O câncer de cabeça e pescoço é uma doença agressiva que frequentemente requer tratamento com quimiorradioterapia concomitante. Embora esse tratamento seja eficaz, ele vem acompanhado de efeitos colaterais debilitantes, como a mucosite oral, uma inflamação dolorosa da mucosa, que no caso desses pacientes se concentra na boca e na garganta. A mucosite pode ser tão intensa que os pacientes têm dificuldade para comer, falar e até mesmo engolir saliva, levando a desnutrição, perda de peso e interrupções no tratamento.
A imunonutrição (suplementos nutricionais enriquecidos com aminoácidos como arginina e glutamina, além de ômega-3) tem sido estudada como uma estratégia para reduzir esses efeitos adversos. A ideia é que esses nutrientes possam modular o sistema imunológico, reduzir a inflamação e proteger os tecidos saudáveis durante a quimiorradioterapia.
No entanto, os resultados de estudos anteriores têm sido contraditórios. Alguns mostram benefícios, enquanto outros não encontram diferenças significativas. Por isso, este estudo é relevante: ele busca esclarecer se a imunonutrição realmente faz diferença na prática clínica, especialmente em um cenário real de tratamento.
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Método do estudo
Ensaio clínico randomizado, prospectivo e aberto (não cego). Três centros de oncologia na Tailândia. Os participantes foram pacientes com câncer de cabeça e pescoço em estágio localmente avançado, submetidos a quimiorradioterapia.
O grupo imunonutrição recebeu três sachês diários de suplemento (contendo arginina, glutamina e óleo de peixe) uma semana antes do início da radioterapia e continuou durante todo o tratamento. Enquanto o grupo controle, que não recebeu suplementação especial, apenas teve orientação nutricional padrão. Foram avaliados semanalmente pelos médicos usando critérios padronizados (CTCAE v5). Nos relatos dos pacientes, os mesmos avaliaram sintomas como dor, dificuldade para comer e queimaduras na pele usando questionários validados.
Principais desfechos: mucosite oral grave (grau 2 ou pior), dermatite, esofagite e toxicidades hematológicas.
Análise estatística
Comparação entre os grupos usando modelos de regressão logística.
Ajuste para fatores como tipo de quimioterapia recebida.
População envolvida
Total de pacientes: 87 (46 no grupo imunonutrição e 41 no grupo controle).
Idade média: 55 anos (variando de 28 a 70 anos).
Sexo: Predomínio masculino (cerca de 75% dos participantes).
Local do tumor: Principalmente orofaringe e cavidade oral.
Estágio da doença: A maioria em estágio avançado (IV).
Tratamento:
Radioterapia com técnicas modernas (IMRT em ~80% dos casos).
Quimioterapia baseada em platina (cisplatina semanal ou a cada três semanas).
Observação: Os grupos eram semelhantes no início do estudo, exceto por uma pequena diferença no esquema de quimioterapia (mais pacientes no grupo controle receberam cisplatina a cada tres semanas).
Resultados
Mucosite oral
Avaliação médica: Não houve diferença significativa entre os grupos.
No pico do tratamento (semana 6), ~60% dos pacientes em ambos os grupos tiveram mucosite grau 2 ou pior.
Relato dos pacientes:
Tendência de menor gravidade no grupo imunonutrição nas semanas finais, mas sem significância estatística.
Outros efeitos colaterais
Dermatite: Redução significativa no grupo imunonutrição na semana 3 (9,8% vs. 34,8%), mas o efeito não se manteve depois.
Esofagite e toxicidades hematológicas: Sem diferenças entre os grupos.
Peso e duração do tratamento:
Perda de peso: Mediana de -5% no grupo imunonutrição vs. -8,5% no controle (não significativo).
Duração do tratamento: Igual nos dois grupos (~50 dias).
Mensagem prática
A imunonutrição não reduziu significativamente a mucosite oral grave ou outros efeitos colaterais da quimiorradioterapia. Houve uma melhora transitória na dermatite (semana 3), mas isso pode não ter impacto clínico relevante. Os pacientes que receberam imunonutrição tiveram uma tendência a relatar menos sintomas graves no final do tratamento, mas o estudo pode não ter tido poder estatístico suficiente para confirmar isso.
Importante considerar que o estudo foi aberto (pacientes e médicos sabiam quem recebeu a suplementação), o que pode ter influenciado as respostas. Além disso, o tamanho da amostra foi pequeno (87 pacientes), limitando a capacidade de detectar diferenças sutis. A adesão à suplementação não foi monitorada – alguns pacientes podem não ter tomado os sachês corretamente.
Estudos maiores, com grupos mais homogêneos e placebo-controlados, para evitar viés, ainda precisam ser estudados. Monitoramento rigoroso da adesão à suplementação e análise de subgrupos (ex.: pacientes com desnutrição prévia podem se beneficiar mais) também são relevantes para a continuidade das análises.
A imunonutrição não deve ser recomendada rotineiramente para prevenir mucosite em pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Outras estratégias (como laserterapia, crioterapia ou analgésicos tópicos) têm mais evidências de benefício. Apoio nutricional individualizado continua sendo essencial para evitar perda de peso e interrupções no tratamento.
Conclusão e mensagem prática
Este estudo reforça que a imunonutrição não é uma solução mágica para os efeitos colaterais da quimiorradioterapia nos pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Embora haja uma pequena tendência de melhora em alguns sintomas, os resultados não foram convincentes o suficiente para mudar a prática clínica.
A lição é clara: nem toda intervenção com base teórica promissora se traduz em benefícios reais. A medicina baseada em evidências exige que avaliemos criticamente os resultados de estudos como este antes de incorporar novas condutas.
Próximos passos: aguardar pesquisas maiores e mais robustas para definir se há um subgrupo de pacientes que realmente se beneficia da imunonutrição. Enquanto isso, o foco deve ser no manejo individualizado dos sintomas e na manutenção da qualidade de vida durante o tratamento.
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