Diversos artigos dos últimos anos têm abordado aspectos importantes relacionados à microbiota intestinal. Suas funções relacionadas a aspectos imunológicos e nutricionais têm atraído pesquisadores que buscam entender sua atuação na prevenção de diversas doenças e seus aspectos contributivos na progressão da fisiopatologia de diversos outros casos.
Uma das doenças em que o estudo da microbiota intestinal tem se destacado é a displasia broncopulmonar. A displasia broncopulmonar é uma grave e comum complicação da prematuridade, principalmente quando em crianças expostas a hiperóxia, que complica a longo prazo a vida de muitas dessas crianças.
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Um artigo muito interessante a respeito do tema foi lançado em maio de 2021 pela revista Pediatric Pulmonology. O artigo realiza uma revisão da literatura a respeito de aspectos básicos das funções da microbiota intestinal e de suas possíveis relações no desenvolvimento da displasia broncopulmonar.
Segue agora, o resumo de alguns pontos principais desse artigo.
Microbiota intestinal e sua importância no desenvolvimento e função intestinal
A microbiota intestinal é formada por diversas classes de micro-organismos e possui importância central em aspectos de defesa contra patógenos, reforço da barreira intestinal, atuação na digestão e absorção de alimentos e produção de substâncias vitais para os seres humanos (como a vitamina B12). De forma mais importante em recém-nascidos, atua na maturação de células da mucosa intestinal e no desenvolvimento do sistema imunológico.
O desenvolvimento da microbiota intestinal e seus participantes dependem de diversos fatores, como uso ou não de leite materno, uso prévio de antibióticos, idade gestacional e permanência em unidades de terapia intensiva neonatais. Observa-se que neonatos prematuros, principalmente aqueles de muito baixo peso, apresentam diversos fatores de risco para um padrão alterado de micro-organismos da microbiota intestinal, caracterizando o que muitas vezes é conhecido como disbiose intestinal e favorecendo determinados padrões que podem aumentar o estado inflamatório da criança e piorando o prognóstico de diversas morbidades, incluindo a displasia broncopulmonar.
Um conceito interessante trazido pelo artigo é o conceito de eixo intestino-pulmonar. Essa hipótese traz a ideia de que a microbiota intestinal pode alterar a saúde pulmonar, através da regulação de mediadores inflamatórios como citocinas e células do sistema imunológico, seja para mais ou para menos, na dependência do tipo de microbiota predominante. Assim, alguns tipos de micro-organismos predominantes em casos de disbiose intestinal podem estar envolvidos em situações como alergias respiratórias, ativação imunológica, lesão e fibrose pulmonar.
Microbiota pulmonar e intestinal e suas repercussões na displasia broncopulmonar
“Estudos estão confirmando que a visão convencional de que o pulmão é estéril é inadequada”. Dessa forma, o autor nos apresenta o conceito de microbiota pulmonar. Essa microbiota, assim como a microbiota intestinal, está sujeita a variações dependendo do ambiente a qual é exposta. Por exemplo, o uso de hiperóxia provavelmente causa modificações nessa microbiota que podem estar associadas a invasões de patógenos e aumento da inflamação, levando a ou piorando situações de displasia broncopulmonar. Alguns estudos em modelos animais sugerem também que a hiperóxia pode levar a uma maior translocação da microbiota intestinal que, através da corrente sanguínea, pode chegar até os pulmões e acionar uma série de respostas que levará ao aumento da inflamação, podendo também estar relacionada com a fisiopatologia da displasia broncopulmonar.
Alguns estudos também têm sugerido diferenças na microbiota intestinal relacionada ao uso de ventilação mecânica, hiperóxia e uso de antibióticos, sendo esses fatores também relacionados a piora da displasia broncopulmonar. Alguns estudos têm sugerido que crianças com displasia broncopulmonar também apresentam disbiose intestinal e essa disbiose relaciona-se à piora da lesão pulmonar, podendo evoluir inclusive com fibrose. Apesar disso, pouco ainda se sabe sobre o real mecanismo pelo qual a microbiota intestinal atua na displasia broncopulmonar, e mais estudos são necessários. Provavelmente a microbiota intestinal e a displasia broncopulmonar apresentam uma associação intrínseca de forma bilateral, mas detalhes dessa relação ainda estão para ser descobertos.
Como a microbiota intestinal pode influenciar a displasia broncopulmonar?
Apesar de ainda não haver a compreensão real de como esses dois atores contracenam, a ciência tem percebido algumas pistas e alguns mecanismos têm sido levantados para aumentar nosso entendimento dessa importante interação.
- A disbiose intestinal leva a uma piora da função de barreira intestinal, levando a um aumento da permeabilidade da mucosa, facilitando a translocação bacteriana para os pulmões e levando a um aumento de substâncias pró-inflamatórias. Os pulmões percebem então seu meio como alterado, e isso pode levar à doença pulmonar;
- A disbiose intestinal leva ao aumento da produção de diversos mediadores inflamatórios, como interleucina-6 e TNF-alfa, levando a ativação de células inflamatórias que podem atuar no pulmão, levando a lesão;
- Alterações de diversas vias metabólicas foram comprovadas em pacientes com disbiose intestinal, e podem estar envolvidas na fisiopatologia da displasia broncopulmonar;
- A microbiota intestinal parece estar relacionada ao crescimento durante o primeiro ano de vida, e isso parece ser mais intenso em neonatos de muito baixo peso de forma precocemente. Comprovadamente, o crescimento e o ganho de peso são medidas importantes para reduzir a piora da displasia broncopulmonar, e a disbiose intestinal pode promover lesões pulmonares mais intensas ao prejudicar o crescimento das crianças.
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Apesar de ainda incipiente, o conhecimento dos mecanismos pelos quais a microbiota intestinal pode afetar a progressão da displasia broncopulmonar pode ser um importante ganho na luta contra essa doença tão grave. Medidas como o incentivo ao uso de leite humano e o estímulo ao aleitamento materno, mesmo em crianças prematuras extremas, podem ser importantes na prevenção desse quadro, inclusive pela modulação da microbiota intestinal.
Referências bibliográficas:
- Yang K, He S, Dong W. Gut microbiota and bronchopulmonary dysplasia. Pediatric Pulmonology. 2021;1‐11. doi: 10.1002/ppul.25508
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