A eructação é uma função fisiológica normal, resultante da liberação de ar do trato gastrointestinal superior, geralmente do estômago para fora pela boca. Apesar de ser comum, em algumas crianças e adolescentes a eructação pode se tornar excessiva, incômoda ou até socialmente incapacitante, levando à busca por diagnóstico e tratamento. Entre os transtornos associados estão a eructação gástrica, a aerofagia, a eructação supragástrica e, mais recentemente, a chamada síndrome da incapacidade de eructar, tema que tem ganhado ampla visibilidade em redes sociais como o TikTok. Esses tópicos foram discutidos durante o Congresso Europeu de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN 2025), visto que compreender os diferentes mecanismos por trás da eructação é essencial para uma abordagem clínica adequada e racional.
Fisiologia da eructação: Relembre esse conceito!
- A eructação gástrica é mediada por relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior;
- É desencadeada pela distensão gástrica com ativação vagal e do nervo frênico, levando à abertura coordenada dos esfíncteres esofágicos;
- A impedanciometria com manometria mostra esse movimento de ar ascendente, com variações individuais na sensibilidade à distensão.
Condições associadas à eructação gástrica
- Comum em doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), dispepsia funcional, obesidade, constipação e retardo no esvaziamento gástrico.
- O uso de inibidores de bomba de prótons (IBPs) não reduz a frequência da eructação nesses casos.
Aerofagia
- Definida pelos critérios de Roma IV como deglutição excessiva de ar com distensão abdominal progressiva ao longo do dia;
- Estudos mostram que muitos pacientes com queixa de aerofagia não deglutem mais ar do que voluntários saudáveis;
- Diagnóstico sugerido por padrão clínico e confirmado por pH-impedanciometria; manejo pode incluir medidas comportamentais, tratamento da constipação e, em casos graves, gastrostomia para descompressão
Eructação supragástrica
- Comportamento aprendido e inconsciente, onde o ar entra pelo esôfago a partir da faringe, sem atingir o estômago.
- Ocorre principalmente em vigília, com frequência reduzida durante o sono ou distração.
- Associada a refluxo, distensão, disfagia, e sintomas induzidos por hipersensibilidade visceral.
- Tratamento baseado em fonoaudiologia especializada, terapia cognitivo-comportamental, e, em alguns casos, uso de amitriptilina em baixa dose.
Síndrome da Incapacidade de eructar
- Também chamada de disfunção retrógrada cricofaríngea, embora o esfíncter esofágico superior (EES) esteja funcional.
- Caracteriza-se por ruídos torácicos (gorgolejos), sensação de pressão torácica, distensão, flatulência e desconforto social.
- Ganhou popularidade nas redes sociais; diagnóstico pode ser feito por história clínica e confirmado por manometria com impedância após bebida gaseificada.
- O ar atinge o esôfago, mas não consegue passar pelo EES, gerando sintomas recorrentes.
- Toxina botulínica no EES tem sido utilizada como tratamento, com melhora parcial dos sintomas e riscos potenciais, como disfagia.
Conclusão: transtornos da eructação
Os transtornos da eructação infantil são diversos, e seu correto reconhecimento é essencial para evitar condutas inadequadas e tratamentos desnecessários. A história clínica detalhada, o exame físico direcionado e o uso criterioso de exames complementares, como a impedanciometria com manometria, ajudam a diferenciar entre eructação fisiológica, eructação supragástrica, aerofagia e incapacidade de eructar. O manejo requer abordagem individualizada e, muitas vezes, multidisciplinar. A conscientização sobre a influência das redes sociais no padrão de procura por diagnóstico é fundamental, principalmente no caso da síndrome da incapacidade de eructar, cujo aumento de casos pode estar ligado à disseminação online.
Mensagens práticas para o atendimento clínico
- Diferencie os tipos de eructação: eructação gástrica, supragástrica e aerofagia têm mecanismos distintos e implicações terapêuticas diferentes.
- Eructação excessiva isolada não é indicação de IBP: o uso empírico de antiácidos não costuma trazer benefícios quando não há refluxo ácido documentado.
- A história clínica é essencial: a presença de sintomas diurnos que cessam durante o sono é sugestiva de causa funcional ou comportamental.
- A eructação supragástrica é um comportamento aprendido: pode ser tratado com reeducação, fonoaudiologia e, em alguns casos, suporte psicológico.
- A síndrome da incapacidade de eructar é real, mas recente: o diagnóstico deve ser criterioso, e o tratamento com toxina botulínica só deve ser considerado após avaliação cuidadosa.
- Trabalho em equipe faz diferença: a atuação integrada entre gastroenterologia, psicologia, nutrição e fonoaudiologia aumenta as chances de sucesso terapêutico, especialmente nos casos refratários
Confira os principais destaques do ESPGHAN 2025!
Autoria

Jôbert Neves
Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).
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