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Neurologia7 agosto 2024

Qual o risco da trombólise venosa para AVCi em pacientes com uso recente de DOACs?

Estudo investigou o risco de hemorragia intracraniana sintomática associada a pacientes em uso recente de DOAC submetidos à trombólise venosa
Por Danielle Calil

O uso dos anticoagulantes orais diretos (DOACs) surgiu como uma opção de profilaxia primária para pacientes com fibrilação atrial não valvar. Além disso, diversos contextos clínicos (como embolia pulmonar, doença arterial periférica etc.) trouxeram novas indicações para uso dessa classe de drogas.  

A trombólise venosa é um dos pilares da terapia de fase aguda no AVC isquêmico. Atualmente, os guidelines contraindicam essa terapia para àqueles pacientes com ingesta nas últimas 48 horas de DOACs. Essa contraindicação é baseada na presunção de aumento do risco de hemorragia intracraniana sintomática — apesar de poucas evidências para corroborar ou refutar essa hipótese. 

A JAMA Neurology publicou, em 2023, estudo original que se propõe a investigar o risco de hemorragia intracraniana sintomática associada a pacientes em uso recente de DOAC submetidos à trombólise venosa no contexto agudo de AVC isquêmico. 

Qual o risco da trombólise venosa para AVCi em pacientes com uso recente de DOACs

Métodos 

O estudo apresentou desenho observacional, retrospectivo, multicêntrico, internacional em 64 centros terciários entre 2008 e 2021.  

Foram incluídos pacientes ≥ 18 anos que apresentaram AVC isquêmico, com ingestão confirmada de DOAC nas últimas 48 horas, submetidos à trombólise venosa (alteplase de acordo com os guidelines locais — 0,6 mg/kg no Japão e 0.9mg/kg nos outros centros; tenecteplase na dose de 0,25 mg/kg).  

Como grupo de comparação, foram incluídos pacientes com AVC isquêmico tratados na fase aguda com trombólise venosa, mas que não receberam terapia com anticoagulação, a partir de dados do estudo prospectivo Thrombolysis Ischemic Stroke Patients (TRISP) e dos centros participantes. 

Leia também: Manejo do AVC isquêmico na emergência

Logo, a amostra desse estudo foi dividida em dois grupos: (1) pacientes com ingesta de DOACs nas últimas 48 horas e (2) pacientes sem uso de anticoagulantes (controle). 

O desfecho primário binário proposto foi presença de hemorragia intracraniana sintomática (sICH), definido como hemorragia intracraniana após 36 horas da trombólise associada à piora neurológica de 4 pontos na escala NIHSS.  

Já os desfechos secundários incluíram: piora radiológica de hemorragia intracraniana até 36 horas após trombólise venosa (com ou sem piora neurológica associada), independência funcional (com Escala de Rankin modificada ≤ 2 após 90 dias) e análise regressiva ordinal da Escala de Rankin modificada. 

Resultados 

Foram incluídos 33.207 pacientes com AVC isquêmico que receberam trombólise venosa, sendo que 832 participantes pertenciam ao grupo em uso recente de DOAC e 32.375 controles. A amostra de 33.207 pacientes foi caracterizada por 43,5% mulheres, mediana de idade de 73 (62-80) anos e mediana na escala NIHSS de 9 (5-16). 

Comparando os dois grupos, o grupo com recente ingesta de DOAC eram mais idosos, com maior prevalência de hipertensão arterial, maior incapacidade pré-AVC, menos tabagistas, maior tempo despendido entre o ictus cerebrovascular e a administração do trombolítico e com maior chance de oclusão de grandes vasos. 

Entre os pacientes sob uso recente de DOAC, 355 (42,7%) foram tratados com trombólise sem aferição de nível sérico dos anticoagulantes orais diretos ou administração de reversores de DOAC, 252 (30,3%) receberam agente reversor de DOAC antes do trombolítico (sendo em todos os casos idarucizumab entre pacientes em uso de dabigatrana) e 225 (27%) possuíam nível sérico do DOAC disponível. 

