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Neurologia6 setembro 2022

Rituximabe para esclerose múltipla: uso off label da medicação é seguro e eficaz?

O rituximabe não possuía, até agora, ensaio clínico de fase 3 para uso formal no tratamento de esclerose múltipla (EM).

Por Danielle Calil

O desenvolvimento da esclerose múltipla (EM) apresenta relação com a célula B sendo um dos seus mecanismos fisiopatológicos. Ao longo dos últimos anos, drogas com alvo anti-CD20 expressos por células B, foram aprovadas no tratamento de esclerose múltipla, como o ocrelizumabe e ofatumumabe. O rituximabe, droga também depletora de células B, não possuía, até então, ensaio clínico de fase 3 para uso formal no tratamento de esclerose múltipla.

Em 2008, foi publicado o estudo HERMES, ensaio clínico de fase 2, que demonstrou 91% de redução de lesões realçadas por contraste na ressonância de crânio e de surtos clínicos quando comparados com o placebo ao longo de 48 semanas.

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Entre a publicação do estudo HERMES e a aprovação do ocrelizumabe em 2017, vale constar que diversos centros ao redor do mundo adotaram uso off-label de rituximabe para o manejo de doentes com esclerose múltipla na forma remitente recorrente (EM RR). Alguns estudos observacionais foram publicados em que demonstraram uma aparente eficácia de rituximabe em portadores de EM. Entretanto, ainda havia uma carência na publicação de estudos cegos e randomizados.

A Lancet Neurology esse ano publicou o estudo RIFUND-MS, um ensaio clínico de fase 3, duplo cego, randomizado, realizado na Suécia, cujo objetivo foi avaliar a segurança e a eficácia do rituximabe comparado ao dimetil fumarato em pacientes com EM RR ou síndrome clínica isolada (CIS).

Rituximab para esclerose múltipla uso off label da medicação é seguro e eficaz

Como foi o estudo?

O estudo RIFUND-MS foi um ensaio clínico de fase 3, randomizado, duplo cego, com comparação ativa entre a eficácia entre rituximabe e dimetil fumarato em um período de 24 meses.

Entre 2016 e 2018, foram rastreados 322 pacientes para o estudo a fim de eleger os participantes com as seguintes características: (1) diagnóstico de EM RR ou CIS de acordo com os critérios de McDonald, (2) diagnóstico com duração inferior a 10 anos, (3) sem tratamento prévio ou exposição prévia apenas a interferons ou acetato de glatirâmer, (4) relato de atividade de doença clínica ou radiológica no último ano (5) escala de EDSS inferior a 5.5.

Foram excluídos participantes com forma progressiva de EM, gestantes ou lactantes, contraindicação para realização de ressonância magnética, uso simultâneo de outra droga imunossupressora, doenças cardíacas graves ou tempo de vacinação inferior a 4 semanas antes da randomização.

Assim, 200 participantes foram submetidos à randomização na razão 1:1, em que 100 foram atribuídos ao grupo de dimetil furamato (240 mg 2x ao dia com escalamento de dose após 2 semanas, via oral) e 100 ao grupo com rituximabe (1000 mg dose de ataque e subsequente dose de 500 mg a cada 6 meses, via intravenosa).

O objetivo do estudo foi acessar eficácia clínica e segurança do rituximabe em relação ao dimetil fumarato. O desfecho primário avaliado foi a proporção de participantes com surto clínico em período de 24 meses. Já os desfechos secundários foram relacionados ao tempo para ocorrência do primeiro surto clínico, à proporção de participantes sem atividade de doença na RM crânio em 24 meses, à piora do EDSS em 24 semanas e em 24 meses e ao período de manutenção da droga.

Na análise descritiva dos dados desse estudo, os grupos foram homogêneos para idade, sexo, escala de EDSS, tempo de duração da doença e pacientes virgens de tratamento. Interessante que a maioria dos participantes apresentou diagnóstico recente de EM RR, sendo a duração do diagnóstico da doença de 1,6 anos para o grupo de rituximabe e 1,8 para o grupo de dimetil fumarato. Além disso, a maioria não havia recebido tratamento com terapias modificadoras de doença.

Ao final dos 24 meses do estudo, foi observado que 3% dos participantes do grupo de rituximabe e 16% do grupo do dimetil fumarato apresentaram surtos clínicos definidos por protocolo, correspondendo a um risco relativo de 0,19 (IC 95% 0,06-0,62, p= 0,006). Na avaliação dos resultados, a publicação relatou que esse dado pode ser traduzido com número necessário para tratar (NNT) de 7 indivíduos a fim de evitar pelo menos um surto clínico em 1 paciente em torno de 2 anos com rituximabe ao comparar-se com o dimetil fumarato.

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Além disso, 79% dos participantes do grupo rituximabe e 63% do grupo dimetil-fumarato não apresentaram atividade de doença após 24 meses (p=0,019). Não houve diferenças significativas nas escalas de EDSS entre os grupos de tratamento.

Quanto à avaliação de segurança, 475 eventos adversos foram reportados no grupo rituximabe e 352 no grupo dimetil-fumarato. Não houve diferenças significativas entre ambos os grupos.

RIFUND-MS apresenta limitações. O estudo apresentou uma amostra pequena para um ensaio clínico de fase 3. Segundo dados da publicação, essa amostra foi baseada na capacidade de recrutamento de participantes em ambiente acadêmico ocorrido apenas no país da Suécia. Além disso, as avaliações de RM crânio foram feitas em locais regionais ao invés de um centro para laudo dessas imagens. Foi uma escolha pragmática realizada pelos pesquisadores, com a justificativa de que havia sido utilizado um protocolo de ressonância magnética já aprovado para reportar achados na prática clínica por meio de instituições como a Swedish Association of Neuroradiology e Swedish Multiple Sclerosis Association.

Mensagens finais:

  • O ensaio RIFUND-MS, apesar de limitações, sugere que o início de rituximabe possa ser superior ao dimetil fumarato para formas remitentes-recorrentes de esclerose múltipla ou para síndrome clínica isolada num período ao redor de 24 meses.
  • Estudos futuros são necessários para investigar a eficácia de rituximabe na esclerose múltipla com amostras mais amplas e com uma população mais diversificada.
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Referências bibliográficas

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