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Neurologia18 novembro 2025

Sequelas neurológicas pós encefalite por dengue 

Estudo avaliou a extensão e os domínios das sequelas neurológicas em casos pediátricos de encefalite aguda associada ao vírus da dengue
Por Raissa Moraes

Acreditava-se que o vírus da dengue (DENV) não possuía tropismo pelo sistema nervoso central. Contudo, posteriormente foi demonstrada sua neurovirulência, com detecção do vírus no líquido cefalorraquidiano por meio de testes de reação em cadeia da polimerase. Desde então, o aumento na incidência de complicações neurológicas associadas à dengue, incluindo encefalite, meningite, mielite e miosite, tem se mostrado preocupante. Embora diversos estudos tenham estabelecido uma associação entre a dengue e encefalite, o conhecimento sobre as sequelas neurológicas após episódios agudos ainda é limitado. 

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Estudo 

Para maior elucidação, um estudo foi conduzido em 2023 e incluiu casos diagnosticados de encefalite aguda associada ao DENV (DEN-AES) em pacientes com idade ≤18 anos, que receberam alta hospitalar entre janeiro de 2018 e dezembro de 2019. A definição de DEN-AES baseou-se na presença de febre aguda acompanhada de alteração do nível de consciência (confusão mental, desorientação, coma ou afasia) e/ou ocorrência de novas crises convulsivas (excluindo crises febris simples), com confirmação laboratorial por ensaio imunoenzimático NS1/IgM e teste de reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa (RT-PCR) para dengue. As sequelas de longo prazo foram avaliadas por meio de visitas domiciliares, utilizando um instrumento padronizado de avaliação de incapacidade. Dados clínicos, bioquímicos e laboratoriais foram obtidos dos prontuários hospitalares para análise.  

Resultados  

Este estudo de coorte evidenciou a presença de sequelas neurológicas significativas em aproximadamente 40% dos casos pediátricos. Embora as manifestações neurológicas da dengue sejam amplamente descritas na literatura, há escassez de informações sobre seus efeitos de longo prazo na função neurológica. Por isso esse estudo de coorte foi inovador, já que foi um dos primeiros a avaliar sequelas neurológicas de longo prazo em pacientes pediátricos com encefalite associada à dengue. 

Os sorotipos DENV-2 e DENV-3 são os mais frequentemente identificados em casos de encefalite aguda. Entre todas as infecções do sistema nervoso central, o DENV atualmente é responsável por cerca de 4% a 13% dos casos. Estudos prévios identificaram distúrbios do movimento comumente associados à infecção pelo vírus da dengue, como distonia, parkinsonismo, síndrome opsoclonus-mioclonus e ataxia. A ataxia é descrita como o distúrbio do movimento mais frequentemente observado em relatos anteriores; contudo, nesta coorte, a distonia foi a manifestação predominante.  

Sequelas neurológicas pós encefalite por dengue 

Imagem de kjpargeter/freepik

Discussão: sequelas neurológicas pós encefalite por dengue  

Relatos de caso de encefalite associada ao DENV frequentemente descrevem envolvimento dos gânglios da base, tálamo, lobos temporais, hipocampo, cerebelo e substância branca cerebral, características de imagem semelhantes às observadas em encefalites causadas pelos vírus da encefalite japonesa, chikungunya e herpes simples. No caso índice do presente estudo, a ressonância magnética durante a fase aguda revelou hiperintensidades nas sequências T2 e FLAIR envolvendo as regiões frontotemporoparietais bilaterais, gânglios da base, tálamo e mesencéfalo, com restrição à difusão sugestiva de processo encefalítico. No exame de imagem de seguimento, realizado dois anos após o episódio agudo, observou-se atrofia cortical significativa, alterações encefalomalácicas com glioses adjacentes nos lobos frontais bilaterais e no lobo occipital direito, além de dilatação ex vacuo dos ventrículos laterais, achados compatíveis com sequelas pós-encefalíticas. 

O principal ponto forte deste estudo reside no fato de todas as avaliações das sequelas neurológicas terem sido realizadas por profissionais de saúde treinados, utilizando um instrumento validado e padronizado de avaliação de incapacidade. Entretanto, a natureza retrospectiva do estudo e o tamanho limitado da amostra representam suas principais limitações.  

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Mensagem prática  

Em conclusão, o presente estudo fornece informações relevantes sobre o impacto de longo prazo da encefalite associada à dengue nos desfechos funcionais e na qualidade de vida de pacientes pediátricos acometidos. Pesquisas futuras devem investigar fatores preditores de incapacidade em pacientes hospitalizados com dengue, bem como desenvolver programas de reabilitação ou intervenções específicas para indivíduos com sequelas. Ademais, programas amplos de vacinação contra a dengue, utilizando vacinas disponíveis em regiões endêmicas, podem contribuir para a prevenção de desfechos graves em casos infectados.

Autoria

Foto de Raissa Moraes

Raissa Moraes

Editora médica de Infectologia da Afya ⦁ Médica do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Mestrado em Pesquisa Clínica pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Infectologista pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense

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