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Neurologia23 agosto 2024

Uma revisão sobre doença de Parkinson 

Neste artigo trataremos dos principais pontos de uma revisão publicada no New England Journal of Medicine sobre a doença de Parkinson
Por Danielle Calil

A doença de Parkinson (DP) apresenta incidência e prevalência com aumento a partir do avançar da idade, com uma incidência entre 47 a 77 a cada 100 mil pessoas com mais de 45 anos e 108 a 212 a cada 100 mil pessoas com mais de 65 anos. É uma doença com maior prevalência masculina, em taxa 2:1.  

Trata-se de condição com curso progressivo ao longo do tempo, sendo resultante de um processo de neurodegeneração a partir de uma anormalidade conformacional da proteína intraneuronal alfa-sinucleína presente em áreas do sistema nervoso. 

A New England Journal of Medicine publicou neste ano uma excelente revisão sobre o tema. 

Uma revisão sobre doença de Parkinson 

Imagem de freepik

Fatores de risco e etiopatogenia 

Essa condição é resultante de causas multifatoriais, englobando componentes genéticos e não genéticos. 

As variantes genéticas monogênicas são identificadas em 20% dos casos. Os casos de DP de herança autossômica dominante com penetrância incompleta inclui mutações no gene LRRK2 (presente em 1-2% de todos os casos e em 40% dos casos familiais), GBA1 (presente em 5-15% dos casos e mais comuns em indivíduos com ancestralidade em judeus Ashkenazi e norte-africanos) e VPS35 e SNCA (esses dois últimos genes são ainda menos comuns, presentes em menos de 1% dos casos). Já casos de DP com herança recessiva incluem mutações no gene PRKN, PINK1 e DJ1 — as mais prevalentes nos casos com desenvolvimento dos sintomas em pacientes jovens.  

Leia também: Tratamento de sintomas neuropsiquiátricos nas demências

Para indivíduos sem fortes fatores de risco genéticos dessa condição, a chance de heritabilidade é estimada em 20-30%, de modo que seja considerado importantes fatores não genéticos atrelados à doença. Fatores ambientais como exposição ocupacional ou residencial a pesticidas (paraquat, rotenone, ácido 2,4-diclorofenoxiacético) e a solventes clorinados (tricloroetileno e percloroetileno) proporcionam risco dose-dependente e conferem 40% de risco para DP segundo a maioria dos estudos.  

Outros fatores também descritos como associados à doença são traumatismo cranioencefálico leve-moderado, exposição a metais, diabetes mellitus tipo 2 e certas doenças inflamatórias. 

Manifestações clínicas e diagnóstico da doença de Parkinson

Trata-se de doença com manifestação multissistêmica, apresentando componentes motores e não-motores. 

A síndrome motora da doença consiste em síndrome parkinsoniana, na qual contempla sintomas como bradicinesia, tremor em repouso e rigidez de caráter assimétrico. A instabilidade postural, por sua vez, pode ocorrer após alguns poucos anos de doença, gerando prejuízo funcional com aumento de chance de quedas e de fraturas ósseas. O curso progressivo desses sintomas possui tempo variável para cada caso. 

Os sintomas não motores da doença compõem alteração de olfato (hiposmia), constipação intestinal e transtorno comportamental do sono REM. Além disso, disfunção autonômica pode se manifestar com hipotensão ortostática, disfunção urinária, disfunção erétil e prejuízo em componentes de termorregulação. As alterações cognitivas, principalmente com disfunção executiva e disfunção visuoespacial, podem ser identificados em testes neuropsicológicos. O declínio cognitivo a partir de comprometimento cognitivo leve ou demência pode ser observado em aproximadamente 10% dos pacientes de modo anual.  

Considerando a conjuntura multissistêmica dessa doença, o diagnóstico atual para DP é clínico. A realização de exames complementares é aplicada para exclusão de diagnósticos diferenciais. Confira na tabela abaixo os critérios de definição diagnóstica da doença pela Movement Disorder Society (MDS).  

Doença de Parkinson clinicamente estabelecida, segundo a MDS 

▪ Definição de síndrome parkinsoniana (presença obrigatória de bradicinesia associada a pelo menos um outro sintoma, como tremor em repouso ou rigidez).  
▪ Ausência de critérios absolutos de exclusão para DP (anormalidades cerebelares; paralisia supranuclear vertical do olhar; parkinsonismo restrito a membros inferiores por mais de três anos; perda de funções corticais superiores; ausência de resposta motora à terapia dopaminérgica em alta dose; neuroimagem funcional com sistema dopaminérgico pré-sináptico normal). 
▪ Presença de pelo menos dois critérios de suporte para DP (resposta benéfica e significativa à terapia dopaminérgica; presença de discinesias induzidas por levodopa; tremor de repouso em membro documentado em exame físico; presença de hiposmia; presença de denervação simpática cardíaca em cintilografia por MIBG). 
▪ Ausência de red flags (progressão rápida de alteração de marcha com evolução para cadeira de rodas dentro de 5 anos de doença; ausência de progressão dos sintomas motores após 5 anos; disfunção bulbar precoce; disautonomia grave dentro dos primeiros 5 anos de doença; disfunção respiratória; quedas recorrentes e precoces dentro de 3 anos de doença; ausência de sintomas não motores da doença como disautomia, hiposmia, constipação, transtorno comportamental do sono REM; parkinsonismo simétrico; alterações piramidais em exame físico). 

