As assaduras, também conhecidas por “dermatite de fraldas” (DF), consistem nas doenças cutâneas mais comuns da primeira infância.1 Caracterizam-se por reações inflamatórias inespecíficas da pele na região coberta pela fralda. O termo “fralda” integra a nomenclatura em virtude de uma combinação de fatores presentes nesta área, incluindo atrito, umidade prolongada e a exposição contínua a irritantes, como amônia e enzimas nas fezes e o uso de detergentes para limpeza.2-4 Esse contato prolongado provoca irritação na pele, evoluindo, muitas vezes, com infecção secundária por fungos ou bactérias.1
Infelizmente, a DF altera o pH, a microbiota normal e a barreira da pele, podendo ocasionar inquietação, dificuldade de alimentação, distúrbios do sono, visitas médicas frequentes e ansiedade parental, o que enfatiza a necessidade de estratégias eficazes de prevenção.1,4 Existem diferentes tipos de assaduras, que podem apresentar características muito similares. Portanto, é essencial que o pediatra saiba reconhecer essas variedades para identificar, aliviar e prevenir os diferentes tipos de DF.5
O presente artigo traz uma atualização sobre o tema, abordando as principais estratégias para diagnóstico, manejo e prevenção da DF, além de seus diagnósticos diferenciais, contribuindo para um cuidado mais integral e eficaz da saúde dos bebês.
Epidemiologia
A DF é uma das doenças de pele mais frequentes em bebês e crianças pequenas, sendo responsável por 10-20% das enfermidades cutâneas nessa faixa etária.6 Ocorre em cerca de um terço dos lactentes, com uma incidência estimada entre 7-35%,1,4,7 representando, aproximadamente, 25% das consultas dermatológicas pediátricas. Sua prevalência varia amplamente entre os países; 1,3-43,8% na China, 8,7% nos Estados Unidos, 14,9% na Alemanha, 15% na Itália, 36,1% na Tailândia, 67,3% na Turquia e superior a 87% no Japão. Ademais, pesquisas conduzidas no continente africano também mostraram que a prevalência de DD é relatada como 18,4% em Camarões, 27,3% no Quênia, 38,9% na Nigéria e 62,5% na Etiópia.6,8
A maior ocorrência de DF é em crianças menores de 2 anos, com pico entre 9 e 12 meses de vida, devido ao uso de fraldas nessa faixa etária.1,4,7 Dessa forma, a incidência diminui substancialmente aos 2 anos de idade, quando as crianças costumam iniciar a fase de desfralde.7
Já na faixa etária de 2 a 4 anos, um estudo recente conduzido na Tailândia mostrou que a prevalência de DF foi de 17,2%.7
Etiologia e fatores de risco
A DF tem etiologia multifatorial, como aumento de umidade, contato prolongado com urina ou fezes e outros irritantes, como detergentes, como o lauril sulfato de sódio.1,3 A segunda causa mais frequente de DF é a infecção e a causa infecciosa mais comum é a de origem fúngica, especialmente por Candida albicans. A candidíase pode ser uma causa primária de DF, mas também pode ocorrer como uma infecção sobreposta à irritação crônica. Outras micoses que podem ser associadas à DF incluem dermatofitose, exacerbação da dermatite seborreica por Malassezia e condições pseudomicóticas, como eritrasma.3
A segunda causa infecciosa mais comum de DF é a infecção bacteriana. Em recém-nascidos (RN), a infecção por Staphylococcus aureus ocorre secundariamente à colonização do cordão umbilical. O Streptococcus pyogenes também é visto como um agente etiológico desta condição.3
Fatores de risco associados ao desenvolvimento de DF englobam:
- Anatomia dos bebês: As áreas de dobras de bebês os tornam mais suscetíveis à dermatite. São comumente afetadas abdome inferior, lombar, região glútea, genitália e superfícies internas das coxas;6
- Idade: A pele de RN e lactentes apresenta maior suscetibilidade por sua imaturidade;
- Dieta: Mudanças dietéticas à medida em que a criança cresce estão relacionadas a mudanças na microbiota intestinal e no pH fecal. O aleitamento materno é um fator de proteção;
