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Neurologia4 julho 2025

Nimodipina oral vs intraventricular na HSAa: o que dizem as evidências? 

Revisão avaliou se o risco de vasoespasmo angiográfico é menor com nimodipina intraventricular em comparação com nimodipina oral,
Por Danielle Calil

A hemorragia subaracnoide aneurismática (HSAa) é uma emergência neurológica de alta morbimortalidade, afetando 5-10 a cada 100mil pessoas-ano. A HSAa apresenta como principais complicações secundárias o vasoespasmo cerebral e o infarto isquêmico tardio (DCI). A presença de DCI, inclusive, está atrelada à piores desfechos clínicos em 70% dos casos e óbito em mais de 30% de pacientes com HSAa.  

O nimodipino é tratamento aprovado para redução do risco dessas complicações e, consequentemente, na redução de desfechos neurológicos desfavoráveis. O tratamento padrão é a administração oral de nimodipina na dose de 60mg a cada 4 horas por 21 dias após HSAa. Contudo, a administração oral está sujeita a variações na absorção, hipotensão sistêmica e necessidade de administração frequente. 

Nessa conjuntura, a administração intraventricular de nimodipina tem sido proposta como uma alternativa promissora. Uma única injeção da formulação de liberação sustentada de EG-1962 (um biodegradável polímero que libera nimodipina por pelo menos 21 dias após a injeção) no espaço subaracnóideo próximo ao cérebro acredita-se proporcionar altas concentrações locais com menor efeito sistêmico. 

A revista Neurosurgical Review, em 2025, publica revisão sistemática e meta-análise comparando diretamente a eficácia e segurança da nimodipina intraventricular versus a oral em pacientes com HSAa.  

Métodos 

Trata-se de revisão sistemática com meta-análise segundo as diretrizes PRISMA. O protocolo da revisão sistemática foi registrado na PROSPERO. A busca sistemática foi realizada nas bases de dados PubMed, Scopus, Web of Science e Cochrane para estudos relevantes até 2 de agosto de 2024. 

Foram incluídos estudos comparativos (ensaios clínicos randomizados ou estudos observacionais com grupo controle) que avaliaram pacientes com HSAa tratados com nimodipina intraventricular versus oral. 

O desfecho primário avaliado foi desfecho funcional clínico em 90 dias aferido a partir da Escala de Coma de Glasgow estendida (eGCS ≥ 6) entre pessoas com diferentes graus de escala WFNS (World Federation of Neurological Surgeons). Já os desfechos secundários incluíram: vasoespasmo angiográfico, isquemia cerebral tardio (DCI), hipotensão arterial, hidrocefalia, meningite bacteriana e eventos adversos graves (ex. óbito). 

Resultados 

Inicialmente, foram identificadas 4.045 citações nas bases de dados. Após a triagem, 2.610 estudos foram avaliados quanto ao título e resumo, resultando na seleção de 6 estudos potencialmente elegíveis. No entanto, 2 deles eram duplicados, totalizando 4 estudos incluídos na meta-análise com um total de 327 pacientes. 

Leia também: COMIN 2025: Manejo inicial HSA: o papel da ressuscitação e lesão cerebral precoce

Na avaliação de desfecho primário, estratificada de acordo com a classificação de gravidade pela WFNS, demonstrou ausência de diferença estatisticamente significativa entre a administração oral e intraventricular de nimodipina em estratos distintos de gravidade clínica. Para pacientes com WFNS grau 2, o efeito agrupado mostrou um risco relativo (RR) de 1.01 (IC 95%: 0.6 a 1.72; p = 0.96); para pacientes com WFNS grau 3, RR de 1.4 (IC 95%: 0.37 a 5.28; p = 0.62); para pacientes com WFNS grau 4, RR de 0.79 (IC 95%: 0.49 a 1.27; p = 0.32); portanto, nessas estratificações clínicas, não foram encontrados benefício clínico adicional com a via intraventricular de administração do nimodipino. Inclusive, ao agrupar os dados de pacientes com graus 3 e 4 de forma combinada, o RR foi de 1.03 (IC 95%: 0.6 a 1.77; p = 0.91), reforçando a ausência de diferença consistente entre as vias oral e intraventricular para esses grupos de maior gravidade clínica. 

