na África Central e Ocidental por muitas décadas. Historicamente, tem sido documentada em crianças e adolescentes que vivem nessas regiões. No entanto, um surto global foi iniciado em maio de 2022 em 72 países, incluindo nações europeias, Canadá, EUA e Austrália, e sem vínculos epidemiológicos conhecidos com ambientes endêmicos na maioria dos casos.
O termo “monkeypox” deriva do isolamento do vírus em macacos no laboratório dinamarquês Copenhagen’s Statens Serum Institute, em 1958. O primeiro caso humano diagnosticado de infecção por monkeypox foi em 1970 em um bebê do sexo masculino na República Democrática do Congo (antigo Zaire), e outros casos ocorreram desde então, predominantemente na África Central e Ocidental.
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Embora a maioria dos casos de VMH se recupere sem consequências graves, a doença pode causar morbidade e mortalidade significativas na gestação, em crianças e em imunocomprometidos. Além disso, a VMH pode ser difícil de diagnosticar e tem opções limitadas de profilaxia e tratamento eficazes. Os dados limitados disponíveis de surtos anteriores sugerem que as crianças podem estar em maior risco de formas graves da doença com complicações potenciais, incluindo sepse, encefalite e óbito.
Em 21 de julho de 2022, a Organização Mundial de Saúde (OMS) relatou 15.734 infecções por VMH confirmadas em laboratório, incluindo crianças, em 75 países em cinco continentes, excetuando-se a Antártida.
Transmissão
O contato físico próximo é a principal via de transmissão de humano para humano, o que pode exigir contato próximo prolongado. A transmissão pode ocorrer através do contato com lesões cutâneas de pacientes infectados, objetos contaminados e gotículas respiratórias.
Raramente, resulta da transmissão viral através da placenta. Como existem protocolos rígidos para triagem de doações de sangue, não houve, até o momento, relatos de disseminação de VMH através de transfusões. No surto atual, erupções cutâneas de VMH têm sido comumente encontradas na área genital e provavelmente contribuem para a transmissão durante o contato sexual.
Além disso, as erupções cutâneas da varíola podem se assemelhar às de doenças sexualmente transmissíveis, incluindo herpes e sífilis.
Fatores de risco
Além daqueles que têm contato próximo com pacientes com VMH ou contato com um animal infectado e imunocomprometidos (como, por exemplo, HIV positivos) também podem estar em risco. Outros fatores de risco têm sido relatados na literatura, como recém-nascidos, crianças, gestantes, prática de sexo com outros homens e sexo sem preservativo.
Manifestações clínicas
O sinal mais comum de VMH em crianças e adolescentes é uma erupção cutânea que progride de lesões maculopapulares para vesículas, pústulas e, finalmente, crostas, semelhante às infecções em adultos. Antes do surto, febre e linfadenopatia eram comumente associadas à VMH; no entanto, durante o surto atual, isso nem sempre ocorreu.
Outros sintomas podem incluir fadiga e cefaleia. Disfagia ou tosse podem ocorrer quando lesões orofaríngeas estão presentes. Lesões intraoculares, edema palpebral ou crostas palpebrais podem ocorrer quando há lesões oculares ou próximas aos olhos do paciente, quando o paciente toca esses locais com a mão após contato com uma lesão.
A síndrome clínica pode ser dividida em duas fases. Após um período de incubação de 7 a 13 dias, variando de 5 a 21, geralmente há um período prodrômico de 1 a 5 dias com febre, linfadenopatia e um quadro gripal precedendo o início de uma erupção cutânea (embora a erupção possa ocorrer sem pródromos).
Tanto a morfologia quanto a distribuição da erupção evoluem ao longo da doença, começando como máculas e progredindo ao longo de 2 a 3 semanas pelos estágios papular, vesicular, pustuloso e umbilicado antes da formação de crostas e descamação. Durante esse período, a erupção geralmente se move da área facial distalmente para as extremidades, incluindo as palmas das mãos e plantas dos pés (disseminação centrífuga).
