Nos últimos anos tem-se aumentado a utilização da imunoterapia para o tratamento do câncer, com melhora importante no prognóstico dos pacientes. Entre os imunoterápicos, destacam-se os inibidores de checkpoint (ICI), que suprimem os checkpoints imunes, restaurando a ativação das células T.
Porém, esta alteração da resposta imune pode desencadear reações adversas que se manifestam em diversos órgãos e sistemas. O mecanismo relacionado a cardiotoxicidade ainda não é totalmente esclarecido, porém parece haver um aumento de células T CD4 e CD8 no miocárdio.
Nos casos de cardiotoxicidade grave, recomenda-se a interrupção do tratamento oncológico, com possível retorno de tratamento alternativo após a recuperação. A mortalidade associada a cardiotoxicidade por ICI é bastante alta, chegando a 50% nos casos de miocardite.
Recentemente foi publicada uma revisão sistemática e metanálise com objetivo de avaliar o impacto do tratamento com ICI na cardiotoxicidade.
Métodos do estudo e população envolvida
O objetivo foi avaliar a cardiotoxicidade por ICI em pacientes recebendo este tratamento (grupo intervenção) comparado a placebo (grupo controle) a partir da análise de estudos clínicos controlados e randomizados. O tratamento podia ser combinado com outros tipos de tratamento sistêmico e os pacientes foram divididos também de acordo com a neoplasia em tratamento: câncer de pulmão, melanoma e outros.
Foram incluídos estudos clínicos controlados e randomizados de pacientes com tumores sólidos que receberam pelo menos um ICI comparado a placebo e que avaliaram eventos adversos cardiovasculares.
Resultados
Foram incluídos na análise 101 estudos com 58.698 pacientes. O tumor mais frequente foi de pulmão (constando em 31 estudos), seguido por melanoma (11 estudos) e de estômago (9 estudos). Do total, 76 estudos compararam ICI com placebo em combinação com outras medicações, 5 estudos compararam ICI com placebo em combinação com outro ICI e 20 compararam ICI isolado com placebo.
A maioria dos estudos teve baixo risco de viés e apenas 29 tinham preocupações em relação ao cegamento da administração da medicação.
A incidência de cardiotoxicidade de qualquer grau foi de 3% no grupo intervenção e 2,3% no grupo controle. Para os ICI específicos, a ocorrência foi de 3% para os anti-PD1, 2% para anti-PDL1 e 4,9% para anti-CTLA4. O risco relativo (RR) foi de 1,31, com IC95% 1,17-1,48, p < 0,001 e o risco de heterogeneidade foi baixo.
Na análise de subgrupos em relação ao tipo de tumor, os cânceres não pulmão e não melanoma tiveram risco maior de cardiotoxicidade (RR 1,42, IC95% 1,21-1,45, p < 0,001) e não houve diferença entre os grupos pulmão e melanoma.
Quanto ao tipo de cardiotoxicidade, ICI levou a maior ocorrência de miocardite (RR 1,79, IC95% 1,11-2,91, p = 0,018) e arritmia (RR 1,22, IC95% 1,04-1,44, p = 0,016), porém não houve diferença na ocorrência de pericardite.
Comentários e conclusão
Essa é a maior metanálise sobre cardiotoxicidade induzida por ICI e incluiu estudos mais padronizados e atualizados, o que resultou em menor heterogeneidade e resultados mais confiáveis. O uso de ICI foi associado a maior ocorrência de cardiotoxicidade, o que é consistente com estudos anteriores.
Não houve diferença entre os ICI avaliados individualmente e dentre as diferentes toxicidades, miocardite foi a mais comum. Pericardite não teve associação com ICI neste estudo e pode ser que este evento seja decorrente da própria doença neoplásica e não do tratamento, sendo necessários mais estudos para confirmar este resultado.
A ocorrência de arritmia teve associação positiva, mas também necessita de confirmação, pois esse resultado teve influência importante de dois estudos com grande número de pacientes que tiveram peso importante no resultado final.
Apesar da baixa incidência de cardiotoxicidade, quando ela ocorre, costuma ser grave, alcançando mortalidade de até 50% nos casos de miocardite.
Ainda são necessários mais estudos para identificar o paciente com maior risco desses eventos e recomenda-se que todos realizem avaliação de sinais e sintomas, eletrocardiograma e dosagem de troponina antes do início do tratamento com ICI.
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