Nessa semana, as mídias anunciaram que o presidente Lula apresentou necessidade de realização de craniotomia para drenagem de hematoma subdural crônico e, posteriormente, de outro procedimento adjuvante que é a embolização da artéria meníngea média.
Recentemente, a New England Journal of Medicine publicou o ensaio clínico EMBOLISE, que investigou a eficácia e a segurança dessa terapia adjuvante em reduzir o risco de recorrência do hematoma em pacientes com hematoma subdural subagudo ou crônico que foram submetidos inicialmente à drenagem neurocirúrgica.
Métodos
Trata-se de ensaio clínico prospectivo, multicêntrico, aberto, randomizado, em pacientes com histórico de craniotomia para drenagem de hematoma subdural como terapia inicial.
Os participantes elegíveis apresentaram entre 18 e 90 anos de idade com hematoma subdural subagudo ou crônico evidenciada em tomografia de crânio. Foram recrutados àqueles pacientes com indicação neurocirúrgica para craniotomia com drenagem do hematoma, como a presença das seguintes características: sintomas neurológicos (confusão mental, cefaleia, desequilíbrio), déficit neurológico focal motor atribuído ao sangramento, espessamento do hematoma ≥ 15 mm ou desvio de linha média ≥ 5 mm. Foram excluídos participantes com expectativa de vida menor de 1 ano, escala de Rankin modificada entre 4 ou 5 (correspondente à incapacidade) antes do desenvolvimento desse hematoma, ou escala de Markwalder Grading ≥ 3 (referente à gravidade do hematoma subdural).
Todos os participantes com hematoma subdural subagudo ou crônico realizaram procedimento neurocirúrgico para sua drenagem (seja por técnica de craniotomia ou burr hole). Após essa cirurgia inicial, os pacientes foram randomizados e divididos em dois grupos, na relação 1:1: grupo intervenção (cirurgia + embolização da artéria meníngea média) e grupo controle (cirurgia apenas). A randomização foi conduzida em até 72 horas após a cirurgia inicial, através de procedimento centralizado baseado na web, na qual foi feita a estratificação de variáveis importantes (espessura do hematoma e o uso de agentes antitrombóticos) a fim de garantir a homogeneidade entre os grupos de intervenção e controle. A embolização da artéria meníngea média foi realizada através de angiografia a partir da administração do agente embólico (Onyx) nessa topografia.
Desfecho primário traçado no estudo foi a taxa de recorrência/progressão do hematoma subdural que levaram a repetir novos procedimentos cirúrgicos dentro dos 90 dias após a terapia cirúrgica inicial. Desfechos de segurança incluíram efeitos adversos graves relacionados ao agente embólico (Onyx) ou ao procedimento endovascular, que foram avaliados dentro de 30 dias, assim como óbitos ou efeitos adversos graves relacionados ao procedimento dentro de 90 e de 180 dias.
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Resultados
Entre dezembro de 2020 até agosto de 2023, um total de 400 pacientes foram randomizados em 39 centros dos Estados Unidos, nos quais 197 ficaram no grupo intervenção e 203 no grupo controle. Entre os que completaram o follow-up de 90 dias, houve um total de 167 participantes do grupo intervenção e 180 do controle (sendo os 53 remanescentes como perdas de seguimento).
Entre as características sociodemográficas da amostra, a idade média do grupo intervenção foi de 73 anos e do controle, 71 anos. Já entre características clínicas, a espessura do hematoma médio no grupo intervenção foi de 21.6mm e do controle 21,4 mm, enquanto escala média de Rankin modificada foi de 2.2 e 2.3 respectivamente nesses grupos. Neurocirurgia burr-hole foi realizada em 53,6% dos pacientes do grupo intervenção e 51% do grupo controle, enquanto craniotomia foi feita em 46,4% e 49% respectivamente.
Na avaliação do desfecho primário proposto, 8/197 (4,1%) participantes do grupo intervenção foram reoperados em virtude de recorrência/progressão do hematoma ao comparar com 23/203 (11,3%) participantes do grupo controle (RR 0,36%; IC 95% 0,11 – 0,80; p = 0,008). O número necessário para tratar a fim de evitar a reoperação de 1 indivíduo foi 14.
Quanto à avaliação de desfechos de segurança, 10/197 (5.1%) participantes do grupo intervenção e 6/203 (3%) do grupo controle evoluíram para óbito, mas essa diferença não apresentou significância estatística entre os grupos (RR 1,72; IC 95% 0,62 – 5,54; p = 0,32). Entre as causas neurológicas do óbito, houve 9 indivíduos do grupo intervenção e 4 do grupo controle (RR 2.32; IC 95% 0.73 – 15.12; p = 0.17); sendo que, entre os óbitos relacionados à cirurgia, 1 foi no grupo intervenção e 2 no grupo controle (p > 0,99). Dentro dos 30 dias após o tratamento, eventos adversos graves relacionados à embolização de artéria meníngea média ocorreram em 4 pacientes (2%) do grupo intervenção, na qual 2 foram relacionados à AVC incapacitante. Dentro de 180 dias, não houve nenhum evento adverso grave adicional relacionados ao procedimento endovascular.
Comentários
O estudo EMBOLISE demonstrou que a embolização da artéria meníngea média é terapia adjuvante eficaz e com perfil de segurança aceitável na redução da recorrência de hematoma subdural subagudo e crônico. No geral, os eventos adversos atribuídos ao procedimento endovascular foram poucos. Dos dois pacientes do grupo intervenção que apresentaram AVC associados ao procedimento endovascular, um caso foi atribuído à manipulação do cateter durante a angiografia. O outro, embora tenha apresentado infarto no sistema vértebro-basilar, possivelmente relacionado à aterosclerose subjacente, dado que esses vasos não foram diretamente cateterizados, foi considerado um evento possivelmente associado ao procedimento, devido à impossibilidade de exclusão definitiva dessa relação.
Uma justificativa dos autores, para a perda substancial de seguimento (13,2%) dos participantes, foi possivelmente a pandemia de covid-19 que interferiu nesse processo de follow-up.
Mensagem final: terapia adjuvante à craniotomia para drenagem de hematoma subdural
O EMBOLISE trial avaliou a embolização da artéria meníngea média como tratamento adjunto eficaz para evitar recorrências de hematomas subdurais subagudos ou crônicos após cirurgias de drenagem iniciais, além de apresentar perfil de segurança aceitável.
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