A fumaça do tabaco é um teratógeno bastante conhecido e há dados prévios na literatura que mostram associações significativas entre a exposição pré-natal e infantil ao fumo passivo (FP) e os desfechos cognitivos e comportamentais em crianças. No entanto, nem todos os estudos encontraram uma ligação clara entre esses desfechos e o tabagismo materno pré-natal e a exposição à fumaça de cigarro na infância.
Recentemente, um estudo bem interessante publicado no Journal of Pediatrics analisou as associações entre a exposição pré-natal e infantil à fumaça a problemas específicos de desenvolvimento neurológico e comportamental durante a primeira infância. A metodologia e os resultados do estudo Prenatal and Childhood Smoke Exposure Associations with Cognition, Language, and ADHD encontram-se sintetizados abaixo.
Metodologia
As concentrações de cotinina, um metabólito da nicotina, foram usadas para medir objetivamente a exposição pré-natal e infantil à fumaça quando os pacientes pediátricos tinham entre 3 e 13 anos. Os pesquisadores avaliaram associações independentes entre a exposição pré-natal à fumaça (aferida por meio da concentração plasmática materna de cotinina coletada durante a gestação) e a exposição infantil ao FP (medida através da concentração de cotinina na saliva da criança) com o neurodesenvolvimento e no funcionamento comportamental infantil.
Em suma, um total de 2.595 gestantes foram recrutadas em clínicas pré-natais que atendem obstetrícia do Duke University Hospital e do Durham Regional Hospital no período de abril de 2005 a junho de 2011 (coorte prévia pré-natal Newborn Epigenetic Study – NEST). Os critérios de elegibilidade foram: idade igual ou superior a 18 anos e estar grávida e com intenção de usar uma das duas instalações obstétricas para permitir o acesso aos dados do trabalho de parto e nascimento. Amostras de sangue materno foram coletadas no momento do cadastro no estudo, além de dados sobre saúde, nutrição, estresse e comportamentos de estilo de vida.
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As mulheres foram contatadas novamente para participar de um estudo de acompanhamento entre os anos de 2013 e 2019. Para o estudo de acompanhamento, as mulheres deveriam falar inglês e as crianças deveriam ter, pelo menos, três anos de idade para permitir o teste cognitivo. Foram incluídas 386 díades mãe-filho, uma subamostra do NEST.
Modelos de regressão multivariada foram usados para estimar associações de concentrações de cotinina pré-natal e infantil com o desempenho cognitivo, avaliado, por sua vez, com o uso do NIH Toolbox Cognition Battery. Já o TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) e sintomas comportamentais foram aferidos com o uso do Sistema de Avaliação do Comportamento para Crianças, 2ª edição (Behavior Assessment System for Children, 2nd edition – BASC-2).
Resultados
A idade materna média no momento do parto foi de 28,3 anos. A faixa etária das crianças foi de 3 a 13 anos, com média de idade de 6 anos. A maioria da amostra se identificou como negra/afro-americana (59,8%), enquanto 33,4%, 2,8% e 3,9% se autodeclararam como brancos, hispânicos ou “outros”, respectivamente.
As médias geométricas para a concentração de cotinina pré-natal e infantil foram de 0,96 e 0,24, respectivamente. Após o ajuste para fatores de confusão, as concentrações de cotinina na infância foram associadas a um pior desempenho cognitivo em tarefas que aferem:
- Flexibilidade cognitiva (B=-1,29, p=,03);
- Memória episódica (B=-0,97, p=,02);
- Desenvolvimento de linguagem receptiva (B =-0,58, p=.01);
- Controle inibitório e atenção (B=-1,59, p=.006).
B = beta não padronizado – inclinação da linha entre a variável preditora e a variável dependente.
Embora a concentração de cotinina na infância tenha sido associada a níveis mais altos de problemas de atenção (B=0,83, p=0,004) no BASC-2, uma vez ajustada para fatores de confusão, a associação não foi significativa. Além disso, apesar de as associações para as concentrações maternas de cotinina terem sido nulas, foi detectada uma interação entre as concentrações pré-natal e infantil do metabólito no NIH Toolbox Picture Vocabulary Task (p=0,02).
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Conclusão
Os resultados sugerem que a exposição ao fumo na infância, mas não o tabagismo materno pré-natal, contribui para o desempenho de tarefas infantis em medidas de funcionamento cognitivo e executivo e para o relato materno de problemas de atenção. Conforme descrito pelos pesquisadores, os domínios de funcionamento que foram significativamente relacionados à exposição ao FP durante a infância incluíram habilidades prejudicadas relacionadas ao controle inibitório e atenção, memória episódica, desenvolvimento da linguagem e flexibilidade cognitiva. Distúrbios de atenção infantil foram associados a níveis mais altos de concentrações de cotinina na infância, mas o achado se tornou não significativo quando ajustado para covariáveis. Medições mais precisas podem ser necessárias para determinar o grau de exposição à fumaça durante o período de tempo relacionado ao neurodesenvolvimento e desfechos comportamentais na primeira infância.
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