A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é uma queixa comum em consultas médicas, sendo considerada uma condição multifacetada que pode causar ou exacerbar uma série de síndromes clínicas. Apesar de tratar-se de uma condição comum, o diagnóstico da DRGE é desafiador, já que tem como base a clínica, o que pode variar enormemente entre faixas etárias e diferentes síndromes clínicas.
Regurgitação e Refluxo no Lactente
É importante esclarecer que o simples retorno de conteúdo gástrico não é suficiente para configurar doença do refluxo, já que pode ocorrer fora de um contexto patológico, sendo conhecido como refluxo fisiológico.
A diferenciação entre regurgitação no lactente e DRGE pode ser difícil. É essencial ressaltar que, apesar da vasta gama de exames diagnósticos disponíveis, nenhum deles é considerado padrão-ouro. Dessa forma, não está recomendada a realização de exames complementares na investigação da DRGE de forma rotineira.
Bebês com sintomas leves e nenhum sinal de alarme são considerados “vomitadores felizes” (“happy spitters”) e não demandam tratamento farmacológico ou investigação adicional.
Mesmo para lactentes e crianças pequenas com sintomas mais importantes, o tratamento medicamentoso não tem eficácia comprovada, devendo o manejo ser individualizado em casos mais graves, como crianças com história de aspiração, apneia e pneumonia. De qualquer forma, medidas não farmacológicas (ex.: posturais) costumam ser de fácil aplicação e auxiliam no manejo dos sintomas.
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Refluxo em Crianças Maiores
Assim como ocorre em adultos, a evolução para cronicidade é mais comum em crianças maiores do que nos lactentes, e o curso pode ser mais flutuante, com períodos de exacerbação clínica e outros de aparente controle da doença.
Embora sejam mais frequentes os sintomas relacionados ao ácido, outros fatores podem estar associados aos sintomas, como refluxo alcalino, problemas de motilidade, hipersensibilidade esofágica e distúrbios funcionais.
Quadro Clínico
Os sintomas atribuídos à DRGE variam de acordo com a faixa etária e possíveis complicações, apresentando-se geralmente como um quadro heterogêneo e com manifestações inespecíficas. Estes sintomas são categorizados em:
- Sintomas gerais, como irritabilidade/choro, dificuldades com ganho de peso e halitose.
- Sintomas gastrointestinais, como regurgitações, hematêmese/melena, engasgos/recusa alimentar e azia.
- Sintomas respiratórios, incluindo rouquidão, estridor, tosse, apneia/cianose e sibilância.
Sintomas como febre, letargia e déficit de crescimento, assim como a presença de vômitos biliosos, diarreia crônica e sangramento retal, são considerados sinais de alarme para a investigação de diagnósticos alternativos. O início tardio (após os 6 meses) ou a persistência dos sintomas além dos 12 meses também indicam a necessidade de avaliação adicional.
Diagnóstico
Em situações em que os sintomas são mais subjetivos, especialmente em lactentes, deve-se ponderar o custo-benefício de realizar exames complementares, já que não há um exame padrão-ouro para o diagnóstico de DRGE.
Via de regra, o consenso mais recente não recomenda a realização de cintilografia esofágica e ultrassonografia esofagogástrica na investigação de crianças com refluxo, exceto em casos de suspeita de estenose hipertrófica do piloro.
Eventuais exames complementares devem ser solicitados de acordo com a suspeita clínica. Por exemplo:
- A pHmetria tem como objetivo quantificar o refluxo gastroesofágico ácido e correlacionar os episódios de refluxo com a presença de sinais e sintomas de DRGE.
- A impedânciometria monitora a quantidade e qualidade do material refluído.
- A manometria avalia a motilidade do esôfago.
- A endoscopia digestiva alta (EDA) avalia a mucosa por meio de biópsias, identifica sinais de esofagite e auxilia no diagnóstico diferencial, como a esofagite eosinofílica.
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Tratamento
Para um tratamento adequado, é importante diferenciar entre refluxo ácido, não ácido e fracamente ácido. Em lactentes, os tipos não ácido e fracamente ácido são os mais comuns, o que explica a baixa resposta observada aos inibidores da bomba de prótons (IBP).
Não há consenso ou algoritmo único para o tratamento medicamentoso da DRGE. Algumas das opções terapêuticas disponíveis e suas respectivas indicações incluem:
- Antiácidos de contato ou protetores de mucosa: usados como sintomáticos, principalmente para pacientes com sintomas esporádicos/pontuais, sintomas leves/moderados ou diminuição de acidez noturna.
- Antiácido com magnésio ou alumínio: 2,5 mL 3x/dia em < 5 kg e 5 mL 3x/dia em > 5 kg.
- Sucralfato: 2,5 mL (0,5 g) 4x/dia em < 6 anos de idade e 5 ml (1 g) para > 6 anos.
- Alginato: não há preparações adequadas para crianças pequenas no Brasil.
- Medicamentos que diminuem a secreção ácida (IBP e bloqueadores H2): na presença de sintomas relacionados a secreção ácida, como dor retroesternal/azia/queimação ou nos casos de complicação como a esofagite.
- Famotidina: 0,5-1,0 mg/kg/dia de 12/12h (dose máxima: 40 mg).
- Omeprazol: 1-4 mg/kg/dia (dose máxima: 80 mg).
- Lansoprazol: 2 mg/kg/dia para lactantes e 30 mg para crianças com > 30 kg.
- Esomeprazol: 10 mg para lactantes, 20 mg até 20 kg e 30 mg para crianças com > 30 kg.
- Pantoprazol: 1-2 mg/kg/dia (dose máxima: 40 mg).
- Procinéticos: aumentam o tônus do esfíncter esofagiano inferior, melhorando o esvaziamento gástrico. Entretanto, atualmente este grupo de medicamentos não é indicado de forma rotineira devido a falta de evidências científicas de eficácia.
Em crianças com sintomas típicos de DRGE, mas sem sinais de alarme, pode ser considerado um teste terapêutico com supressão ácida empírica utilizando fármacos inibidores da bomba de prótons (IBP) ou bloqueadores H2, inicialmente por 4 semanas, podendo ser estendido para até 12 semanas em caso de melhora clínica.
O tratamento conservador inclui medidas não medicamentosas, como orientações gerais, dietéticas e posturais, que estão resumidas na Tabela 1.
Tabela 1 – Tratamento conservador para doença do refluxo gastroesofágico
Orientações Gerais | Orientações para Crianças Maiores | Orientações para Lactentes |
Evitar roupas apertadas | Não dormir após comer muito | Posição supina para dormir |
Priorizar troca de fralda antes das mamadas | Evitar refeições volumosas | Fórmulas AR ou espessantes para os que usam fórmula infantil |
Evitar tabagismo (passivo e ativo) | Evitar alimentos gordurosos | Não suspender aleitamento materno |
Tratar obesidade | Priorizar deitar em decúbito lateral esquerdo com cabeceira elevada | Sucralfato ou alginato (refluxo não ácidos ou fracamente ácidos) |
Conclusão
Na maioria dos casos, a DRGE é diagnosticada clinicamente, e medidas conservadoras (orientações gerais, medidas dietéticas e posturais) são parte importante do tratamento.
Atualmente, existem diversas opções para o tratamento medicamentoso, cada uma com suas respectivas indicações.
É fundamental evitar o uso exagerado e desnecessário de medicamentos antiácidos, especialmente no tratamento de lactentes com DRGE, já que, na maioria das vezes, a doença não apresenta forte relação com a acidez.
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