- Frequência de trocas de fraldas: O contato prolongado com irritantes (como fezes e urina) aumenta o risco de inflamação da pele. Portanto, RN e bebês cujas fraldas são trocadas com mais frequência tendem a ser menos afetados por DF;3
- Uso de lenços umedecidos: Ao longo dos anos, as formulações com produtos químicos agressivos vem mudando para opções com ingredientes mais suaves. Apesar das melhorias, ainda contêm conservantes. Há uma correlação entre o uso de lenços com menos ingredientes e uma menor incidência de DF. A exposição crônica a irritantes presentes nos lenços umedecidos pode, infelizmente, comprometer a barreira cutânea dos bebês. Isso acontece porque os ingredientes residuais deixados na pele, principalmente sob oclusão, podem ser absorvidos. Alguns estudos que utilizaram cromatografia identificaram diversos compostos químicos nos lenços umedecidos, incluindo alérgenos como fragrâncias, conservantes, ftalatos e almíscares. Embora haja o argumento de que são mais suaves, esses ingredientes podem ser alergênicos e abrasivos, modificando os níveis de pH da pele e, potencialmente, provocando sensibilidades cutâneas. Até mesmo alguns produtos com fragrâncias naturais, como aloe vera e camomila, podem não ser hipoalergênicos, pois possuem óleos essenciais ou álcool em sua composição. Por fim, os parabenos e a metilisotiazolinona (um conservante bastante utilizado), presentes nos lenços, foram associados, respectivamente, a distúrbios endócrinos e a alergias de contato.4
Recentemente, um estudo realizado na Etiópia mostrou que a ocupação materna, paridade, estado da gestação, o conhecimento materno sobre as assaduras, o tipo de fralda utilizada e a aplicação de cremes de barreira foram significativamente associados à DF. Portanto, é essencial melhorar o conhecimento materno/responsável sobre fraldas e DF para reduzir a carga e a gravidade do problema.6 No caso de crianças maiores (de dois a quatro anos), dois principais fatores ajustáveis para a prevenção de DF são o treinamento para desfralde antes dos dois anos e evitar o uso desnecessário de antibióticos por via oral.7
Fisiopatologia
A fisiopatologia da DF é fundamentada no prejuízo do papel de barreira da pele. Em RN, particularmente prematuros, essa função de barreira é naturalmente comprometida. O vérnix caseoso proporciona uma função de bloqueio temporário da epiderme e, portanto, não deve ser removido entre 6 e 24 horas após o nascimento do bebê. Além disso, a textura da pele apresenta modificações antes do surgimento da DF, como a presença de estruturas estriadas.9
Uma mudança no microbioma cutâneo acompanha a DF. Em RN com menos de uma semana de vida, a pele da área das nádegas é colonizada por Bacteroides, Bifidobacteria, Enterobacteria, Eubacteria e Lactobacilli. O aleitamento materno impulsiona, no intestino, o crescimento de Bacteroides, Bifidobacteria e Lactobacilli. Por outro lado, após o desmame, aumentam as concentrações de Peptococci Gram-positivo, Poststreptococci, Staphylococci e Veinonella spp. Por fim, a colonização com Finegoldia foi apontada como um fator contribuinte para o surgimento da DF.9
Conforme a gravidade da DF aumenta, o Staphylococcus aureus se torna o germe principal. Em seguida, estão os Enterococcus. Curiosamente, um estudo chinês mostrou que a DF foi associada à presença de Staphylococcus aureus, Enterococcus, Erwinia e Pseudomonas. No que tange à colonização fúngica, a Candida albicans aumenta com a gravidade da assadura.9
Todas as alterações de microbioma cutâneo são proporcionadas pelo pH alcalino. Uma fralda oclusiva promove a formação de um microambiente úmido, ocasionando super-hidratação do estrato córneo e consequente liberação de fator de necrose tumoral (TNF) alfa e de interleucina (IL)-1 alfa pró-inflamatória. Neutrófilos são atraídos pela ativação de outras ILs, como IL-6 ou IL-8.9
Variantes clínicas e diagnóstico diferencial
Dermatite por atrito ou friccional
