A neurocisticercose é a forma neurológica da infecção pelo Taenia solium, resultado da ingestão de ovos do parasita, com consequente formação de cistos no sistema nervoso central. Ainda é endêmica em diversas regiões do Brasil e do mundo, sendo uma das principais causas de epilepsia adquirida globalmente.
O tratamento medicamentoso da neurocisticercose exige um equilíbrio delicado entre erradicar os parasitas viáveis e minimizar os efeitos inflamatórios resultantes da destruição cística. A decisão de quando e como tratar deve considerar o estágio da lesão, localização dos cistos, quadro clínico e condição imunológica do paciente.
Fases evolutivas da neurocisticercose e sua importância terapêutica
O tratamento antiparasitário não é universalmente indicado para todos os pacientes. O estágio evolutivo dos cistos, visível à neuroimagem, é fundamental para definir a conduta:
Estágio do Cisto | Imagem (TC/RM) | Atividade | Conduta Geral |
Vesicular | Cisto viável com escólex | Ativo | Antiparasitário |
Coloidal | Cisto com conteúdo denso e edema perilesional | Ativo | Antiparasitário com cautela |
Granular-nodular | Cisto em involução | Subativo | Conduta individualizada |
Nodular calcificado | Calcificação residual | Inativo | Sem antiparasitários |
Medicamentos antiparasitários
- Albendazol
- Mecanismo: Inibe a polimerização da tubulina do parasita.
- Posologia: 15 mg/kg/dia (máx. 800 mg/dia), divididos em 2 doses, por 7 a 28 dias, conforme o número e tipo de lesões.
- Vantagens: Boa penetração no SNC, maior disponibilidade no mercado, custo mais acessível.
- Praziquantel
- Mecanismo: Aumenta a permeabilidade ao cálcio nas membranas do parasita, levando à sua paralisia e morte.
- Posologia: 50–100 mg/kg/dia em 3 doses, por 15 a 30 dias.
- Limitações: Menor penetração no SNC e mais interações medicamentosas (ex: dexametasona reduz sua biodisponibilidade).
- Associação albendazol + praziquantel
Estudos recentes sugerem que o uso combinado pode ter maior eficácia na destruição cística, especialmente em formas parenquimatosas múltiplas, com aumento controlável dos efeitos adversos. Ainda é considerado em casos selecionados.
Corticoides: uso obrigatório em associação
A destruição dos cistos pode desencadear uma intensa reação inflamatória, com risco de edema cerebral, piora do quadro convulsivo ou hipertensão intracraniana. Por isso, é mandatório associar:
- Dexametasona (4–16 mg/dia) ou
- Prednisona (1–2 mg/kg/dia)
Iniciar 1–2 dias antes do antiparasitário, manter durante todo o curso e reduzir gradualmente após o término. Em casos graves, especialmente com lesões múltiplas ou intraventriculares, o uso de corticoides intravenosos ou prolongados pode ser necessário.
Antiepilépticos: papel complementar
O tratamento antiparasitário não substitui o uso de fármacos anticrises em pacientes com crises epilépticas. A maioria das convulsões na neurocisticercose responde bem aos fármacos convencionais, como fenitoína, carbamazepina ou levetiracetam.
- O tempo de manutenção é individualizado: em geral, pelo menos 2 anos livres de crises antes de considerar suspensão.
- Em pacientes com lesões calcificadas, as crises podem persistir cronicamente, exigindo tratamento prolongado.
Quando não tratar com antiparasitários?
O uso de albendazol e praziquantel não é indicado nas seguintes situações:
- Lesões exclusivamente calcificadas (sem parasita viável).
- Presença de hidrocefalia obstrutiva ou lesões intraventriculares, sem derivação prévia.
- Estado clínico grave ou instável.
- Neurocisticercose espinal ou ocular ativa, devido ao risco de dano irreversível com a resposta inflamatória (nestes casos, considera-se cirurgia ou imunossupressão antes da antiparasiticoterapia).
Monitoramento e seguimento
- Neuroimagem de controle: geralmente após 3 a 6 meses para avaliar resposta terapêutica.
- Monitoramento de enzimas hepáticas, hemograma e sintomas gastrointestinais durante o uso de albendazol.
- Avaliação oftalmológica prévia ao tratamento em casos com suspeita de envolvimento ocular.
Conclusão
O tratamento medicamentoso da neurocisticercose é altamente eficaz quando bem indicado, mas exige cautela e individualização. O uso de antiparasitários deve sempre ser acompanhado de corticoides, com monitoramento clínico e radiológico. Em algumas situações, o tratamento sintomático e suporte neurológico são mais adequados do que a erradicação parasitária.
A decisão terapêutica adequada reduz complicações, melhora a qualidade de vida do paciente e diminui a carga neurológica associada à doença.
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