A Doença Inflamatória Intestinal (DII) em pacientes pediátricos está associada a um risco aumentado de eventos tromboembólicos venosos (ETV), com destaque para formas raras e graves como a trombose venosa dos seios cerebrais (CVSD). Enquanto diversos estudos retrospectivos já demonstraram esse risco aumentado de forma geral, poucos se aprofundaram nos casos específicos de CVSD em crianças com DII. Durante o Congresso Europeu de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN 2025), foi apresentado durante a plenária de gastroenterologia, um estudo que teve como objetivo descrever as características clínicas da CVSD em pacientes pediátricos com DII e investigar potenciais fatores de risco associados a essa complicação.
Para isso, foram analisados dados do Pediatric IBD Safety Registry, um registro internacional prospectivo envolvendo mais de 225 gastroenterologistas pediátricos de 175 centros em 36 países, com uma população sob cuidado de mais de 30.000 crianças com DII. Os eventos adversos raros, incluindo ETV, foram reportados mensalmente por meio de questionários online. Casos de ETV registrados entre novembro de 2016 e junho de 2024 com dados de seguimento disponíveis foram incluídos. Dados detalhados foram coletados por meio de formulários específicos, incluindo características demográficas, perfil da DII, características do ETV (tipo, sintomas, tratamento, desfecho) e presença de fatores de risco gerais para trombose com base nas diretrizes da Sociedade Americana de Nutrição Parenteral e Enteral (ASPEN, 2018).
Resultados de forma objetiva
- Foram reportados 69 casos de ETV, dos quais 48% foram CVSD.
- A maioria dos pacientes (75%) tinha diagnóstico de retocolite ulcerativa ou DII não classificada.
- A mediana de idade ao diagnóstico do ETV foi de 14,6 anos.
- Cinco casos de CVSD ocorreram antes ou no momento do diagnóstico de DII, ou seja, sem exposição prévia a tratamento.
- Os sintomas mais comuns de CVSD incluíram:
- Cefaleia com vômitos ou hipertensão intracraniana (10 casos)
- Cefaleia com sintomas neurológicos (8 casos)
- Convulsões (4 casos)
- Outros sintomas neurológicos isolados (4 casos)
- A mortalidade associada ao CVSD foi de 15% (3 pacientes). Outros 3 pacientes apresentaram sequelas neurológicas persistentes.
- Pacientes com CVSD eram mais frequentemente usuários de corticosteroides no momento do evento (67% vs. 42%).
- A maioria dos casos de CVSD (73%) não apresentava fatores de risco adicionais para trombose, em comparação com 42% dos pacientes com outros tipos de ETV.
- A idade mais jovem foi mais prevalente no grupo CVSD, mas sem diferença quanto ao tipo ou duração da DII.
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Conclusão
Este estudo internacional prospectivo destaca que a trombose venosa dos seios cerebrais (CVSD) representa uma proporção significativa dos eventos tromboembólicos em crianças com Doença Inflamatória Intestinal (DII), especialmente quando comparado à população geral pediátrica. Embora o CVSD continue sendo uma complicação rara, sua morbimortalidade é elevada, com taxa de mortalidade de 15% e sequelas neurológicas persistentes em diversos casos. Notavelmente, a maioria das crianças com CVSD não apresentava fatores de risco trombóticos adicionais, o que sugere que a inflamação ativa da DII por si só pode representar um gatilho suficiente para o evento trombótico.
Além disso, a associação com uso de corticosteroides e a maior frequência em pacientes mais jovens indicam que há subgrupos de maior risco que podem se beneficiar de vigilância clínica mais próxima. A apresentação clínica é muitas vezes inespecífica e inclui cefaleia, vômitos, sinais neurológicos focais ou convulsões, sintomas que podem ser erroneamente atribuídos a efeitos colaterais da doença ou da terapia. Assim, a suspeita clínica ativa é fundamental para o diagnóstico precoce e início do tratamento adequado, o que pode melhorar significativamente os desfechos.
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Mensagem prática
- CVSD deve ser considerado em crianças com DII que apresentem sintomas neurológicos, especialmente cefaleia, vômitos, confusão ou convulsões, mesmo na ausência de fatores de risco trombóticos clássicos.
- O risco de CVSD é particularmente elevado em pacientes jovens e em uso de corticosteroides, o que indica a necessidade de monitoramento clínico mais rigoroso nesses subgrupos.
- A maioria dos casos ocorre sem fatores de risco trombóticos adicionais, reforçando o papel central da inflamação sistêmica da DII como gatilho trombótico.
- Diagnóstico precoce salva vidas: A mortalidade de 15% e as sequelas neurológicas reforçam a importância de neuroimagem imediata (idealmente ressonância venosa cerebral) diante de sintomas sugestivos.
- Centros que tratam DII pediátrica devem estar preparados para reconhecer e gerenciar CVSD, incluindo acesso a protocolos diagnósticos e tratamento com anticoagulação, além de envolver neurologistas e intensivistas, se necessário.
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