Caracteriza-se pela presença de lesões eritêmato-descamativas que aumentam e diminuem rapidamente. Esse tipo acomete áreas de atrito, isto é, regiões de maior fricção, como superfície interna das coxas, nádegas, genitália e abdome (regiões convexas).1,10
Fig.1: Dermatite por atrito ou friccional
Dermatite de contato por irritante primário
Consiste no tipo mais prevalente de assadura.5,11 A área coberta pela fralda permanece em contato prolongado com substâncias altamente irritantes, como urina e fezes. Em situações como diarreia ou erupção dentária (quando ocorre aumento da deglutição de saliva pelo trato gastrointestinal), o risco de desenvolvimento de DF é ainda maior.5 DF por irritantes apresentam-se como manchas rosadas ou vermelhas na pele coberta pela fralda. As regiões da pele mais comumente afetadas incluem as áreas convexas das nádegas, as áreas perianal, genital, proximal da coxa e região inferior do abdome, poupando as áreas intertriginosas, resultando em uma lesão semelhante à letra W,1 pois as áreas de dobras são mais protegidas da urina e das fezes.5
A DI pode ser classificada em diferentes graus:
- Suave: Coloração rosada sobre uma pequena área tênue (partes perianais ou irregulares);
- Leve: Coloração rosa mais intensa e definida com distribuição maior, perianal, com partes irregulares e poucas pápulas (<5);
- Moderada: Vermelhidão definida em área maior, com várias pápulas (>5);
- Moderada a grave: Vermelhidão intensa definida em área maior, várias pápulas, pústulas e pele visivelmente irritada;
- Grave: Vermelhidão intensa muito definida na área das nádegas, várias pápulas, pústulas, pele visivelmente irritada e presença de edema.12
As exulcerações são denominadas “Úlceras de Jacquet”.1
Dermatite de contato alérgica
Caracteriza-se pela presença de eritema, descamação e pápulas difusas na área da pele que esteja em contato com a fralda. Embora não seja uma causa frequente de DF, observa-se um aumento de sua incidência nos últimos anos. Manifesta-se por meio do contato da pele com substâncias químicas que compõem pomadas, emolientes e lenços umedecidos (principalmente conservantes e fragrâncias) e com produtos das fraldas descartáveis (como resina adesiva e aditivos de borracha). Para que haja sensibilização cutânea a um determinado produto, é necessário um período de uma a três semanas. A partir do momento em que a substância é identificada e seu uso é interrompido, as lesões podem durar ainda cerca de duas a quatro semanas.1
Fig. 2: Dermatite de contato alérgica
Infecção fúngica
As infecções mais frequentemente associadas à DF são provocadas por leveduras Candida, especialmente Candida albicans (10). Características comuns das lesões incluem placas eritematosas e escamosas, envolvendo áreas de dobras e apresentando pápulas e pústulas satélites.13 Ao contrário da DF irritante, uma DF por fungos geralmente é pior nas dobras da virilha.5 Devido a alterações na microbiota residente, o uso prévio de antibioticoterapia sistêmica é um importante fator desencadeante.1
Dermatite seborreica (DS)
A DS consiste em uma erupção da pele caracterizada por eritema e escamas oleosas. Apesar de ocorrer mais frequentemente em couro cabeludo, também pode se estender para rosto, orelhas e pescoço e chegar até a área da fralda. Sua prevalência é maior durante os primeiros seis a nove meses de vida (até 10% dos lactentes podem apresentar este tipo de dermatite), no entanto, sofre queda a partir dos 12 meses. Ainda não se sabe exatamente o que ocasiona a DS. Todavia, espécies de leveduras de Malassezia foram implicadas.14
Psoríase
Pode ser um desafio diferenciar entre psoríase e DS. A psoríase apresenta uma distribuição semelhante à DS com a presença de placas escamosas vermelhas persistentes, bordas bem definidas,14 podendo ou não apresentar descamação espessa,1 sendo a região da fralda uma área típica de predileção, com especial envolvimento das dobras.13