O envolvimento da mucosa orofaríngea, anogenital ou ocular pode resultar em ulceração, que pode ser dolorosa e resultar em desidratação, desnutrição e outras manifestações graves, como encefalite e sepse. A VMH é geralmente uma doença autolimitada com sintomas que duram de 2 a 4 semanas, podendo ocorrer complicações – Quadro 1.
Quadro 1 – Manifestações da varíola dos macacos em crianças
Fase prodrômica (inicial) |
Amigdalite / Febre / Cefaleia / Dor nas costas / Fadiga / Linfadenopatia / Mal-estar / Mialgia / Tosse |
Fase secundária |
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Manifestações graves |
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Fonte: Adaptado de Huang et al., 2022 e Webb et al., 2022 (2,8).
A erupção da VMH pode ser confundida com outras doenças eruptivas que são comumente consideradas em crianças, incluindo: varicela, síndrome mão-pé-boca, sarampo, escabiose, molusco contagioso, herpes, sífilis (englobando sífilis congênita) e erupções cutâneas alérgicas. Embora as informações sobre os efeitos da infecção em gestantes sejam escassas, a transmissão vertical tem sido associada à óbito fetal e infecção congênita.
As coinfecções são possíveis. O julgamento clínico deve ser usado para determinar as etiologias testadas. Crianças e adolescentes que apresentem sinais e sintomas suspeitos devem ser testados, particularmente se atenderem aos critérios epidemiológicos. Pacientes com suspeita de VMH devem ser avaliados quanto ao contato com pessoas ou animais com erupção cutânea ou com VMH confirmada. Os casos devem ser prontamente avaliados pela equipe de saúde e, quando indicado, considerados para tratamento.
Diagnóstico
O diagnóstico é clínico, no entanto, o diagnóstico definitivo requer testes de amplificação de ácidos nucleicos usando PCR em tempo real ou convencional para a detecção de DNA viral.
Swabs da lesão ou exsudato são também recomendados. O teste sorológico para IgG, que pode se tornar detectável oito dias após o início dos sintomas, requer soros agudos e convalescentes pareados. A IgM anti-vírus da VMH pode ser positiva dentro de 5 dias após a apresentação. No entanto, a detecção de anticorpos no plasma ou soro não deve ser usada isoladamente para diagnosticar a VMH.
Manejo
Assim como em adultos, pacientes pediátricos com VMH devem ser cuidadosamente monitorizados durante toda a doença. As decisões sobre o tratamento para crianças estão estreitamente alinhadas com as dos adultos, no entanto, em pediatria, atenção especial deve ser dada para manter as lesões de pele cobertas e evitar que as crianças cocem as lesões ou toquem nos olhos, pois o contato nessas áreas pode resultar em autoinoculação e evolução para complicações, como sepse.
O tratamento inclui medidas de suporte. Crianças e adolescentes devem ser incentivados a ingerir líquidos, principalmente pacientes com envolvimento extenso da pele, em que perdas hídricas adicionais podem surgir.
De acordo com os Centers for Disease Control and Prevention (CDC), embora a maioria dos casos de VMH se resolva espontaneamente, o tratamento deve ser considerado para os seguintes grupos, conforme o Quadro 2.
Quadro 2 – Condições clínicas em que o tratamento contra o vírus Monkeypox deve ser considerado em pediatria
Condições clínicas | Exemplos |
Doença grave | Doença hemorrágica, lesões confluentes, encefalite, obstrução das vias aéreas devido a linfadenopatia ou outras condições que requerem hospitalização. |
Presença de complicações | Pneumonia, sepse, lesões oculares, celulite ou abscesso. |
Pacientes com risco de doença grave | Idade inferior a 8 anos.
