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Neurologia27 agosto 2025

Tratamento medicamentoso da neurocisticercose: quando e como tratar? 

A neurocisticercose é a forma neurológica da infecção pelo T. solium e uma das principais causas de epilepsia adquirida 
Por Victor Fiorini

A neurocisticercose é a forma neurológica da infecção pelo Taenia solium, resultado da ingestão de ovos do parasita, com consequente formação de cistos no sistema nervoso central. Ainda é endêmica em diversas regiões do Brasil e do mundo, sendo uma das principais causas de epilepsia adquirida globalmente. 

O tratamento medicamentoso da neurocisticercose exige um equilíbrio delicado entre erradicar os parasitas viáveis e minimizar os efeitos inflamatórios resultantes da destruição cística. A decisão de quando e como tratar deve considerar o estágio da lesão, localização dos cistos, quadro clínico e condição imunológica do paciente.  

Tratamento medicamentoso da neurocisticercose: quando e como tratar? 

Imagem da Taenia solium, parasita cujos ovos são responsáveis pela neurocisticercose. Imagem de CDC/Dr. Mae Melvin.

Fases evolutivas da neurocisticercose e sua importância terapêutica 

O tratamento antiparasitário não é universalmente indicado para todos os pacientes. O estágio evolutivo dos cistos, visível à neuroimagem, é fundamental para definir a conduta: 

Estágio do Cisto Imagem (TC/RM) Atividade Conduta Geral 
Vesicular Cisto viável com escólex Ativo Antiparasitário 
Coloidal Cisto com conteúdo denso e edema perilesional Ativo Antiparasitário com cautela 
Granular-nodular Cisto em involução Subativo Conduta individualizada 
Nodular calcificado Calcificação residual Inativo Sem antiparasitários 

Medicamentos antiparasitários 

  1. Albendazol
  • Mecanismo: Inibe a polimerização da tubulina do parasita. 
  • Posologia: 15 mg/kg/dia (máx. 800 mg/dia), divididos em 2 doses, por 7 a 28 dias, conforme o número e tipo de lesões. 
  • Vantagens: Boa penetração no SNC, maior disponibilidade no mercado, custo mais acessível. 
  1. Praziquantel
  • Mecanismo: Aumenta a permeabilidade ao cálcio nas membranas do parasita, levando à sua paralisia e morte. 
  • Posologia: 50–100 mg/kg/dia em 3 doses, por 15 a 30 dias. 
  • Limitações: Menor penetração no SNC e mais interações medicamentosas (ex: dexametasona reduz sua biodisponibilidade). 
  1. Associação albendazol + praziquantel

Estudos recentes sugerem que o uso combinado pode ter maior eficácia na destruição cística, especialmente em formas parenquimatosas múltiplas, com aumento controlável dos efeitos adversos. Ainda é considerado em casos selecionados. 

Corticoides: uso obrigatório em associação 

A destruição dos cistos pode desencadear uma intensa reação inflamatória, com risco de edema cerebral, piora do quadro convulsivo ou hipertensão intracraniana. Por isso, é mandatório associar: 

  • Dexametasona (4–16 mg/dia) ou 
  • Prednisona (1–2 mg/kg/dia) 

Iniciar 1–2 dias antes do antiparasitário, manter durante todo o curso e reduzir gradualmente após o término. Em casos graves, especialmente com lesões múltiplas ou intraventriculares, o uso de corticoides intravenosos ou prolongados pode ser necessário. 

Antiepilépticos: papel complementar 

O tratamento antiparasitário não substitui o uso de fármacos anticrises em pacientes com crises epilépticas. A maioria das convulsões na neurocisticercose responde bem aos fármacos convencionais, como fenitoína, carbamazepina ou levetiracetam. 

  • O tempo de manutenção é individualizado: em geral, pelo menos 2 anos livres de crises antes de considerar suspensão. 
  • Em pacientes com lesões calcificadas, as crises podem persistir cronicamente, exigindo tratamento prolongado.

Quando não tratar com antiparasitários? 

O uso de albendazol e praziquantel não é indicado nas seguintes situações: 

  • Lesões exclusivamente calcificadas (sem parasita viável). 
  • Presença de hidrocefalia obstrutiva ou lesões intraventriculares, sem derivação prévia. 
  • Estado clínico grave ou instável. 
  • Neurocisticercose espinal ou ocular ativa, devido ao risco de dano irreversível com a resposta inflamatória (nestes casos, considera-se cirurgia ou imunossupressão antes da antiparasiticoterapia). 

Monitoramento e seguimento 

  • Neuroimagem de controle: geralmente após 3 a 6 meses para avaliar resposta terapêutica. 
  • Monitoramento de enzimas hepáticas, hemograma e sintomas gastrointestinais durante o uso de albendazol. 
  • Avaliação oftalmológica prévia ao tratamento em casos com suspeita de envolvimento ocular.

Conclusão 

O tratamento medicamentoso da neurocisticercose é altamente eficaz quando bem indicado, mas exige cautela e individualização. O uso de antiparasitários deve sempre ser acompanhado de corticoides, com monitoramento clínico e radiológico. Em algumas situações, o tratamento sintomático e suporte neurológico são mais adequados do que a erradicação parasitária. 

A decisão terapêutica adequada reduz complicações, melhora a qualidade de vida do paciente e diminui a carga neurológica associada à doença.

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