A administração de corticosteroides antenatais, como a betametasona, é uma prática bem estabelecida para promoção da maturidade pulmonar fetal em gestações com risco de parto prematuro. Contudo, em gestantes com diabetes prévio à gestação ou diabetes gestacional (DMG), essa intervenção acarreta um desafio adicional: a hiperglicemia transitória, porém intensa, que pode perdurar por cerca de 5 dias após o uso de corticoides. Esse cenário exige protocolos de ajustes de insulina e monitoramento mais frequente.
Por sua vez, o pós-parto representa outro ponto crítico do manejo glicêmico, ainda pouco discutido nas diretrizes e subestimado na prática clínica. A retirada da placenta promove uma queda abrupta na resistência insulínica, alterando rapidamente as doses necessárias. Para mulheres com DM1, o risco de hipoglicemia é maior; já em mulheres com DM2, o momento exige planejamento e prevenção para o futuro. As especialistas Dra. Ashley Battarbee e Dra. Jennifer Yamamoto trouxeram essas duas temáticas à tona em uma das sessões sobre diabetes e gestação do congresso da American Diabetes Association (ADA) 2025, ressaltando a importância de protocolos bem definidos e abordagens mais proativas.
Hiperglicemia induzida por corticoides: como tratar?
Dra. Ashley Battarbee deu início à sessão abordando a hiperglicemia induzida pela administração de corticosteroides antenatais, como a betametasona ou a dexametasona, indicada para promover maturação pulmonar fetal em casos de risco de parto prematuro.
O parto prematuro é um problema obstétrico a ser evitado, uma vez que promove maior risco de morbidade e mortalidade. O uso de corticoide antenatal é a medida mais importante neste cenário. a Dra. traz uma revisão da Cochrane de 27 estudos, com 11.272 gestantes, que avaliou a betametasona ou dexametasona, evidenciando os diversos benefícios já conhecidos no uso de tais medicações para RNs prematuros. Contudo, a grande maioria dos estudos não incluiu pacientes com DM, mostrando de cara a baixa evidência que temos acerca do assunto.
O uso de glicocorticoides (GC) sabidamente aumenta a resistência à insulina, diminui a produção de insulina, promove maior produção hepática de glicose e leva à hiperglicemia. Porém, antes de entender como tratar, a dra. abordou sobre o padrão glicêmico maternos esperado após o uso de corticoides. Um estudo retrospectivo avaliou 647 gestantes, 65% com DMG, 14% DM1 e 21% DM2, mostrou que a glicemia parece fazer pico entre cerca de 12h a 36h após as doses e tende a reduzir e melhorar depois de 5 dias. 10-20% tiveram glicemias > 180 mg/dL nas primeiras horas, mostrando que se trata de um problema importante e que devemos de fato nos atentar.
Atualmente, os guidelines são heterogêneos, focando em recomendações mais gerais. Enquanto a ACOG recomenda que nos “adiantemos” às elevações glicêmicas com ajustes em doses de insulina e monitorizações frequentes, outros apenas sugerem a monitorização. Contudo, há uma falta de regimes e estratégias padronizadas e apontadas nesses guidelines. Logo, o que fazer para tratar a hiperglicemia induzida por glicocorticoides na gestação?
Falando sobre as opções, a Dra. Battarbee começa abordando o estudo PROMAC, que avaliou o uso de metformina profilática após o uso de GC. 103 gestantes, 30% com DMG e 70% sem DM. Resultado: nenhuma diferença na glicemia. Logo, a metformina não parece ser uma boa opção.
Outro estudo, agora mais antigo (2002) mas abordando insulinoterapia em 16 gestantes com DM1 mostrou a necessidade de aumento em cerca de 38% na dose de insulina no D2 e D3, com queda progressiva. Depois de entender com a primeira coorte esse perfil de comportamento, os autores do estudo seguiram uma nova coorte, na qual as doses de insulina foram aumentadas de forma preemptiva com base nos dados anteriores (aumentando em 25% no D1, 40% D2 e D3 e 20% no D4 e D5), além de doses de correção extra. Houve uma melhora significativa do controle, mostrando que a proatividade em aumentar as doses antes da hiperglicemia se instalar pode ser uma estratégia interessante.
A Dra. Battarbee seguiu com estudos avaliando o uso de insulina EV em pacientes com DMG, DM1 e DM2, demonstrando que também houve melhora da glicemia utilizando protocolos para tal. A Dra. mostra um estudo de seu próprio grupo, mostrando que insulina SC foi igual ao uso de glicemia EV para o controle. Um estudo randomizado pequeno (Pilot RCT) avaliou a mesma coisa (3 gestantes com DM2, 4 com DMG controlado por dieta e 12 DMG controlados com insulina), mostrando também não ter encontrado diferenças estatísticas no controle glicêmico com as diferentes estratégias, apesar de uma tendência curiosa à superioridade em gestantes com DMG em uso de insulina SC.
