A esclerose múltipla (EM) é uma doença autoimune desmielinizante do sistema nervoso central (SNC), com componentes inflamatórios e neurodegenerativos, sendo a condição neurológica incapacitante não traumática mais comum em adultos jovens. Após o diagnóstico EM a definição da estratégia de tratamento é crucial. O processo de tomada de decisão compartilhada, no qual o profissional de saúde conduz uma discussão baseada em evidências sobre as opções de tratamento, levando em consideração esses valores e preferências, até chegar a uma decisão conjunta, está associado a uma melhor adesão ao tratamento da EM.
Um dado que reforça a importância da escolha do tratamento com base na decisão compartilhada são as distintas perspectivas do paciente e do profissional de saúde mediante a expectativa do tratamento dessa condição. Segundo informações da NARCOMS (North American Research Committee on Multiple Sclerosis), os pacientes priorizam a redução da progressão da incapacidade, o risco de eventos adversos e o efeito na taxa de recidiva, de forma semelhante aos profissionais de saúde ao desenvolverem diretrizes de tratamento. Contudo, os pacientes também priorizam efeitos colaterais incômodos e relegam menor importância aos resultados de ressonância magnética em comparação com os profissionais que participam de um painel de diretrizes que, por sua vez, tendem a priorizar mais a redução da taxa de recidiva do que o potencial para eventos adversos graves.
Quais são as estratégias terapêuticas disponíveis para Esclerose Múltipla?
As duas estratégias predominantes na prática para o tratamento da esclerose múltipla remitente-recorrente (EMRR) são: (1) Abordagem de escalonamento e (2) Abordagem precoce de alta eficácia.
Abordagem de escalonamento
A abordagem de escalonamento envolve iniciar a imunoterapia após o diagnóstico, seja de EMRR ou de síndrome clinicamente isolada com alto risco de EMRR subsequente, com a seleção inicial de um tratamento entre as categorias de eficácia modesta-moderada. Esse tratamento inicial é seguido por um monitoramento cuidadoso para detectar recidivas da atividade da doença e, caso sejam identificadas, o paciente é encaminhado para uma terapia de maior eficácia.
Em contraste, uma abordagem precoce de alta eficácia visa obter rapidamente o controle da atividade inflamatória utilizando agentes com eficácia radiográfica e clínica robusta no momento do diagnóstico.
Evidências sobre o momento ideal da alta eficácia
Dados providos da MSBase, um grande registro online internacional de esclerose múltipla e outras doenças neuroimunológicas, exploram a busca por lições sobre o momento ideal para a terapia de alta eficácia e os resultados de incapacidade, chegando à conclusão de que os pacientes expostos à terapia de alta eficácia nos primeiros 2 anos após o diagnóstico apresentaram um melhor resultado em termos de incapacidade do que aqueles expostos a agentes de alta eficácia posteriormente.
É importante ressaltar que esse resultado favorece tanto a alta eficácia precoce quanto a escalada rápida para eficácia incompleta, sem distinguir entre as duas.
Ensaios clínicos randomizados e controlados são necessários para desvendar essas relações complexas, na qual destaca-se os estudos TREAT-MS (TRaditional versus Early Aggressive Therapy for Multiple Sclerosis trial) e DELIVER-MS (Determining the Effectiveness of early Intensive Versus Escalation approaches for RR-MS) ainda em andamento.
Terapias de alta eficácia
As terapias de alta eficácia para a esclerose múltipla (EM) incluem medicamentos como ocrelizumabe, natalizumabe, ofatumumabe, alentuzumabe e cladribina, que agem suprimindo o sistema imunológico.
Critérios de escolha da terapia
Atualmente, a área da esclerose múltipla não possui um método comprovado para escolher a melhor terapia modificadora da doença (DMT) para cada paciente. Os médicos escolhem os medicamentos com base no equilíbrio entre eficácia e riscos, considerando fatores como:
- a agressividade da doença
- comorbidades do paciente
- preferências do paciente

Evidências sobre o Natalizumabe
O natalizumabe possui mecanismo de ação na qual se liga às integrinas alfa 4 expressas na superfície dos leucócitos mononucleares, incluindo linfócitos B e T, bloqueando assim a interação com seus receptores. Isso impede que essas células se liguem ao endotélio do SNC ativado, prevenindo o tráfego de leucócitos através da barreira hematoencefálica.
