Crianças com bronquiolite viral aguda (BVA) representam um subgrupo relativamente homogêneo de pacientes intubados por insuficiência respiratória aguda (IRA). Uma análise secundária de dados do ensaio clínico SANDWICH, envolvendo pesquisadores de Belfast (Irlanda) e Londres (Inglaterra), foi publicada na edição de fevereiro de 2025 da Pediatric Critical Care Medicine (PCCM). Nesta avaliação, o objetivo foi explorar os desfechos de um “pacote de medidas” (bundle) de sedação e desmame do ventilador e o tempo para extubação em lactentes com BVA, que evoluiu com necessidade de ventilação mecânica invasiva (VMI) em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP).
O ensaio SANDWICH
O ensaio clínico “Sedation and Weaning in Children” (também conhecido como SANDWICH) faz parte de um “pacote de medidas” para desmame de sedação e liberação do paciente do ventilador. O grupo responsável pelo ensaio já investigou previamente os fatores associados à variação na duração da VMI em lactentes com BVA. Infelizmente, extubações não planejadas e mal sucedidas representam eventos adversos associados a danos em pacientes pediátricos e podem ser influenciadas por um protocolo de desmame da VMI.
Os primeiros desfechos encontrados pelo SANDWICH em publicação prévia de 2021 no JAMA incluíram 8.843 lactentes e crianças com expectativa de necessidade prolongada de VMI em um ensaio clínico randomizado (ECR) por clusters, no modelo stepped-wedge. O tempo mediano não ajustado até a extubação bem-sucedida foi de 64,8 horas no grupo que recebeu a intervenção protocolada, em comparação com 66,2 horas no grupo que recebeu o cuidado usual. A frequência de extubação não planejada se mostrou maior em crianças expostas à intervenção do que naquelas que não foram, embora não tenha havido diferença na taxa de falha de extubação. Essa observação mostra um dilema entre a busca pela sedação e pelo desmame ventilatório ideais para extubar precocemente a criança e o risco potencial de aumentar os episódios de extubação malsucedida e não planejada. Por outro lado, os pesquisadores argumentam que muitas extubações não planejadas não exigem reintubação, o que sugere que os médicos podem estar adotando uma abordagem excessivamente cautelosa para a extubação, justamente para evitar falhas associadas a desfechos ruins.
Metodologia
O artigo da PCCM descreve uma análise post hoc de um subgrupo do SANDWICH, realizado entre 2018 e 2019. Foram incluídos 784 pacientes sobreviventes de BVA com menos de 1 ano, que participaram do ensaio. Nenhuma intervenção adicional foi realizada além daquelas previstas no estudo original – veja o Quadro 1 abaixo.
Quadro 1 – Componentes da intervenção do protocolo de sedação e liberação da ventilação
Avaliação dos níveis de sedação |
Realizada pelo enfermeiro à beira do leito utilizando a escala COMFORT (realizada a cada 6 horas, no mínimo). |
Avaliação da prontidão para o teste de respiração espontânea |
Realizada pelo enfermeiro à beira do leito, pelo menos duas vezes ao dia, com os seguintes critérios mínimos:
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Uso de teste de respiração espontânea para avaliar a prontidão para ventilação não invasiva |
Decisão para iniciar o teste feita por um enfermeiro ou médico com experiência e autoridade adequadas. O teste de respiração espontânea (duração máxima ≥ 2 horas) é conduzido com monitoramento dos seguintes parâmetros pelo enfermeiro à beira do leito:
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Revisão multidisciplinar |
Revisão das pontuações da escala COMFORT durante as visitas diárias e avaliação dos testes de respiração espontânea, com feedback ao enfermeiro à beira do leito sobre o nível de sedação e os parâmetros ventilatórios-alvo (mínimo de uma avaliação diária). |
Nota: A escala COMFORT avalia dor e sedação para determinar se a criança está adequadamente confortável ou se precisa de mais ou menos medicação para manter uma ventilação adequada.
