Medidas de exposição ao ar livre e miopia em crianças com smartwatch

No transcorrer das últimas décadas, o crescente número de casos bem como o início, cada vez mais precoce, da miopia são um tema de saúde pública universalmente. Na Ásia, existem regiões onde a prevalência de miopia entre os jovens na transição entre a adolescência e o início da fase adulta aumentou para quase 90%.  

A concretização de ações preventivas e o tratamento da miopia em idade pré-escolar é de suma importância para prevenir a alta miopia e a miopia patológica na vida adulta. Além da alta ametropia, também se nota o aumento da incidência de doenças que cursam com perda da visão como a maculopatia miópica e as respectivas cataratas e glaucoma. 

Estudos clínicos randomizados mostraram que crianças que se ocupam em mais atividades ao ar livre apresentam: menor incidência de miopia, menor mudança da ametropia e retardo do início da miopia.  

Entretanto, apesar das evidências demonstrarem a correlação entre maior tempo ao ar livre e diminuição da progressão da miopia, não existem dados que quantifiquem a duração e o padrão da exposição ao ar livre, envolvidas com mudança miópica.  

Chen et al. estudaram a conexão entre padrões de exposição ao ar livre e a mudança miópica entre crianças em idade escolar. 

 

Métodos 

Trata-se de um estudo de coorte prospectivo, realizado ao longo de um ano, que foi braço do estudo STORM, um ensaio clínico randomizado por cluster, realizado em Xangai, China. Cada criança recebeu um smartwatch a ser usado diariamente das 7h00 às 19h00.  

Os participantes incluídos nas análises finais tinham que ser os que tinham: usado o smartwatch por um mínimo de 6 horas e por pelo menos 90 dias durante o estudo; não ter miopia na linha de base do protocolo e ter dados completos sobre certas variáveis (isto é, idade, sexo, equivalência da refração esférica e comprimento axial [AL]). 

O tempo ao ar livre e a intensidade da luz solar foram todos medidos de forma objetiva pelo smartwatch que era equipado com um sensor de luz, um módulo receptor GPS e um pedômetro. Um algoritmo de aprendizado da máquina foi utilizado para distinguir entre ambientes externos e internos, alcançando uma precisão alta de 92,4%.  Com a ajuda do tempo combinado à intensidade de luz foram definidos 12 padrões para exposição ao ar livre. 

A mudança na refração foi definida como a mudança absoluta na equivalência esférica entre a medida inicial e no acompanhamento após 1 ano. 

 

Resultado e Discussão  

Participaram da pesquisa 2.976 crianças, com média de idade ± DP de 7,2 ± 0,6, sendo 1.525 (51,2%) do sexo feminino e 1.451 (48,8%) do sexo masculino. Importante mencionar que 48,5% dos progenitores dos participantes não eram míopes. Na avaliação inicial, a equivalência esférica média ± DP foi de 1,26 ± 0,67 dioptria (D) e o AL médio ± DP foi de 22,74 ± 0,69 mm. 

O tempo diário médio ± DP ao ar livre foi de 90 ± 28 minutos/dia, a intensidade média da luz solar foi de 2345 ± 486 luxes. Dentro do intervalo contínuo na exposição ao ar livre, a intensidade média (IQR) da luz solar foi de 2061 (1060-4812) lux, e o tempo médio (IQR) ao ar livre foi de 11 (5-23) minutos. 

A estimativa do efeito principal do tempo diário ao ar livre na mudança de equivalência esférica absoluta foi de -0,024 D (IC de 95%, -0,040 a -0,009 D; P = 0,002), e a estimativa do efeito principal da intensidade da luz solar na mudança de equivalência esférica absoluta foi de -0,026 D (IC de 95%, -0,058 a 0,005 D; P = 0,12). Houve interação aditiva entre a intensidade da luz solar e o tempo diário ao ar livre na mudança miópica (estimativa do efeito de interação, -0,065 D; IC de 95%, -0,098 a -0,032 D; P < 0,001); 56,2% (IC de 95%, 38,1% a 74,2%; P < 0,001) da estimativa do efeito conjunto pode ser atribuída à interação aditiva.  

A análise RCS (Regressão por Cúbico Splines) mostrou que o tempo diário ao ar livre e a intensidade da luz solar estão ambos linearmente associados à mudança de miopia (Fig. 1-A e B). O gráfico de contorno (Fig. 1-C) mostra um intervalo desigual entre contornos, sugerindo uma interação aditiva entre intensidade da luz solar e tempo ao ar livre diário na mudança de miopia (P para interação, <0,001). 

Em síntese, a referida pesquisa evidencia que há uma diminuição da progressão da miopia, revestida de significado estatístico, associada ao tempo de exposição ao ar livre, sendo essa associação linear, isto é, quanto mais tempo ao ar livre, menor será o aumento do grau de miopia. Padrões de exposição ao ar livre de 15 minutos ou mais apresentaram-se como protetores contra a mudança míopica.  

A forma pela qual o tempo ao ar livre e a intensidade da luz solar interagem é complexa, mas ela modifica de forma significativa a progressão da miopia.  

 

Limitações 

• A pesquisa foi realizada na China, onde a intensidade da luz solar pode ter influências locais que inviabilizam a aplicação direta dos resultados em outras regiões geográficas em função da complexidade da interação entre clima e intensidade da exposição. 

• O período de análise do estudo (1 ano) é relativamente curto e pode não ser um reflexo adequado de como os diferentes níveis de exposição ao ar livre realmente afetam a miopia. 

• Os smartwatchs podem subestimar os níveis da luz aos quais os olhos estão expostos.  

 

Impactos na prática clínica 

Medidas de saúde pública devem ser feitas, visando implementar programas nas escolas e nas comunidades que aumentem o tempo de exposição ao ar livre das crianças como uma medida de prevenção. 

Incentivar os responsáveis a expor as crianças ao ar livre, mesmo através de exposições em intensidades moderadas de luz é importante, uma vez que um tempo mínimo de 15 minutos ao dia já está relacionado à diminuição da ametropia.   

 

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