Os pediatras desempenham um papel crucial na detecção de dismorfismos, sendo responsáveis por observar pequenas anomalias nos pacientes que atendem em seus consultórios e berçários das maternidades. Algumas dessas anomalias podem ser traços familiares sem consequências, enquanto outras servem como indícios de um distúrbio genético, possivelmente associado a questões mais complexas de crescimento ou desenvolvimento. Durante o encontro anual da Academia Americana de Pediatria (AAP), a Dra. Neena Champaigne revisitou conceitos importantes para o pediatra geral, abordando apresentação clínica de alterações genéticas e/ou malformações comuns que sugerem a presença de uma síndrome ou a necessidade de uma avaliação adicional.
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Entre 2% a 3% dos recém-nascidos apresentam defeitos congênitos, representando uma prevalência estimada em 120.000 bebês nos Estados Unidos (EUA). Muitos desses casos, entre 25% e 30%, têm origem genética. O desenvolvimento desses defeitos acontece em diferentes fases: a implantação, que acontece nas primeiras semanas após a fertilização; o estágio embrionário, que é crítico para a formação inicial e termina na terceira semana; e o estágio fetal, que se inicia na oitava semana e se estende até o nascimento, envolvendo o crescimento e a diferenciação de órgãos. Além disso, a nutrição pré-natal é essencial, com o fechamento do tubo neural sendo um marco importante, tornando a suplementação de ácido fólico recomendada antes da gravidez.

Mecanismos de anomalias congênitas
Quatro mecanismos principais levam a anomalias congênitas. A deformação refere-se a alterações na forma devido a fatores externos, enquanto a disrupção é caracterizada pela interrupção do desenvolvimento normal em decorrência de influências internas ou externas. A malformação, por sua vez, resulta de anormalidades intrínsecas no desenvolvimento, e a displasia envolve um crescimento anormal de células e tecidos. Esses mecanismos destacam a complexidade envolvida na origem dos defeitos congênitos e a importância de um acompanhamento adequado durante a gestação. Veja agora como você pode encontrar essas pacientes clinicamente:
Associações:
Um grupo de anomalias que tendem a ocorrer juntas com mais frequência do que o esperado por acaso, mas sem uma causa ou base genética conhecida. Essas anomalias não seguem uma sequência de desenvolvimento previsível e não decorrem da mesma patologia subjacente.
Exemplo: Associação VACTERL
- Componentes:
- V: Anomalias vertebrais
- A: Atresia anal (ânus imperfurado)
- C: Defeitos cardíacos
- T: Fístula traqueoesofágica
- E: Atresia esofágica
- R: Anomalias renais
- L: Anomalias de membros (limb)
- Abordagem clínica:
- Identificar múltiplas anomalias em diferentes sistemas orgânicos.
- Excluir outras condições genéticas conhecidas.
- Uma abordagem multidisciplinar é necessária (ex.: neonatologistas, cardiologistas, cirurgiões).
Sequências:
Uma cascata de anomalias que surgem devido a um único evento inicial, levando a um padrão reconhecível de malformações.
Exemplo: Sequência de POTTER
- Evento Inicial: Agenesia renal
- Consequências: Oligoidramnia →
- Hipoplasia pulmonar
- Achatamento das características faciais (fácies de Potter)
- Contraturas de membros
Exemplo: Sequência de Pierre Robin
- Evento Inicial: Hipoplasia mandibular
- Consequências:
- Glossoptose (deslocamento para baixo da língua)
- Fissura palatina em forma de U
- Abordagem Clínica:
- Identificar o evento primário (ex.: agenesia renal ou mandíbula pequena).
- Investigar complicações subsequentes.
- Testes genéticos podem determinar se a sequência faz parte de uma síndrome maior.
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Anomalias complexas:
Um grupo de anomalias que surgem da interrupção de um campo de desenvolvimento, frequentemente devido a problemas vasculares ou mecânicos. Essas são anomalias localizadas que afetam uma região específica do corpo.
Exemplo: Anomalia de Poland
- Características:
- Ausência ou subdesenvolvimento dos músculos peitorais.
- Anomalias da mão ipsilateral (ex.: braquidactilia ou sindactilia).
- Abordagem Clínica:
- Identificar defeitos localizados.
- Considerar causas vasculares ou mecânicas, especialmente se o defeito for unilateral.
- Correção cirúrgica ou fisioterapia pode ser necessária, dependendo da gravidade.
Síndromes:
Uma coleção de anomalias que ocorrem juntas de forma consistente devido a uma causa conhecida, geralmente uma mutação genética, uma anormalidade cromossômica ou exposição teratogênica. Ao contrário das associações, as síndromes têm uma etiologia clara, que permite prever as anomalias e estratégias de manejo potenciais.
Exemplo: Síndrome de Down (Trissomia 21)
- Características:
- Características faciais distintas
- Pregas palmares transversais únicas
- Hipotonia
- Atrasos no desenvolvimento
- Aumento do risco de defeitos cardíacos congênitos
Exemplo: Síndrome de Marfan
- Características:
- Estatura alta e membros longos
- Aneurismas ou dissecções da aorta
- Deslocamento do cristalino (ectopia lentis)
- Juntas hipermóveis.
- Abordagem Clínica:
- Testes genéticos (análise cromossômica, sequenciamento de genes únicos) para confirmar o diagnóstico.
- Manejo multissistêmico (cardiologia, oftalmologia).
- Aconselhamento familiar sobre riscos de recorrência.
Mensagem prática para pediatras sobre diagnóstico genético:
- Importância da detecção de dismorfismos: Os pediatras devem estar atentos a pequenas anomalias físicas que podem indicar a presença de distúrbios genéticos.
- Deve-se ter uma claro entendimento dos mecanismos de anomalias: Familiarizar-se com as quatro principais causas de anomalias congênitas: deformação, disrupção, malformação e displasia.
- Testes genéticos: Proceder com testes genéticos apropriados para confirmar diagnósticos, como análises cromossômicas e sequenciamento de genes.
- Apoiar o manejo multiprofissisonal: Integrar cuidados com diversas especialidades médicas (cardiologia, oftalmologia) para o manejo de condições complexas associadas a distúrbios genéticos.
- Orientar o aconselhamento genético: Oferecer suporte e aconselhamento a famílias sobre riscos de recorrência de anomalias genéticas e a importância da nutrição pré-natal, incluindo a suplementação de ácido fólico.
Confira os destaques do AAP 2024!
Autoria

Jôbert Neves
Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).
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