A prática do aleitamento materno é amplamente reconhecida por seus benefícios substanciais tanto para a saúde infantil quanto para a saúde materna. Estudos epidemiológicos já demonstraram claramente que crianças amamentadas apresentam menores incidências de infecções respiratórias e gastrointestinais, otite média, alergias, obesidade infantil e, até mesmo, mortalidade infantil reduzida. Além disso, mulheres que amamentam têm menor risco de desenvolver cânceres de mama e ovário, hipertensão e diabetes tipo 2. Apesar desses benefícios conhecidos, as taxas de aleitamento materno ainda estão abaixo das metas ideais nos Estados Unidos e em muitos outros países. Uma recente recomendação da US Preventive Services Task Force (USPSTF), publicada na revista JAMA em abril de 2025, avaliou a eficácia das intervenções relacionadas a aconselhamentos comportamentais realizadas na atenção primária à saúde (APS) para apoiar a amamentação, especialmente em contextos de desigualdades sociais e raciais.
Metodologia
O estudo baseou-se em uma revisão sistemática abrangente que incluiu 90 ensaios clínicos randomizados envolvendo mais de 49 mil mulheres grávidas ou puérperas e seus filhos. Os ensaios abrangeram diferentes regiões do mundo e as participantes tinham idades entre 16 e 33 anos, com grande proporção composta por mulheres negras e latinas, principalmente nos estudos norte-americanos, onde também houve predominância de participantes com menor nível socioeconômico.
As intervenções avaliadas consistiram principalmente em programas estruturados de educação sobre o aleitamento, incluindo técnicas práticas para amamentar, manejo de complicações comuns (como dificuldades na pega e mastite), suporte psicológico, além de acompanhamento presencial ou remoto (telefone, vídeo ou mensagens de texto). Essas ações foram conduzidas por enfermeiros, parteiras, médicos, consultores de lactação ou mesmo pares treinados, e implementadas em variados momentos: durante a gestação, no período periparto e pós-parto.
Os resultados mostraram um aumento estatisticamente significativo nas taxas de aleitamento materno, especialmente no aleitamento exclusivo. Por exemplo, a prevalência de aleitamento materno exclusivo aos seis meses de vida foi consideravelmente maior nos grupos que receberam intervenções (RR=1,46; IC 95%: 1,20-1,78), indicando eficácia desses programas na manutenção e exclusividade do aleitamento. Em geral, as intervenções demonstraram maior impacto quando realizadas continuamente ao longo do período pré e pós-natal, especialmente entre mulheres inicialmente menos propensas a amamentar.
Comentários: Intervenções comportamentais e amamentação
Esses achados são consistentes com outros estudos e revisões anteriores que também apontaram benefícios importantes de programas de suporte e aconselhamento na APS. A intervenção estruturada e contínua, especialmente quando oferecida precocemente e sustentada após o nascimento, melhora significativamente a adesão ao aleitamento materno exclusivo, que é o padrão-ouro recomendado pela Organização Mundial da Saúde e pela Sociedade Brasileira de Pediatria.
É relevante considerar que as taxas de amamentação podem ser influenciadas por fatores sociais, econômicos e raciais. Por exemplo, mulheres negras e latinas frequentemente enfrentam barreiras adicionais relacionadas ao retorno precoce ao trabalho e menor suporte institucional e social. Dados da literatura destacam também o impacto histórico e cultural negativo relacionado à amamentação entre mulheres negras, decorrente de práticas históricas, como a exploração de mulheres negras como amas de leite. Além disso, estratégias agressivas de marketing das fórmulas infantis e percepções errôneas sobre benefícios do aleitamento misto contribuem para menores taxas de aleitamento exclusivo.
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Em termos de segurança, as intervenções comportamentais mostraram-se altamente seguras, com raros relatos de eventos adversos. Uma pequena proporção de participantes relatou aumento de ansiedade ou menor autoconfiança devido ao suporte intenso, mas, em contrapartida, uma significativa redução nas complicações comuns do aleitamento, como mastite e fissuras mamilares, foi observada.
Esses resultados reforçam a importância de implementar intervenções de aconselhamento e suporte estruturados dentro da APS. Médicos e outros profissionais de saúde devem estar conscientes dos benefícios substanciais que essas intervenções podem proporcionar, promovendo tanto a iniciação quanto a manutenção prolongada e exclusiva da amamentação. Além disso, é vital considerar o contexto socioeconômico e cultural específico de cada paciente, assegurando equidade no acesso e na oferta dos serviços. Conclui-se que a priorização da implementação de intervenções contínuas e bem estruturadas ao longo do período pré e pós-natal é uma estratégia barata, eficaz, segura e indispensável para otimizar os resultados em saúde materno-infantil.
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