Tratamento 

Em geral, o tratamento é sintomático, com objetivo de amenizar os sintomas motores e não-motores da doença que possam conferir melhor qualidade de vida. Portanto, a terapia farmacológica atualmente vigente não é capaz de intervir no curso progressivo e neurodegenerativo da doença de Parkinson. Medidas de bons hábitos de vida como atividade física regular, alimentação saudável, boa qualidade de sono e evitar exposição a substâncias ambientais com risco para DP são essenciais e necessárias em qualquer estágio da doença. 

A síndrome parkinsoniana pode ser tratada através de drogas que possibilitem o aumento do estímulo dopaminérgico no sistema nervoso central e, para isso, há diversas classes farmacológicas vigentes, como: levodopa, agonistas dopaminérgicos, inibidores da MAO, inibidores de catecol-o-metiltransferase (COMT), antagonistas de receptores de NMDA.  

As formulações orais de levodopa são o recurso farmacológico principal para tratar os sintomas motores — ainda que o tremor seja sinal menos responsivo ao comparar com bradicinesia e rigidez. A duração de levodopa geralmente possui início rápido com duração média de até 4 horas. Geralmente, após 5 anos da doença, pode ser iniciado complicações como flutuações motoras (discinesias, wearing OFF, freezing de marcha, distonia em OFF pela manhã etc.), proporcionando uma necessidade de estratégias como aumento da dose dopaminérgica (podendo ocorrer através de aumento da dose de levodopa ou associação com medicamentos de outra classe citados anteriormente), aumento da frequência de administração da droga, associação ou substituição para drogas com formulação de liberação prolongada. 

Saiba mais: Estudo sugere que ansiedade pode ser um sinal precoce de doença de Parkinson

As drogas utilizadas para controle de manifestações não motoras de DP irão variar de acordo com a demanda referida pelo paciente. Alterações neuropsiquiátricas como ansiedade e depressão, pode ser tratada através da introdução de inibidores seletivos de recaptação da serotonina (IRSS), de inibidores seletivos de recaptação de serotonina-noradrenalina (IRSN) ou até, menos comumente, a partir de alguns agonistas dopaminérgicos. Em todos esses casos é necessária atenção e cautela para interações farmacológicas potenciais considerando a possibilidade de síndrome serotoninérgica. Sintomas neuropsiquiátricos como psicose e alucinações podem ser tratados com pimavanserina (aprovada pelo FDA através de ensaio clínico direcionado a esses sintomas em pacientes com DP) ou com outros antipsicóticos atípicos (como clozapina ou quetiapina). Nesse caso, é importante evitar agentes antipsicóticos típicos considerando a possibilidade de piorar o parkinsonismo. 

Sintomas disautonômicos como hipotensão postural podem ser controlados através de aumento de ingesta hídrica, consumo de sal, uso de meias elásticas e medicamentos com aumento de pressão arterial (ex.: fludrocortisona, midodrina ou droxidopa). Sialorreia pode ser manejado através de administração sublingual de atropina ou aplicação de toxina botulínica em glândula salivar. Constipação por sua vez pode ser manejada pelo aumento da ingestão dietética de fibras e laxativos. Transtorno comportamental do sono REM pode ser atenuado através de terapia cognitivo comportamental, administração de melatonina ou baixa dose de clonazepam. 

A terapia de estimulação cerebral profunda, conhecida como DBS, é um recurso terapêutico cirúrgico que possibilita melhora na qualidade de vida do indivíduo acometido. Afinal, essa terapia permite amenizar flutuações motoras de levodopoterapia que podem surgir com o avançar da doença (discinesias, wearing OFF etc.), como também reduzir a quantidade dos medicamentos de uso regular prescritos. Essa terapia consiste na implantação de um cateter (de canal único ou duplo) em áreas tipicamente como núcleo subtalâmico ou globo pálido presentes em um ou em ambos hemisférios cerebrais, sendo o cateter conectado a um neuroestimulador subcutâneo localizado na região subclavicular. É importante enfatizar que há critérios para analisar se um determinado paciente se beneficiará dessa terapia cirúrgica. É também essencial o alinhamento da expectativa versus realidade dessa terapia ao paciente, visto que os sintomas não-motores e alguns sintomas motores (ex.: instabilidade postural e freezing de marcha) da doença não possuem melhora através dessa intervenção. 

Direções futuras 

Há publicações, como a realizada em fevereiro desse ano pela Lancet Neurology, que propõe uma classificação biológica da doença de Parkinson através do uso de biomarcadores. A identificação de patologia de alfa-sinucleína in vivo através da aplicação de biomarcadores possibilita um diagnóstico precoce da doença de Parkinson, assim como um pavimento essencial no desenvolvimento de potenciais drogas modificadoras para essa doença. 

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Referências bibliográficas

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