Dados sobre o desfecho primário foram disponíveis em 100% da amostra do grupo sob uso recente de DOAC e 98,9% do grupo controle. A taxa de sICH não-ajustada foi de 2,5% (IC 95% 3,9 – 4,3) no grupo sob uso recente de DOAC e de 4,1% (IC 95% 3,9 – 4.,) em controles. A análise após ajuste de variáveis como gravidade do AVC e outros preditores no baseline demonstrou que os pacientes com recém ingesta de DOAC que receberam trombólise venosa apresentaram menor chance de hemorragia intracraniana sintomática [OR ajustada de 0,57, (IC 95% 0,36-0,92), p = 0,02].  

Saiba mais: ACP 2024: O manejo ambulatorial do tromboembolismo venoso

Quanto aos desfechos secundários, a taxa não-ajustada de qualquer hemorragia intracraniana após 36 horas de trombólise foi encontrada em 18% (IC 95% 15,4 –20,9) dos pacientes em uso recente de DOAC comparado a 17,4% (IC 95% 16,9 – 18,0) dos controles. Ao realizar ajuste de variáveis preditoras, não houve diferença de chances entre os grupos [OR ajustada de 1,18, (IC 95% 0,95-1,45), p = 0,14].  

O desfecho funcional após 90 dias foi coletado em 79,8% da amostra dos pacientes com ingesta recente de DOAC e em 87,4% dos controles. A taxa não-ajustada de independência funcional foi encontrada em 45% (IC 95% 41-49) nos pacientes sob uso recente de DOAC e em 57% (IC 95% 56-57) dos controles. 

Comentários 

Nesse estudo, houve evidências insuficientes para apontar um perigo excessivo do uso de trombólise venosa off-label em pacientes selecionados com AVC isquêmico após ingesta recente de DOAC. 

Os autores da publicação descrevem que, embora o resultado desse estudo seja contraintuitivo à primeira vista, há estudos pré-clínico e experimentais em AVC nos quais, em modelos animais, não houve aumento do risco de hemorragia após trombólise em casos de uso de DOAC. 

Ainda assim, considerando o desenho do estudo, é importante atentar-se à limitação quanto ao risco para viés de seleção. Afinal, considerando o recrutamento não-randomizado, pode ter sido privilegiado um recrutamento de pacientes com baixa probabilidade para sICH principalmente no subgrupo que não possuía dosagem sérica de DOAC ou histórico de administração de idarucizumab antes do procedimento de trombólise venosa. 

Uma questão atrativa desse estudo é levantar a questão sobre como proceder o dilema da contraindicação de trombólise venosa em pacientes sob uso recente de DOAC considerando que não há uma evidência clara para apoiá-la ou refutá-la. O desenvolvimento de ensaio clínico randomizado prospectivo com intuito de avaliar a segurança de trombólise venosa em pacientes com uso recente de DOAC poderia ser uma forma de responder esse questionamento. Contudo, a viabilidade desse projeto seria desafiadora, seja pela dificuldade em traçar um desfecho primário de segurança (ex.: sICH) amplamente aceito entre uma grande proporção de médicos, de pacientes e do comitê de ética; seja por um forte potencial de viés de inclusão nos quais pacientes qualificados para trombectomia mecânica não seriam inclusos nesse suposto estudo. Ademais, uma outra argumentação apresentada na publicação é que o uso recente de DOACs é considerado contraindicação relativa para trombólise sistêmica em outros contextos clínicos como infarto agudo do miocárdio e embolia pulmonar. 

Sendo assim, através do resultado desse estudo, apesar de suas limitações, os autores desse estudo original propõe uma revisão sobre a contraindicação absoluta de trombólise venosa em AVC isquêmico naqueles indivíduos com uso de DOACs nas últimas 24 horas de acordo com os atuais guidelines.

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Referências bibliográficas

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