Além disso, o natalizumabe também pode funcionar bloqueando o movimento de células através dos tecidos, ao bloquear as interações da integrina alfa 4 com a fibronectina.
Eficácia clínica
O natalizumabe foi avaliado em pacientes com EMRR ativa em dois ensaios clínicos randomizados controlados, em um estudo como monoterapia versus placebo e no outro em combinação com interferon beta-1a 30 g/semana versus interferon beta-1a isoladamente. A taxa anualizada de recidivas foi reduzida em 67% versus placebo e em 56% quando em combinação com interferon beta-1a versus interferon beta-1a mais placebo. Como monoterapia, o natalizumabe reduziu o número médio de lesões com realce por gadolínio em 92% versus placebo.
Indicações e posologia
Atualmente, o natalizumabe é anticorpo monoclonal administrado na dose de 300 mg por infusão intravenosa a cada 4 semanas, indicado para síndrome clinicamente isolada (CIS), esclerose múltipla remitente-recorrente (EMRR) e esclerose múltipla secundária progressiva (EMSP) ativa em adultos.
Cuidados na prescrição de Natalizumabe
Pacientes em uso de DMTs imunossupressores (independentemente do nível de eficácia) devem ser monitorados para infecções e é necessário manter em dia todos os exames de rastreio de câncer apropriados.
Pacientes com infecções ativas não devem iniciar o tratamento com nenhum dos DMTs imunossupressores até que a infecção seja tratada. A vacinação com vacinas vivas ou atenuadas geralmente não é recomendada para pessoas que utilizam um DMT imunossupressor.
O natalizumabe tem sido associado a infecções frequentes, incluindo infecções herpéticas. O medicamento aumenta o risco de desenvolvimento de encefalite e meningite causadas pelo vírus herpes simplex e pelo vírus varicela-zóster (VVZ).
Além da leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP), foi observada infecção das células granulares do cerebelo pelo vírus JC, associada à ataxia e tratada de forma semelhante à LEMP. Em relação à LEMP, o risco é quase 100% restrito a pessoas com anticorpos contra o vírus JC. A administração em intervalos maiores (a cada 6 semanas) pode reduzir o risco de LEMP sem aumentar a atividade da esclerose múltipla.
Vacinação e resposta imunológica
Uma resposta inadequada à imunização vacinal ocorre em uma proporção significativa de pacientes com EM que estavam sendo tratados com natalizumabe. Vacinas vivas ou atenuadas não devem ser administradas durante o tratamento.
H3: Natalizumabe e gestação
A gestação geralmente não é recomendada para mulheres que tomam natalizumabe. Malformações fetais e perda gestacional não são preocupações específicas, mas a exposição no terceiro trimestre pode causar alterações hematológicas reversíveis.
Mensagem prática
- O tratamento da EM deve ser guiado por decisão compartilhada, pois pacientes e médicos têm prioridades diferentes.
- Existem duas estratégias principais: escalonamento (segurança) e alta eficácia precoce (controle rápido da inflamação).
- Terapias de alta eficácia, como natalizumabe, são indicadas para doença mais ativa ou falha terapêutica.
- O Natalizumabe reduz surtos e lesões com alta eficácia (até 67% de redução de recidivas e 92% de lesões com realce pelo contraste de gadolíneo).
- Os principais cuidados envolvem risco de infecções oportunistas (especialmente LMP em soropositivos para JCV), contraindicação a vacinas vivas e atenção à gravidez.
Autoria

Danielle Calil
Médica formada pela Universidade Federal Fluminense em 2016. ⦁ Neurologista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2020. ⦁ Fellow em Anormalidades do Movimento e Neurologia Cognitiva pelo Hospital das Clínicas da UFMG em 2021. ⦁ Atualmente, compõe o corpo clínico como neurologista de clínicas e hospitais em Belo Horizonte como o Centro de Especialidades Médicas da Prefeitura de Belo Horizonte, Hospital Materdei Santo Agostinho e Hospital Vila da Serra.
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