Quanto aos desfechos secundários estudados: 

  • A administração intraventricular foi associada a uma redução significativa na incidência de vasoespasmo cerebral angiográfico (RR 0.8; IC 95%: 0.66–0.96, valor p = 0.02). 
  • Não houve diferenças significativas entre administração oral versus intraventricular na redução de isquemia cerebral tardia (RR 0.74; IC 95%: 0.45–1.22, valor p = 0.24). 
  • Não houve diferenças significativas entre administração oral versus intraventricular na redução de hipotensão arterial (RR 0.86; IC 95%: 0.07–10.34, valor p = 0.91). 
  • Não houve diferenças significativas entre administração oral versus intraventricular na redução de hidrocefalia (RR 1.21; IC 95%: 0.81–1.80, valor p = 0.36). 
  • Não houve diferenças significativas entre administração oral versus intraventricular na redução de meningite bacteriana (RR 1.39; IC 95%: 0.32–6.10, valor p = 0.66). 
  • Não houve diferenças significativas entre administração oral versus intraventricular na redução de eventos adversos graves como óbito (RR 0.77; IC 95%: 0.52–1.15, valor p = 0.21). 

Nimodipina oral vs intraventricular na HSAa: o que dizem as evidências? 

Imagem de rawpixel/freepik

Discussão: Nimodipina oral vs intraventricular

Os achados desta meta-análise fornecem insights sobre a eficácia e a segurança comparativas da nimodipina administrada por via intraventricular com a via oral em pacientes com hemorragia subaracnoide aneurismática (HSAa).  

Os resultados sugerem que a administração intraventricular está associada a um risco significativamente menor de vasoespasmo cerebral angiográfico, quando comparada à administração oral. No entanto, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas em relação a outros desfechos clínicos, incluindo os escores de consciência avaliados pela escala de coma de Glasgow estendida (eGCS), nem quanto à ocorrência de eventos adversos como isquemia cerebral tardia (DCI), hipotensão, hidrocefalia, meningite bacteriana ou eventos adversos graves, incluindo mortalidade. Embora tenha sido observada uma tendência à redução do risco de DCI e à menor incidência de hipotensão sistêmica no grupo intraventricular, essas diferenças não atingiram significância estatística. 

Diversas estratégias terapêuticas têm sido exploradas ao longo dos anos para o manejo do vasoespasmo cerebral e da isquemia cerebral tardia, como a administração intra-arterial de vasodilatadores (por exemplo, milrinona, verapamil e nicardipina). Embora algumas dessas abordagens tenham mostrado resultados promissores em estudos preliminares, faltam evidências robustas provenientes de ensaios clínicos fase 3 que sustentem seu uso rotineiro. 

Saiba mais: Conheça a síndrome de vasoconstrição cerebral reversível 

Até o momento, a nimodipina permanece como a única terapia farmacológica com benefício comprovado na redução de desfechos neurológicos desfavoráveis após HSAa, atuando principalmente na prevenção do vasoespasmo e da DCI. Outras estratégias, como a hipertensão induzida e a angioplastia com balão, também são utilizadas no manejo de casos refratários. No entanto, o uso profilático de angioplastia endovascular não demonstrou benefício claro em termos de melhora funcional, além de apresentar riscos importantes, como a possibilidade de ruptura arterial, o que limita sua aplicação de rotina. 

Esta meta-análise apresenta algumas limitações importantes: (1) número de estudos incluídos foi pequeno, o que limita o poder estatístico das análises; (2) amostras populacionais dos estudos individuais foram reduzidas, aumentando o risco de erro tipo II; (3) identificação de potenciais vieses metodológicos, como risco de viés de seleção e heterogeneidade nas definições de desfechos entre os estudos e (4) a variação nas doses, nos protocolos de administração e no acompanhamento clínico entre os diferentes estudos pode ter influenciado os resultados.  

Mensagem Prática 

Atualmente, a nimodipina oral permanece como padrão de tratamento após HSAa. A via intraventricular mostra redução do vasoespasmo angiográfico, mas sem impacto comprovado em desfechos clínicos relevantes. Seu uso deve ser reservado para casos específicos, até que novos estudos com maior robustez confirmem benefícios clínicos significativos.

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Referências bibliográficas

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