Por fim, talvez o tipo de corticoide importe: os desfechos fetais são parecidos, porém dados de um estudo de 2025, recentemente publicado, evidenciou pequenas mas significativas reduções
Em conclusão, a Dra. Battarbee traz que não há exatamente um esquema atual que seja preferencial, porém é fundamental nos adiantarmos às alterações glicêmicas com o objetivo de prevenção, sobretudo em gestantes já em uso de insulina.
O desafio do pós-parto e a amamentação
Em seguida, a Dra. Jennifer Yamamoto trouxe à tona o manejo glicêmico no puerpério. Em primeiro lugar, a Dra abordou as mudanças relacionadas ao período do puerpério e destacou os diversos desafios que as gestantes enfrentam nesse momento, como o retorno ao trabalho, a recuperação física, privação de sono, etc.
Além disso, há uma queda dramática na resistência insulínica por motivos fisiológicos e a amamentação, bem como o relaxamento no alvo glicêmico. Não bastasse isso, há um “gap” natural no cuidado endocrinológico logo depois (já que eram acompanhadas semanalmente e de repente passam a ser vistas a cada 3 meses), o que pode acarretar insegurança e medo. Para abordar o período, a palestrante dividiu os assuntos de acordo com as abordagens e tipo de DM. Mas quais são as principais evidências para o cuidado de gestantes pós parto?
Bombas de insulina
O Estudo AiDAPT visou avaliar o impacto no uso de uma bomba de insulina em alça fechada (CamAPS) no período puerperal, sobretudo numa análise pré especificada de follow up 6 meses depois do período de randomização inicial. A continuação do uso do sistema AID (closed loop) levou a um maior tempo no alvo (TIR) comparado ao standard of care, melhorando além de tudo a qualidade de vida, amamentação e sono, em relatos de pacientes que estavam em uso.
Amamentação e diabetes
Apesar da maioria dos guidelines recomendar a amamentação, puérperas com diabetes tendem a amamentar menos, por diversos motivos, como medo de hipoglicemia e ansiedade/depressão.
Apesar de sabidamente reduzir a necessidade de insulina, amamentar é considerado seguro. Os estudos são muito pequenos, porém mostram que contanto que façamos ajustes na dose de insulina, os riscos são baixos. Os maiores estudos com dispositivos AID, como o AiDAPT, mostram TIR muito baixo independentemente de amamentar ou não. O mais importante neste quesito é discutir antecipadamente sobre as doses de insulina depois do parto e explicar sobre como a queda da necessidade de insulin pode influenciar o cuidado no período. A dose pode ser ~ 21% menor que a dose pré gestação nas gestantes em aleitamento.
O nível da glicemia também não deve afetar a decisão de amamentar naquele momento, já que as mudanças em níveis de glicose e frutose no leite materno são muito pequenas.
DM2
A maioria das gestantes com DM2 acaba evoluindo com necessidade de uso de insulina durante a gestação, mas não mantém seu uso necessariamente após a gestação. Quanto às medicações orais, a metformina é encontrada no leite em pequenas quantidades mas é considerada segura; Já quanto aos outros antidiabéticos, há dados muito limitados sobre o uso de sulfonilureias e seu uso deve ser evitado devido à preocupação quanto ao risco de hipoglicemia neonatal.
Os agonistas de GLP-1 não são aprovados para uso durante o aleitamento. Apesar de não serem detectados no leite materno, não se sabe como a perda de peso e redução de apetite/ingestão calórica pode afetar a produção de leite.
Conclusões
O manejo da hiperglicemia induzida por corticosteroides e o controle glicêmico no puerpério expõem duas lacunas claras no cuidado com a mulher com diabetes: a ausência de protocolos amplamente implementados e a tendência a subestimar a volatilidade das necessidades insulínicas nesses períodos.
A mensagem das palestrantes é clara: o cuidado glicêmico em gestantes não termina com o nascimento do bebê. Pelo contrário, o pós-parto representa uma fase de transição metabólica abrupta, que exige atenção especial, monitoramento frequente e orientações educativas desde o pré-natal. Já diante da administração de glicocorticoides, o planejamento prévio e a vigilância contínua são essenciais para evitar complicações potencialmente graves.
Acompanhe a cobertura completa do congresso da ADA 2025 aqui no nosso portal!
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