Neste ano, a revista Cephalalgia atualizou as recomendações para o tratamento farmacológico da migrânea, abrangendo tanto o manejo abortivo quanto o preventivo. Dada a extensão do documento, esta segunda parte abordará as principais recomendações referentes ao tratamento profilático.
Entre as atualizações, chama atenção a inclusão dos gepants como opção para a profilaxia, além de recomendações mais precisas sobre a escolha das terapias preventivas, sempre considerando o perfil clínico, as comorbidades e as preferências do paciente.
O documento mantém uma abordagem baseada em evidências, visando um manejo mais personalizado e eficaz da migrânea. A decisão de iniciar o tratamento profilático da migrânea deve ser considerada em pacientes com crises frequentes (≥ 4 dias de dor por mês), impacto funcional significativo ou resposta insatisfatória ao tratamento agudo. A escolha da medicação deve ser individualizada, levando em conta as comorbidades, o perfil de tolerabilidade e as preferências do paciente.
Recomendação de profilaxia considerando a diretriz
As recomendações apresentadas na diretriz foram formuladas com base em perguntas estruturadas segundo o modelo PICO (Population, Intervention, Comparator, Outcome), a partir de uma busca sistemática nas bases PubMed, Scopus e Cochrane. A qualidade das evidências foi avaliada utilizando o sistema GRADE, que classifica os estudos em quatro níveis — “alta”, “moderada”, “baixa” e “muito baixa” — sendo priorizados aqueles com ensaios clínicos randomizados de maior poder estatístico e desfechos clinicamente relevantes.
Com base nessa avaliação, as recomendações foram classificadas conforme sua força: “fortemente a favor” ou “fracamente a favor”. As Tabelas 1, 2 e 3, a seguir, sintetizam as recomendações profiláticas de acordo com o tipo de migrânea (episódica, crônica ou qualquer forma).
Tabela 1. Profilaxia para qualquer tipo de migrânea (episódica ou crônica)
Força de Recomendação / Qualidade da Evidência | Alta | Moderada | Baixa | Muito Baixa |
Fortemente a favor | – | ▪ Rimegepant 75 mg em dias alternados, oral ▪ Eptinezumabe 100 e 300 mg trimestral, intravenoso | – | – |
Fracamente a favor | – | – | ▪ Candesartana 16 mg oral ▪ Propranolol 160 mg oral | ▪ Valproato 500, 1.000 e 1.500 mg oral ▪ Bisoprolol 5 e 10 mg oral ▪ Metoprolol 200 mg oral |
Tabela 2. Profilaxia para migrânea episódica.
Força da Recomendação / Qualidade da Evidência | Alta | Moderada | Baixa | Muito Baixa |
Fortemente a favor | ▪ Atogepant 60 mg oral ▪ Erenumabe 70 e 140 mg a cada quatro semanas, subcutâneo ▪ Fremanezumabe 225 mg mensal e 675 mg trimestral, subcutâneo ▪ Galcanezumabe 120 mg mensal, subcutâneo | ▪ Topiramato 100 e 200 mg oral ▪ Eptinezumabe 100 e 300 mg trimestral, intravenoso | – | – |
Fracamente a favor | – | ▪ Amitriptilina 25 mg oral ▪ Candesartana 16 mg oral | ▪ Topiramato 50 mg oral ▪ Lisinopril 20 mg oral ▪ Propranolol 160 mg oral | ▪ Valproato 750 mg e 1.500 mg oral ▪ Lamotrigina 50 mg oral ▪ Levetiracetam 1.000 mg oral |
Tabela 3. Profilaxia para migrânea crônica.
Força da Recomendação / Qualidade da Evidência | Alta | Moderada | Baixa | Muito Baixa |
Fortemente a favor | ▪ OnabotulinumtoxinaA (155–195 UI) IM ▪ Atogepant 60 mg oral ▪ Eptinezumabe 100 e 300 mg trimestral, IV ▪ Fremanezumabe 675 mg trimestral, SC ▪ Galcanezumabe 120 mg mensal, SC | ▪ Erenumabe 70 e 140 mg a cada quatro semanas, SC ▪ Fremanezumabe 225 mg mensal, SC | – | – |
Fracamente a favor | – | – | ▪ Topiramato 200 mg oral | ▪ Topiramato 50 e 100 mg oral |
Comparações head-to-head no tratamento profilático
Na diretriz, comparações diretas foram realizadas a fim de auxiliar na escolha do tratamento profilático. Trata-se de discussão relevante na publicação, considerando que comparações diretas de drogas profiláticas serem importantes para simplificar o processo de escolha de tratamento da migrânea, estabelecendo a melhor sequência de medicamentos preventivos a serem testados em cada paciente tanto em termos de eficácia quanto tolerabilidade.