A psoríase pode ser desencadeada pelo estreptococo beta hemolítico do grupo A da faringite ou pela dermatite estreptocócica perianal. Seu diagnóstico deve ser sempre aventado em lactentes com lesões persistentes em área de fraldas e com falha aos tratamentos adequados às DF comuns.1,13
Para o diagnóstico correto, é recomendada a procura de lesões psoriáticas em outros locais de predileção da doença, como couro cabeludo, joelhos, cotovelos, canais auditivos externos, região periauricular, prega perianal e umbigo.1,13
Outras variantes clínicas
A avaliação de diversos fatores, como a morfologia e a distribuição das lesões na pele, além do estado geral da criança e a história patológica pregressa e familiar auxiliam na realização do diagnóstico diferencial das lesões mencionadas anteriormente com outras variantes clínicas, exemplificadas abaixo:13
- Infecções: Escabiose, foliculite, impetigo, sífilis congênita e dermatite estreptocócica e estafilocócica perianal;
- Estado nutricional da criança: Acrodermatite enteropática, deficiência de biotina, fibrose cística;
- Doenças autoimunes e de causa desconhecida: Líquen escleroso e doença de Kawasaki;
- Neoplasia: Histiocitose das células de Langerhans;
- Outras causas de dermatopatias: Abuso infantil, queimaduras, dermatoses bolhosas crônicas da infância (como a epidermólise bolhosa), intertrig e miliária.1,13
Prevenção e tratamento
De um modo geral, os cuidados com a DF incluem:
- Lavagem das mãos antes e depois das trocas de fraldas;
- A troca da fralda deve ser feita o mais breve possível, isto é, após cada micção e/ou evacuação. No RN deve ser trocada a cada 1 a 2 horas durante o dia e, no mínimo, uma vez à noite. Já no lactente, a troca deve ser realizada a cada 3 a 4 horas durante o dia;
- A limpeza do local deve ser suave, com algodão e água: não se deve esfregar a pele para evitar atrito, o períneo deve ser higienizado da frente para trás e, caso não haja resíduos do creme de barreira, não remover toda a camada;
- Deixar a região perineal exposta ao ar (expor mais vezes ao longo do dia se houver lesão);
- Aplicar cremes de barreira, cobrindo toda a região exposta. Em caso de lesão ativa, uma camada grossa é indicada para reduzir o contato com a urina e com as fezes.
- Checar a fralda que está sendo usada, sempre dando preferências para as que não possuem fragrâncias e que têm maior absorção;1
- Talcos não devem ser utilizados devido ao risco de asfixia.15
Uma investigação mais detalhada e/ou o encaminhamento para o dermatologista pediátrico estão indicados nas seguintes situações:
- Embora os cuidados acima descritos estejam sendo conduzidos, não há melhora das lesões;
- Ocorrência de vesículas, bolhas, descamação ou exulceração;
- Evidências de sangramento ou hematomas na região;
- Presença de sintomas sistêmicos, incluindo dor, emagrecimento, febre e prostração;
- Outras regiões do corpo também estão acometidas.1
Cremes de barreira
Os cremes de barreira são preparações tópicas de uso diário que atuam como prevenção da DF, devendo ser aplicados para a cobertura de áreas suscetíveis a lesões. Não é necessária a retirada completa do produto em trocas consecutivas de fraldas. Os cremes de barreira também são indicados como terapia de primeira linha para DF leve a moderada. Em geral, eles contêm óxido de zinco e/ou petrolato, responsáveis pela formação de um filme lipídico na superfície cutânea. Dessa forma, o contato da pele com fezes e urina é reduzido. Além disso, restauram o estrato córneo. Alguns produtos podem também incluir vitaminas A, D e E, dexpantenol e extrato de calêndula.1, 11, 16
Outros tratamentos disponíveis
A indicação de outros tratamentos tópicos dependerá da classificação da lesão. Não se deve prescrever corticoides e antifúngicos, como a nistatina, para a prevenção da DF. Nistatina ou miconazol creme são indicados no tratamento da candidíase. Já os corticoides de baixa potência têm seu papel em casos de dermatite de contato alérgica por um período curto de três a cinco dias.1
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