Idade do doador vs compatibilidade do HLA: o que importa mais no TMO alogênico?
A importância da ciclofosfamida pós-transplante alogênico
Foi publicado na Blood em junho de 2024 um estudo muito interessante sobre o impacto da idade do doador não-aparentado na sobrevida livre de leucemia em pacientes portadores de leucemia mieloide aguda (LMA). De acordo com esse trabalho, a idade do doador nesse contexto seria ainda mais importante do que a compatibilidade do antígeno leucocitário humano (HLA) para a escolha do doador.
A ciclofosfamida pós-transplante (PTCy) emergiu como uma estratégia fundamental para a prevenção da doença do enxerto contra hospedeiro (GVHD), desafiando a importância da compatibilidade do HLA entre doadores e receptores. Sua eficácia não apenas permitiu o aumento do uso de doadores haploidênticos e não-relacionados incompatíveis (MMUDs), mas também demonstrou benefícios em transplantes de células-tronco hematopoéticas (TCTH) de irmãos compatíveis e de doadores não-relacionados compatíveis (MUD). As recomendações atuais para a seleção de doadores não-relacionados priorizam a compatibilidade HLA do doador/receptor, em um cenário de profilaxia de GVHD baseada em inibidores de calcineurina e metotrexato. A pergunta que fica é: seria o algoritmo de seleção de doadores usado na prática atual válido na era da PTCy?
Este estudo, portanto, teve como objetivo investigar as características chave dos doadores não-relacionados que poderiam impactar os resultados do transplante em pacientes com leucemia mieloide aguda (LMA) recebendo profilaxia de GVHD com PTCy.
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Por dentro dos pacientes, variáveis e metodologia
Este estudo consiste em uma análise retrospectiva, baseada em registros, em nome do Grupo de Trabalho de Leucemia Aguda (ALWP) da EBMT. Foram incluídos todos os pacientes adultos (idade ≥ 18 anos) com LMA em primeira ou segunda remissão completa (CR1 ou CR2), que se submeteram ao primeiro TCTH alogênico de um MUD 10/10 ou um MMUD 9/10 entre janeiro de 2010 e dezembro de 2021. Os transplantes utilizaram um enxerto de sangue periférico não manipulado e PTCy como profilaxia para GVHD. As seguintes características do paciente, da doença e do transplante foram incluídas no modelo final de regressão multivariada: idade do paciente no momento do transplante, grupo de risco citogenético de acordo com a classificação da European LeukemiaNet de 2017, CR1 ou CR2, ano do transplante, regime de condicionamento e status performance. Além disso, foram incluídas as seguintes características do doador e do enxerto: idade do doador ≥ 30 ou < 30 anos, MUD ou MMUD, sorologia CMV do doador-receptor e incompatibilidade de sexo do doador-receptor.
Todos os transplantes foram realizados de doadores não-aparentados.
É possível observar que 56% dos pacientes eram do sexo masculino, 75% tinham o status sorológico para CMV positivo (52% dos doadores eram CMV negativo), 73% tinham um escore de risco < 2 pontos do HCT-CI, alto risco citogenético em 24% dos pacientes, 83% dos pacientes transplantados foram em primeira remissão e 54% dos regimes de condicionamento foram Mieloablativos (mediana de idade dos pacientes de 29 anos). Ao total foram incluídos 304 pacientes. Ainda, 83% dos pacientes não tiveram depleção de células T in vivo e 56% dos pacientes utilizaram o regime de PTCy + inibidor de calcineurina + Micofenolato Mofetila para prevenção de GVHD.
Com relação à compatibilidade do HLA, 61% eram 10/10 MUD (88,9% com ‘missmatch’ permissivo no HLA-DPB1) enquanto os 39% restantes eram 9/10 (93,9% com ‘missmatch’ permissivo em DPB1).
Desfechos utilizados no estudo
O desfecho primário foi a sobrevida livre de leucemia (LFS). Os desfechos secundários incluíram GVHD aguda e crônica, recidiva da doença, mortalidade não relacionada à recidiva (NRM), sobrevida livre de GVHD e recidiva (GRFS) e sobrevida global (SG).
Resultados observados
A idade do doador superior a 30 anos teve um impacto negativo na recidiva da doença (razão de risco [HR], 1,38; intervalo de confiança [IC] de 95%, 1,06-1,8), na sobrevida livre de leucemia (LFS) (HR, 1,4; IC de 95%, 1,12-1,74), na sobrevida global (HR, 1,45; IC de 95%, 1,14-1,85) e na sobrevida livre de GVHD e recidiva (HR, 1,29; IC de 95%, 1,07-1,56). Além disso, doadores CMV-negativos para receptores CMV-negativos foram associados a uma melhora na LFS (HR, 0,74; IC de 95%, 0,55-0,99). O uso de MMUD e doadoras femininas para receptores masculinos não teve impacto significativo nos desfechos do transplante. Para pacientes submetidos a TCTH de um doador não-relacionado com PTCy para LMA, a idade do doador inferior a 30 anos melhora significativamente a sobrevida. Nesse contexto, a idade do doador pode ser priorizada em detrimento das considerações de compatibilidade HLA. Além disso, doadores CMV-negativos são preferíveis para receptores CMV-negativos.
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Para a prática clínica
Apesar dos resultados apresentados, é importante notar que o uso da ciclofosfamida pós-transplante para pacientes que são submetidos ao TMO alogênico doador compatível (aparentado ou não-aparentado) ainda não é uma rotina, sendo mais comum o esquema de profilaxia utilizando inibidor de calcineurina (mais comumente a ciclosporina) com o metotrexato. Além disso, a maioria dos trabalhos que avaliam a ciclofosfamida pós-transplante no cenário apresentado acima são retrospectivos, por análise de banco de dados e comparação com dados históricos. Portanto, devemos ter cuidado ao mudar nossa rotina prática.
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