O desenvolvimento de terapias inovadoras para doenças inflamatórias intestinais (DII), como a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa, tem evoluído significativamente nas últimas décadas. No entanto, o acesso a esses medicamentos por crianças e adolescentes ainda é limitado. Os obstáculos vão desde questões regulatórias até barreiras práticas no uso clínico e financiamento.
Durante o congresso da European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN 2025), o Dr. Nick Clough, discutiu os principais desafios enfrentados por profissionais da saúde na adoção de novos tratamentos em pediatria, com foco no impacto direto sobre os cuidados oferecidos aos pacientes, são eles:
Processo de desenvolvimento longo e incerto
O caminho até a aprovação de um novo medicamento pode durar décadas. Muitos projetos são interrompidos mesmo após anos de pesquisa. Um exemplo citado foi um inibidor da via SMAD7, iniciado em 1998 e encerrado sem sucesso em 2020 após falhas em ensaios de fase III.
Atraso entre aprovação para adultos e crianças
Mesmo medicamentos já aprovados para adultos, como o adalimumabe, podem levar anos para obter aprovação pediátrica. No caso citado, foram necessários nove anos entre a licença para adultos com colite ulcerativa (2012) e a autorização para uso pediátrico (2021).
Uso frequente de medicamentos off-label
A falta de indicações pediátricas leva ao uso off-label, que, embora necessário, traz incertezas quanto à dose, formulação e segurança a longo prazo. Também pode limitar o acesso, por depender de avaliações caso a caso.
Veja também: Evolução da doença perianal na Doença de Crohn pediátrica
Barreiras de financiamento
Mesmo medicamentos aprovados podem não estar disponíveis para pacientes pediátricos devido a critérios rígidos de custo-efetividade impostos por órgãos reguladores. No uso off-label, os desafios aumentam, exigindo autorizações especiais, recursos hospitalares próprios ou acordos com a indústria.
Variabilidade na prática clínica
Médicos têm diferentes níveis de abertura para adoção de novos tratamentos. Enquanto alguns adotam rapidamente medicamentos baseando-se em dados emergentes, outros preferem aguardar evidências mais consolidadas. Isso pode gerar desigualdade de acesso entre pacientes com perfis semelhantes.
Conclusão
A morosidade na aprovação e na incorporação de novos tratamentos para DII em crianças tem consequências clínicas relevantes. Muitos pacientes permanecem expostos por longos períodos a terapias menos eficazes ou com efeitos colaterais importantes, como corticosteroides, com impacto negativo no crescimento, desenvolvimento e qualidade de vida. A demora no acesso a medicamentos biológicos e terapias mais direcionadas limita o controle da doença, aumenta o risco de hospitalizações e cirurgias e compromete o bem-estar físico e emocional de crianças e adolescentes com DII.
Para mudar esse cenário, é essencial antecipar os estudos pediátricos, viabilizar modelos de financiamento adaptados e fortalecer a produção de evidências que sustentem decisões clínicas mais ágeis e seguras.
Mensagens práticas
- Iniciar os estudos pediátricos precocemente, de forma paralela aos ensaios em adultos, para evitar anos de atraso na aprovação;
- Utilizar dados de mundo real para apoiar decisões clínicas e subsidiar diretrizes enquanto os estudos formais ainda estão em andamento;
- Estabelecer políticas de financiamento específicas para uso pediátrico, inclusive em contextos off-label, com processos ágeis e transparentes;
- Promover educação médica contínua sobre novas terapias, incentivando a prática baseada em evidências e a atualização constante dos profissionais;
- Envolver as famílias nas decisões terapêuticas, com clareza sobre os benefícios e limitações dos tratamentos disponíveis e possíveis caminhos de acesso.
Confira os principais destaques do ESPGHAN 2025!
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