Essas comparações seguiram processo sistemático e criterioso. Inicialmente, foram coletados todos os ensaios clínicos randomizados (RCTs) com comparações diretas entre tratamentos profiláticos de migrânea identificados em pesquisa bibliográfica. Em seguida, os estudos foram organizados em grupos, priorizando-se os medicamentos injetáveis (como os anticorpos monoclonais contra o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina e a onabotulinumtoxina A) e, posteriormente, os fármacos de administração oral. Para garantir consistência e evitar duplicidade, cada ensaio clínico foi considerado apenas uma vez, mesmo que atendesse aos critérios de elegibilidade para múltiplas comparações. Essa estratégia permitiu uma análise estruturada das evidências disponíveis, respeitando os métodos estabelecidos na diretriz para a elaboração das recomendações baseadas em evidência.
Erenumabe versus Topiramato
Esta comparação avaliou pacientes com qualquer tipo de migrânea (sem distinção entre episódica e crônica). Foi comparado Erenumabe 70-140 mg via SC mensal versus Topiramato 100 mg/dia VO. A recomendação favoreceu o uso do erenumabe, principalmente devido à sua melhor tolerabilidade, embora ambos os fármacos apresentem eficácia semelhante nos desfechos clínicos avaliados.
Topiramato versus Valproato de sódio
Evidências disponíveis limitadas, com estudos pequenos, desfechos heterogêneos ou risco de viés elevado. Portanto, não houve uma recomendação formal da comparação dessas drogas na diretriz para qualquer tipo de migrânea.
Topiramato versus Flunarizina
Comparação realizada para qualquer tipo de migrânea entre Topiramato 100 mg/dia com a Flunarizina 5 mg/dia. Não foi formulada recomendação devido à baixa qualidade dos dados e número reduzido de estudos.
Topiramato versus Amitriptilina
Comparado Topiramato 200 mg/dia com Amitriptilina em dose alvo de até 150 mg/dia para qualquer tipo de migrânea. Os resultados mostraram eficácia semelhante entre os dois medicamentos. No entanto, diante de métodos dos estudos com qualidade muito baixa, a diretriz não emitiu uma recomendação definitiva entre as duas opções.
Galcanezumabe versus Rimegepant
Comparação feita em casos de migrânea episódica entre o Galcanezumabe 120 mg SC mensal e Rimegepant 75 mg oral em dias alternados. Os resultados mostraram eficácia semelhante entre os dois fármacos, e a diretriz emitiu uma recomendação favorável a ambos, com qualidade de evidência considerada moderada. Os autores ressaltam que a escolha entre os dois deve considerar a preferência do paciente quanto à via de administração (oral versus injetável), pois os perfis de eficácia e segurança são comparáveis.
Opinião dos especialistas nas comparações head-to-head
Em geral, as comparações diretas entre medicamentos preventivos são escassas, heterogêneas e, frequentemente, com métodos frágeis, o que limita a possibilidade de recomendações robustas.
Por outro lado, dois estudos comparativos podem ser destacados que geraram recomendações pela diretriz a partir desses estudos comparativos. Um deles é a comparação entre erenumabe e topiramato, no qual o primeiro demonstrou eficácia similar, mas com maior tolerabilidade, o que motivou a recomendação preferencial na diretriz pelo erenumabe. Ademais, na comparação entre galcanezumabe e rimegepant, houve equivalência em termos de eficácia com recomendação para escolha entre eles deve considerar preferências individuais, principalmente em relação à via de administração.
Nessa conjuntura, na ausência de evidência comparativa robusta, a diretriz recomenda que a seleção do tratamento profilático seja guiada por fatores como perfil de segurança, comorbidades, preferências do paciente, disponibilidade local e tolerabilidade individual. Além disso, é reforçado no documento a necessidade de mais estudos head-to-head bem desenhados para orientar com maior precisão a prática clínica.
Saiba mais: Enxaqueca, comparativo das intervenções medicamentosas para o manejo agudo
Mensagens práticas
- A terapia profilática da migrânea deve ser considerada em pacientes com quatro ou mais dias de dor por mês, impacto funcional significativo ou resposta inadequada ao tratamento agudo.
- A escolha do tratamento deve sempre ser individualizada, considerando o perfil clínico, as comorbidades e as preferências do paciente.
- A eficácia e os efeitos adversos das terapias profiláticas devem ser reavaliados periodicamente, com ajustes conforme a resposta clínica.
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