Imunossuprimidos. História ou presença de dermatite atópica ou com outras condições esfoliativas ativas da pele – eczema, queimaduras, impetigo, varicela zoster, herpes simples, acne grave, dermatite de fralda grave com extensas áreas de pele desnudada, psoríase ou doença de Darier (ceratose folicular) Infecções extensas, como as que envolvem os olhos, rosto ou genitália |
Fonte: Centers for Disease Control and Prevention, 2022 (3).
Tecovirimat
O antiviral, também conhecido como TPOXX ou ST-246, funciona inibindo a proteína do envelope viral VP37, que bloqueia as etapas finais da maturação viral e liberação da célula infectada, inibindo assim a propagação do vírus dentro de um hospedeiro infectado. Está sendo usado atualmente como tratamento de primeira linha contra a VMH, inclusive para crianças e adolescentes com doença grave ou condições clínicas subjacentes que os colocam em risco de doença grave e quando a doença evolui com complicações. Todavia os riscos e benefícios individuais devem ser considerados antes de seu início.
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Crianças com no mínimo 13 kg de peso corporal podem ingerir cápsulas ou o conteúdo de uma cápsula misturado com alimentos. Entretanto, devido ao desafio da administração de uma dosagem precisa para crianças com menos de 13 kg, o uso intravenoso (IV) é atualmente recomendado para esse grupo de pacientes quando o tecovirimat é indicado – Quadro 3.
Quadro 3 – Informações sobre o uso de tecovirimat
Modo de administração |
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Posologia |
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Mecanismo de ação |
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Efeitos adversos |
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Interações medicamentosas |
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Observações |
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Legenda: IV – intravenoso; VO – via oral.
Fonte: Rizk et al., 2022 e Centers for Disease Control and Prevention, 2022 (3,9).
Outros tratamentos podem ser considerados, mas devem ser reservados para circunstâncias incomuns, como infecções muito graves, progressão da doença apesar do tratamento com tecovirimat ou quando o tecovirimat é contraindicado ou indisponível. Contudo, de acordo com o CDC, o uso dessas alternativas deve ser feito em consulta com especialistas em doenças infecciosas, farmacêuticos e departamentos de saúde locais.
A administração de outros antivirais, como o cidofovir e o brincidofovir também pode ser considerada, mas com cautela devido à potencial toxicidade. Assim como o tecovirimat, esses antivirais não estão disponíveis no Brasil no momento.
Conforme recomendações do CDC, a imunoglobulina vaccinia, licenciada para o tratamento de complicações da vacina contra o vírus Vaccinia, pode ser usada para o tratamento de infecção grave por VMH, embora não se saiba se as crianças se beneficiarão do tratamento.
Medidas de controle de infecção
Conforme as recomendações do CDC, para crianças hospitalizadas com suspeita ou confirmação de VMH ou para crianças hospitalizadas com exposição à doença, os procedimentos de isolamento e controle de infecção devem levar em consideração a idade e as necessidades da criança, as preferências e fatores individuais do paciente e do cuidador, incluindo o curso da doença do paciente, a extensão e localização das lesões, a capacidade de cobrir as lesões e o risco para os cuidadores (por exemplo, gestantes ou imunocomprometidos). Devemos nos lembrar que a presença de cuidadores no hospital proporciona benefícios imensuráveis às crianças.
Com relação ao aleitamento materno, as decisões sobre se um bebê infectado pode ou não amamentar diretamente de um cuidador sem a doença devem ser consideradas caso a caso, ponderando os benefícios do leite materno com quaisquer riscos incertos de a criança transmitir infecção ao cuidador, particularmente a um cuidador imunocomprometido ou em risco de infecção grave. No caso de a lactante estar contaminada, os riscos também devem ser avaliados. Se for possível que a mulher continue amamentando e tenha contato próximo, o ideal é reduzir o risco de contaminação para o bebê por meio de medidas como cobrir as lesões e usar uma máscara. O risco de infecção precisará ser cuidadosamente balanceado com o potencial dano e sofrimento causados pela interrupção da amamentação e contato próximo entre pais e filhos. Ainda não se sabe se o monkeypox pode ser transmitido através do leite materno; esta é uma área que precisa de mais estudos.
