O Lúpus Eritematoso Sistêmico Neuropsiquiátrico (NPSLE) sempre foi um dos desafios mais complexos na interface entre reumatologia e neurologia. A heterogeneidade dos sintomas e a dificuldade em distinguir atividade inflamatória de dano sequelar tornam o manejo clínico um verdadeiro quebra-cabeça. A recém-publicada Diretriz de 2025 do American College of Rheumatology (ACR) traz recomendações atualizadas e específicas para o manejo dessas manifestações, oferecendo um norte mais claro para a prática clínica. Este artigo sintetiza as principais mudanças, confronta condutas antigas e define o papel do neurologista no tratamento moderno do LES.
O que a diretriz analisou?
O documento foca no tratamento de manifestações graves e comuns, reforçando que o diagnóstico e manejo do NPSLE devem ser multidisciplinares. A diretriz é enfática: o tratamento de eventos como AVC no contexto do lúpus deve ser liderado por neurologistas, com adição de terapia imunossupressora apenas quando a inflamação mediada pelo LES é confirmada.
A avaliação deve sempre distinguir:
- Doença ativa (inflamatória ou mediada por imunidade), versus
- Dano crônico (sequelas), versus
- Causas não relacionadas ao LES.

Principais recomendações por síndrome
A diretriz divide as condutas baseada na gravidade e no tipo de manifestação neurológica.
- Síndromes Neuropsiquiátricas Graves
Para quadros de neurite óptica, estado confusional agudo, mononeurite múltipla, mielite ou psicose lúpica, a recomendação é agressiva.
- Terapia de indução: Pulsoterapia com glicocorticoides combinada com imunossupressão.
- Opções de drogas: Ciclofosfamida IV( CYC) , Micofenolato(MPAA) ou terapia anti-CD20 (ex: Rituximab).
- Comparação: Essa combinação é recomendada acima do uso de corticoide isolado.
- Nota: O painel reconhece a preferência clínica por MPAA ou anti-CD20 em mulheres jovens para preservação da fertilidade, reservando a ciclofosfamida para casos refratários ou de risco iminente à vida.
- Convulsões (Crises Epilépticas)
Para crises atribuídas ao LES ativo:
- Recomenda-se terapia anticrise (DAE) associada a imunossupressão (Glicocorticoide + IV CYC, MPAA ou anti-CD20).
- Ponto crucial: É vital descartar dano neurológico fixo (sequela/gliose) como etiologia antes de iniciar imunossupressão. Se for sequela, trata-se apenas com anticonvulsivantes.
Disfunção Cognitiva: Uma mudança de paradigma
Talvez o ponto mais polêmico e importante para a prática de consultório. Muitos pacientes com LES queixam-se de “nevoeiro mental” ou declínio cognitivo. A diretriz de 2025 traz uma recomendação CONDICIONAL CONTRA o uso de imunossupressão para disfunção cognitiva isolada.
- O que isso significa? Se o paciente tem declínio cognitivo comprovado por testes neuropsicológicos, mas não apresenta sinais inflamatórios objetivos (Líquor normal, RM sem realce/inflamação aguda), não se deve prescrever imunossupressores.
- Conduta indicada: Terapia cognitiva e reabilitação.
- Exceção: Se houver forte suspeita ou comprovação de inflamação ativa do LES concomitante.
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O que ficou sem consenso?
Neuropatia de Fibras Finas: Embora encontrada no LES, a diretriz não estabeleceu recomendações sobre terapia imunomoduladora para esta condição específica, citando falta de evidência robusta. Permanece como uma importante agenda de pesquisa.
Implicações práticas para neurologistas
A diretriz solidifica a posição do neurologista não apenas como consultor, mas como cogestor do paciente:
- Investigação rigorosa: Antes de imunossuprimir, devemos documentar a inflamação (Líquor e RM são fundamentais) para evitar toxicidade desnecessária em casos de dano puramente sequelar ou disfunção cognitiva isolada.
- Tratamento combinado: Em síndromes graves (mielite, psicose, neurite), a “janela de oportunidade” exige corticoide em dose alta + imunossupressor potente de saída.
- Atenção à saúde mental: A psicose lúpica exige antipsicóticos + tratamento imunológico, e a diretriz sugere co-manejo com psiquiatria.
Conclusão
A atualização do ACR 2025 traz racionalidade ao tratamento do Neuro-Lúpus. Ela nos autoriza a sermos agressivos nas síndromes inflamatórias agudas, mas nos freia no uso indiscriminado de imunossupressores para queixas puramente cognitivas sem substrato inflamatório.
Em resumo: O tratamento do NPSLE deixou de ser empírico para se tornar focado no mecanismo fisiopatológico (inflamação vs. dano), exigindo do neurologista precisão diagnóstica.
Autoria

Thiago Nascimento
Formado em Medicina pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) em 2015. Residência Médica em Neurologia no Hospital Geral Roberto Santos (HGRS) Salvador - Bahia (2016-2019). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). Mestrando em Ciências da Saúde pela UFBA (PPGCs - UFBA). Preceptor da Residência de Neurologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Médico Neurologista - Membro do Ambulatório de Neuroimunologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Professor na Afya Educação Médica.
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