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Endocrinologia7 março 2025

SBD atualiza diretriz de diagnóstico do diabetes tipo 2

SBD publicou sua diretriz atualizada para rastreamento e diagnóstico do DM2, com novas evidências sobre ferramentas diagnósticas mais sensíveis, como o TOTG 1h

O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é uma condição metabólica progressiva que frequentemente se mantém assintomática em seus estágios iniciais, o que resulta em diagnóstico tardio e aumento do risco de complicações micro e macrovasculares. De acordo com a International Diabetes Federation (IDF), aproximadamente 44,7% dos adultos com diabetes desconhecem sua condição, um percentual que, no Brasil, chega a 30% dos indivíduos com DM2. Essa alta taxa de subdiagnóstico reforça a necessidade de aprimoramento das estratégias de rastreamento, permitindo a identificação precoce da doença e possibilitando intervenções oportunas para retardar ou evitar sua progressão. 

Diante desse cenário, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) publicou agora, em março de 2025, sua diretriz atualizada para rastreamento e diagnóstico do DM2, incorporando novas evidências sobre ferramentas diagnósticas mais sensíveis, como o teste oral de tolerância à glicose com dosagem em 1 hora (TOTG 1h), e estratégias de estratificação populacional baseadas em escores de risco, como o Finnish Diabetes Risk Score (FINDRISC). Essas inovações buscam otimizar a triagem de indivíduos com maior predisposição ao DM2, tornando a abordagem mais custo-efetiva e eficiente na prática clínica. Trazemos para cobertura os destaques e mudanças do guideline no portal. 

Leia mais: Ministério da Saúde atualiza protocolo para DM2 no SUS

A diretriz

A diretriz, atualizada e publicada em inglês, foi elaborada por um painel de especialistas da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), por meio de uma revisão sistemática da literatura científica disponível no PubMed/MEDLINE. Os estudos analisados foram classificados de acordo com o nível de evidência: 

  • Nível A – Meta-análises de ensaios clínicos randomizados (RCTs) com baixa heterogeneidade. 
  • Nível B – Meta-análises com alta heterogeneidade, estudos observacionais amplos ou análises de subgrupos. 
  • Nível C – Estudos pequenos, não randomizados ou baseados em consenso de especialistas. 

As recomendações foram classificadas conforme grau de recomendação, seguindo consenso dos especialistas: 

  • Classe I – Recomendação forte (>90% de concordância). 
  • Classe IIa – Deve ser considerada (70-90% de concordância). 
  • Classe IIb – Pode ser considerada (50-70% de concordância). 
  • Classe III – Não recomendada. 

Critérios para rastreamento

A diretriz definiu recomendações detalhadas para rastreamento universal e direcionado, levando em consideração fatores de risco individuais e perfis metabólicos. 

  1. Rastreamento universal em adultos assintomáticos: Indivíduos ≥ 35 anos devem ser submetidos ao rastreamento, independentemente da presença de fatores de risco.
  2. Rastreamento baseado em fatores de risco: Para adultos de 18 a 34 anos, o rastreamento deve ser realizado se houver sobrepeso ou obesidade (IMC ≥ 25 kg/m² ou 23 se asiáticos) E pelo menos um dos seguintes fatores de risco:
  • Histórico familiar de DM2 em parentes de primeiro grau. 
  • Doença cardiovascular estabelecida 
  • Hipertensão arterial sistêmica 
  • HDL-c < 35 mg/dL 
  • Triglicerídeos > 250 mg/dL 
  • Síndrome dos ovários policísticos (SOP). 
  • Presença de sinais de resistência insulínica (acanthosis nigricans) 
  • Inatividade física 
  1. Outras situações onde o rastreamento deve ser realizado: 
  • Score FINDRISC alto ou muito alto 
  • Pré diabetes já diagnosticado 
  • História prévia de DMG 
  • Indivíduos em uso de drogas indutores de hiperglicemia (ex: glicocorticóides) 
  • Indivíduos com suspeita de DM secundário (Ex: HIV, pancreatite, etc) 

Uso do FINDRISC para triagem  

O Finnish Diabetes Risk Score (FINDRISC) é um questionário validado para predição de risco de DM2. O score leva em conta fatores como idade, IMC, circunferência abdominal, nível de atividade física, consumo regular de vegetais/frutas, histórico de HAS, glicemia elevada prévia e o histórico familiar de diabetes. A pontuação total classifica o risco em baixo, moderado, alto e muito alto, permitindo triagem mais direcionada: 

  • Risco baixo (< 7), levemente aumentado (7 a 11) ou moderado (12-14): repetir o rastreamento a cada 3 anos. 
  • Risco alto (15 a 20): rastreamento anual. 
  • Risco muito alto (> 20): rastreamento laboratorial imediato. 

Critérios diagnósticos  

O diagnóstico do DM2 deve ser confirmado por pelo menos dois exames alterados na mesma amostra sanguínea: 

Teste Normal Pré-diabetes Diabetes 
Glicemia de jejum (mg/dL) < 100 100-125 ≥ 126 
Glicemia casual (mg/dL) + sintomas   ≥ 200 
TOTG 1H (mg/dL) < 155 155-208 ≥ 209 
TOTG 2H (mg/dL) < 140 140-199 ≥ 200 
HbA1c (%) < 5,7 5,7-6,4 ≥ 6,5 

 

A diretriz, de forma muito inteligente e elegante, destaca a importância de nos atentarmos à sensibilidade e especificidade do método empregado, uma vez que estamos falando de rastreio. Para isso, é importante compreender que os critérios atuais baseados em glicemia de jejum e TOTG 2h vem de estudos que demonstraram, na década de 90, que a partir dos valores estabelecidos existia um aumento substancial do risco de complicações micro (sobretudo retinopatia) e macrovasculares, ainda que se saiba que a elevação da glicose e o risco de tais complicações seja um continuum.  