Prevenção
Medidas de isolamento e controle de infecção podem impedir a propagação do vírus. Cuidados extras devem ser tomados para garantir que imunocomprometidos evitem contato próximo com pacientes infectados pelo monkeypox. Se inevitável, as crianças com idade superior a dois devem usar uma máscara bem ajustada ao interagir com membros da família que estejam com a doença. Se uma criança ou adolescente desenvolver VMH, deve evitar o contato com pessoas e animais de estimação não infectados até que a erupção tenha desaparecido, as crostas tenham caído e uma nova camada de pele intacta tenha se formado. O CDC aconselha que, quando possível, seja no hospital ou em casa, o número de cuidadores seja limitado a uma pessoa. Os cuidadores devem cobrir as áreas de pele acometidas na medida do possível e evitar o contato direto com a erupção cutânea. Luvas devem ser descartadas após o uso, seguidas de lavagem das mãos. Se alguma roupa, ou do cuidador ou do paciente, entrar em contato com a erupção cutânea, ela deve ser lavada imediatamente.
Vacinas
Conforme orientações da OMS, alguns países estão recomendando a vacinação para pessoas em risco, sendo que a vacinação em massa não é recomendada neste momento. Embora a vacina contra a varíola tenha demonstrado ser protetora no passado, os dados atuais sobre a eficácia das vacinas mais recentes contra varíola/VMH na prevenção na prática clínica e em ambientes de campo são limitados.
JYNNEOSTM™
Vacina viral viva produzida a partir de vírus vaccinia modificado Ankara-Bavarian Nordic e é um ortopoxvírus atenuado e não replicante. Embora não tenha sido estudado especificamente para crianças ou adolescentes, o mesmo vírus vaccinia não replicante na vacina JYNNEOSTM foi usado em estudos como parte de vacinas contra outras doenças, incluindo tuberculose, sarampo e Ebola. Esses estudos incluíram crianças a partir de cinco meses de idade. Neles, não houve relatos de problemas sérios de segurança. No Reino Unido, em 2018–2019, a JYNNEOSTM foi administrada em algumas crianças pequenas, incluindo bebês, após exposições à VMH, sem eventos adversos conhecidos. Também foi administrada a algumas crianças nos Estados Unidos durante o surto atual sem nenhum evento adverso até o momento (nos EUA, inclusive. pode ser oferecida para casos em crianças usando uma autorização do FDA, que pode ser adquirida em coordenação com os departamentos de saúde estaduais e locais e o CDC).
ACAM2000®
Também consiste em vírus vaccinia vivo. Foi licenciada pelo FDA em agosto de 2007, sendo indicada para imunização ativa contra a varíola para pessoas com alto risco de infecção. O CDC possui um protocolo de emergência, que permite seu uso para infecção por ortopoxvírus não varíola (por exemplo, VMH) durante um surto. É contraindicada em crianças menores de 12 meses de idade e em crianças e adolescentes com as seguintes condições: distúrbios de imunodeficiência congênita ou adquirida, incluindo aqueles que tomam medicamentos imunossupressores e pessoas vivendo com HIV (independentemente do estado imunológico), dermatite atópica ou outras condições agudas ou esfoliativas da pele, gestação, cardiopatias e doença ocular tratada com esteroides tópicos.
Em suma: indivíduos infectados com o monkeypox têm um curso leve e autolimitado da doença, mesmo na ausência de terapia específica, mas o prognóstico pode depender de vários fatores, como estado de vacinação anterior, estado de saúde inicial e doenças ou comorbidades concomitantes. Dessa forma, os estudos mostram que desenvolver tratamentos personalizados com base no risco individual de evolução para doença grave parece ser a estratégia mais razoável de manejo da VMH.
Créditos da imagem: Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz)
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