Em atendimentos de emergência pediátrica, a estimativa rápida e precisa do peso da criança é fundamental para o ajuste de doses de medicamentos, volumes de fluidos de ressuscitação e calibração de dispositivos médicos. No entanto, pesar a criança nem sempre é possível em cenários críticos, como em paradas cardiorrespiratórias ou quando a informação dos pais não está disponível naquele momento. Os métodos tradicionais de estimativa de peso, como fórmulas baseadas em idade e fitas baseadas em comprimento, frequentemente não atingem níveis ideais de precisão, especialmente em populações geograficamente distintas. Neste contexto, um estudo propôs o desenvolvimento e validação de um modelo de estimativa de peso baseado em inteligência artificial, inicialmente adaptado à população pediátrica espanhola, buscando superar as limitações dos métodos tradicionais.
Este estudo utilizou dados antropométricos de 11.287 crianças da Espanha para treinar modelos de machine learning, utilizando a altura e o body habitus (BH), classificação corporal em magreza, peso normal ou sobrepeso, como variáveis iniciais. Três tipos de modelos foram testados: regressão linear simples, regressão polinomial de segundo grau e máquina de vetor de suporte com núcleo gaussiano (SVM-G). A validação foi realizada em uma coorte independente de 780 crianças atendidas em serviços de emergência pediátrica.
O modelo SVM-G demonstrou ser o mais preciso que os métodos atualmente utilizados para estimativa de peso, veja:
- 74,7% das estimativas com erro percentual absoluto (EPA) < 10%;
- 96,7% das estimativas com EPA < 20%.
Esses resultados superaram os métodos disponíveis na literatura por margens de 3,2–37,5% (para EPA <10%) e 1,3–29,1% (para EPA <20%).
O estudo também avaliou a precisão da avaliação visual do BH, essencial para o uso prático do modelo em emergências. Observou-se que 36,7% das crianças foram classificadas incorretamente em seu BH visualmente, com maiores erros em crianças menores de 2 anos. Essa imprecisão impactou o desempenho do modelo quando comparado ao uso do BH teórico baseado no índice de massa corporal (IMC), sendo esse um fator relevante a ser considerado. No Brasil, por exemplo, seria uma grande limitação, visto que não temos essa categorização amplamente divulgada e utilizada.
Comparativamente, o SVM-G superou outros métodos conhecidos, como:
- PAWPER XL-MAC (anteriormente tido como o mais preciso);
- Ballesteros, DWEM, Mercy e Broselow.
A aplicação do SVM-G manteve desempenho superior em todas as categorias de BH (magro, normal, sobrepeso), com destaque para crianças de peso normal, que representam 50% da amostra validada.
Conclusão: IA para estimativa de peso
O algoritmo baseado em máquina de vetor de suporte (SVM-G) proposto demonstrou ser uma ferramenta promissora e segura para estimativa de peso em emergências pediátricas, superando métodos atualmente em uso tanto local quanto internacionalmente. A melhoria na precisão pode ter impacto direto na segurança clínica, otimizando a dosagem de medicamentos e outros tratamentos críticos na sala de emergência.
Apesar dos excelentes resultados, algumas limitações foram reconhecidas, como:
- A dependência da avaliação visual do BH, que ainda apresenta considerável margem de erro;
- A necessidade de validação em diferentes contextos socioeconômicos e demográficos além da Espanha.
O estudo sugere que a incorporação do modelo em aplicativos móveis ou fitas tipo Broselow adaptadas seria viável, ampliando a aplicabilidade prática do SVM-G na rotina hospitalar. Também recomenda o uso de imagens de referência de BH e treinamentos para melhorar a acurácia da avaliação visual pelos profissionais de saúde. Com mais estudos multicêntricos e adaptações populacionais específicas, o modelo poderia refletir com maior acurácia as características da população alvo.
Autoria

Jôbert Neves
Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).
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