Em 2009, a HbA1c foi adicionada ao arsenal diagnóstico. Apesar de mister no acompanhamento de pacientes com DM e apresentar uma especificidade muito elevada, sua sensibilidade costuma ser baixa. Considerando o TOTG 2h como padrão ouro, uma metanálise de 17 estudos evidenciou que a sensibilidade e especificidade da HbA1c  ≥ 6,5% é de 50% e 97%, respectivamente, enquanto da glicemia de jejum é de 59% e 98,8%. O guideline ressalta também os fatores que podem interferir na análise desses exames, já previamente conhecidos. 

Ademais, vale lembrar que o critério diagnóstico através de sintomas com hiperglicemia inequívoca (glicemia plasmática randômica ≥ 200 mg/dL) continua válido e que a dosagem da glicemia de jejum e HbA1c deve ser idealmente realizada na mesma amostra inicial. 

O uso do teste oral de tolerância à glicose (TOTG) 1H

O maior destaque da atualização da diretriz da SBD foi a incorporação e papel do TOTG 1h, ferramenta que já havia sido mencionada na atualização de 2024 de seu guideline após o posicionamento da IDF do mesmo ano.  

O TOTG 1h tem re-emergido como um método altamente sensível na identificação precoce de disfunção glicêmica. Dados de meta-análises indicam que: 

  • Indivíduos com glicemia ≥ 155 mg/dL em 1 hora apresentam risco três vezes maior de desenvolver DM2 em comparação com aqueles com glicemia normal no mesmo período. 
  • A sua sensibilidade é similar a do TOTG 75g 2h, sendo um bom preditor de resistência insulínica e complicações vasculares precoces, com maior facilidade de realização 
  • O teste identifica até 40% mais indivíduos com disfunção metabólica que passariam despercebidos pela glicemia de jejum ou HbA1c. 

Tais motivos levaram à recomendação pela SBD de se preferir a adoção do TOTG 1h ao TOTG 2h quando houver indicação de seu uso. 

Algoritmo de rastreamento 

Uma das principais novidades foi a inclusão de um algoritmo de triagem, baseado não apenas na glicemia de jejum e na HbA1c mas também no TOTG 1h, em fatores de risco e no score FINDRISC. A recomendação é: 

Glicemia de jejum < 100 mg/dL E HbA1c < 6,5% (normais) 

  • Se < 3 fatores de risco adicionais ou FINDRISC baixo/moderado: Repetir testes a cada 3 anos 
  • ≥ 3 fatores de de risco adicionais ou FINDRISC alto/muito alto: Realizar TOTG 1h 

Glicemia de jejum ≥ 100 mg/dL e < 126 e/ou HbA1c entre 5,7% e 6,4% (pré DM) 

  • Realizar TOTG 1h 

Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL ou HbA1c ≥ 6,5% (sem confirmação diagnóstica) 

  • Repetir o teste alterado para confirmação diagnóstica (ou outro método) 

Acompanhamento 

Como o risco de desenvolvimento de diabetes varia entre diferentes estratos, mesmo que estes não tenham diabetes (ainda), é recomendável que a periodicidade para repetir a avaliação seja individualizada. A diretriz recomenda: 

– Assintomáticos com apenas um critério positivo para diabetes (não confirmado/limítrofe após avaliação adicional): Repetir pelo menos em 6 meses 

– Pré DM: Repetir pelo menos anualmente 

– Exames normais com ≥ 3 fatores de de risco adicionais ou FINDRISC alto/muito alto: Repetir pelo menos anualmente 

– Exames normais com < 3 fatores de de risco adicionais: Repetir pelo menos a cada 3 anos 

– FINDRISC baixo/moderado: Repetir pelo menos a cada 3 anos 

Conclusões e perspectivas

A nova diretriz brasileira traz uma mudança significativa no rastreio do DM2, trazendo recomendações atualizadas baseadas em evidências robustas, focando na detecção de casos que não seriam identificados com os passos comumente utilizados atualmente. A incorporação do TOTG 1h ao arsenal diagnóstico aumenta a sensibilidade na detecção de disfunção metabólica, sobretudo com seu uso em pacientes de alto risco ou com pré-diabetes pelos métodos tradicionais, enquanto o uso do FINDRISC permite otimizar a triagem populacional. 

É importante, a partir deste posicionamento, entender o impacto da expansão do uso do FINDRISC no SUS, permitindo rastreamento populacional escalável e de forma mais custo efetiva, além da implementação do TOTG 1h como teste de rotina, aumentando a detecção precoce de hiperglicemia pós-prandial. Apesar dos custos envolvidos, a detecção precoce do diabetes já se provou custo efetiva em diversos estudos, inclusive abordados nesta nova diretriz. 

Com a adoção dessas estratégias, espera-se que o rastreamento e diagnóstico do DM2 no Brasil se tornem mais precoces, precisos e custo-efetivos, reduzindo a incidência de complicações e melhorando os desfechos clínicos da população. 

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Referências bibliográficas

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