Fonte: Adaptado de Blackwood et al., 2021
O tempo até a extubação bem-sucedida e as taxas de extubação não planejada e falha de extubação foram comparados entre os pacientes não expostos e pacientes expostos à intervenção (protocolo). Ademais, foi testada a correlação entre a taxa de extubação não planejada e falha de extubação em cada centro participante do estudo e a mediana no tempo até a extubação bem-sucedida nesse local.
Veja também: Como utilizar o ultrassom no manejo do desmame da ventilação mecânica
Resultados
De um total de 784 pacientes, 376 (48%) foram expostos à intervenção. A mediana de tempo nesses pacientes foi de 69,6 horas. Já nos não expostos, esse tempo foi de 86,4 horas. Dessa forma, a exposição ao protocolo SANDWICH foi associada a uma redução de 13% no tempo para extubação após ajuste para fatores de confusão.
Cento e doze (14%) pacientes apresentaram falha de extubação. As crianças que tiveram falha de extubação foram ventiladas por uma mediana de 137 horas, em comparação com 72 horas dos que não apresentaram falha. Outros 30 (3,8%) tiveram extubação não planejada.
A relação entre a frequência de extubação malsucedida por local e o tempo médio para extubação bem-sucedida naquele local apresentou correlação Spearman rank rho de –0,53 (intervalo de confiança de 95% [IC 95%], –0,8 a –0,08; p = 0,02), o que nos mostra uma correlação negativa entre a taxa de reintubação em um local e o tempo médio para extubação. Por fim, os pesquisadores descreveram que não houve correlação entre a frequência de extubação não planejada em um local e o tempo para extubação.
Conclusão
O estudo sugere que o impacto do “pacote de medidas” incluindo um protocolo é maior quando se considera uma coorte de pacientes cuja principal causa de internação foi a BVA. Esse dado pode nos fornecer uma estimativa mais exata do efeito da intervenção, o que é particularmente importante para o manejo de recursos hospitalares durante as sazonalidades de vírus respiratórios. Outro ponto que os pesquisadores destacaram é que a falha de extubação está associada a uma duração prolongada da VMI nos bebês com BVA. Eles sugerem que pesquisas futuras devam focar na melhoria da capacidade de previsão da falha de extubação, para minimizar os riscos individuais sem prolongar desnecessariamente a duração da VMI na população pediátrica.
Comentário
Conheço pessoalmente a Dra. Bronagh Blackwood, enfermeira do Great Ormond Street Hospital for Children NHS Foundation Trust and NIHR Biomedical Research Centre, em Londres. É uma pesquisadora extremamente cautelosa e dedicada ao tema e, de fato, o ensaio SANDWICH mostra uma metodologia bem robusta, incluindo modelos lineares generalizados para ajuste de variáveis de confusão. A redução no tempo para extubação em 16,8 horas é bastante animadora, já que sugere que o uso de um protocolo pode otimizar a ocupação de leitos de UTIP, especialmente em locais com menos recursos em períodos de sazonalidade. Entretanto, o fato de ser uma análise post hoc acaba limitando esses achados, já que o estudo não havia sido delineado originalmente para esse objetivo.
Um ponto interessante do protocolo do SANDWICH é que o enfermeiro é extremamente participativo no processo de extubação. Aqui, para nos auxiliar, contamos com o fisioterapeuta. De todo modo, vejo o papel da enfermagem indispensável na avaliação dos níveis de dor e sedação e, em termos de Brasil, devemos incluir a participação do técnico de enfermagem nesse processo.
Por fim, gostaria de lembrar que, apesar de ter sido utilizada no protocolo, a escala COMFORT não tem sido mais recomendada para avaliação de dor e sedação em crianças, mas sim a COMFORT-Behavior (COMFORT-B). A COMFORT possui dois itens para avaliação de sinais vitais (frequência cardíaca e pressão arterial). Esses itens foram substituídos por avaliações comportamentais, o que gerou a COMFORT-B. Sabemos, atualmente, que os sinais vitais não devem ser usados isoladamente para a avaliação de dor e sedação em crianças, devendo ser descartadas outras condições que levam a sua alteração e sempre utilizando escalas de avaliação comportamental em pacientes não verbais (incluindo os que estão em VMI).
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