“Crianças não são adultos em miniatura”. Essa frase frequentemente repetida no curso de pediatria não acontece por acaso. E devemos nos lembrar disso na avaliação das doenças desmielinizantes na pediatria. É necessário considerar que apesar das doenças terem a mesma nomenclatura que nos adultos, a frequência é diferente e o aspecto de imagem na ressonância magnética pode ser crucial para definir o diagnóstico.
Uma afecção comum na infância é a encefalomielite disseminada aguda, mais conhecida como ADEM, sendo uma síndrome desmielinizante que cursa com encefalopatia associada a algum outro déficit neurológico. Usualmente afeta o córtex, assim como forma lesões com aspecto tumefativo e algodonoso nas porções profundas do cérebro, incluindo a região dos núcleos da base e região do tronco cerebral e cerebelo. O processo clássico é antecedido por um processo infeccioso ou quadro vacinal.
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Os diagnósticos
Um ponto comum de confusão é o diagnóstico diferencial entre ADEM e esclerose múltipla (EM). Uma síndrome neurológica com sinais e sintomas que não é acompanhada de encefalite, com alteração do estado mental e possíveis crises convulsivas, não deve ser chamada de ADEM, e a possibilidade de EM deve ser investigada. Os critérios diagnósticos da EM na infância também utilizam a disseminação no tempo e no espaço assim como a presença de bandas oligoclonais no líquor. Porém, na infância, um primeiro episódio de ADEM seguido de um episódio de acometimento neurológico sem encefalopatia, com surgimento de lesões novas e caraterísticas na ressonância de crânio pode definir o diagnóstico de EM.
O que tem sido recentemente descrito é a associação da representação clínica e radiológica de ADEM com a presença do auto anticorpo contra a glicoproteína da mielina (anti-MOG), configurando a MOGAD. Sendo assim, o ADEM multifásico (novo episódio depois de 3 meses do primeiro) pode estar associado a essa persistência do anticorpo ou ao seu reaparecimento após outro gatilho infeccioso, o que acontece em até 30% dos casos iniciais. E devemos considerar que se um segundo episódio de surto com sintomas neurológicos for acompanhado de encefalopatia após 3 meses o primeiro evento pode configurar ADEM multifásico, e portanto, a retestagem do anti-MOG pode ser necessária devido ao seu reaparecimento ou ao não desaparecimento.
A MOGAD está associada a um padrão de mielite extensa e que deve ser diferenciada de outra doença inflamatória imunomediada, a neuromielite óptica (NMO), sendo esta última bastante rara em crianças. No entanto, o diagnóstico da NMO pode ser confirmado com a presença do auto anticorpo contra o canal de água Aquaporina-4 (anti-AQP4). A MOGAD habitualmente afeta o cone medular e tem o sinal do H, onde o H medular fica mais brilhante que o habitual nas sequências T2, ao passo que na NMO as mielites são extensas e predominantemente localizadas ao redor do canal central.
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A MOGAD também pode causar neurite óptica (NO) extensa intra-orbitária, e pode ser difícil do diagnóstico diferencial com a NO causada pela NMO, sendo esta última em geral mais grave e acometendo extensas porções proximais dos nervos ópticos, incluindo o quiasma óptico.
Considerações
Portanto, as principais doenças desmielinizantes da infância aparecem em frequência diferente que na fase adulta e devemos usar critérios clínicos, radiológicos e imunológicos para estabelecer esse diagnóstico diferencial.
Nesse vídeo você vai aprender como diferenciar doenças inflamatórias desmielinizantes em crianças por exames de imagem
Referências bibliográficas:
- Fadda G, Armangue T, Hacohen Y et al. Paediatric multiple sclerosis and antibody-associated demyelination: clinical, imaging and biological considerations for diagnosis and care. Lancet Neurol 2021;20:136-49. doi: 10.1016/S1474-4422(20)30432-4
- Pohl D, Alper G, Van Haren K et al. Acute disseminated encephalomyelitis. Updates on an inflammatory CNS syndrome. Neurology 2016;87(Suppl2):S38-S45. doi: 10.1212/WNL.0000000000002825
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