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Neurologia14 agosto 2025

Crises epilépticas agudas pós-AVC: quais casos indicam maior risco de epilepsia? 

Crises epilépticas agudas sintomáticas aumentam o risco de epilepsia e mortalidade após um acidente vascular cerebral (AVC)
Por Danielle Calil

O acidente vascular cerebral (AVC) é uma causa relevante de epilepsia de início tardio, sendo responsável por mais da metade dos casos novos em indivíduos ≥ 65 anos. As crises epilépticas pós-AVC estão associadas a maior risco de mortalidade, piores desfechos funcionais, incapacidade e demência.  

As crises epilépticas podem ser classificadas como crises agudas sintomáticas (ASyS – que ocorrem até 7 dias após o AVC) ou crises sintomáticas remotas (RSyS — que são espontâneas e não provocadas, ocorrendo após 7 dias do AVC). As ASyS não caracterizam epilepsia por definição ainda que sejam importante fator de risco; enquanto, por outro lado, as crises RSyS após um AVC atendem à definição prática de epilepsia da ILAE (International League Against Epilepsy) ao representarem risco elevado de recorrência de crises (>60%). 

Como já mencionado, as ASyS constituem fator de risco importante para epilepsia e para mortalidade após AVC. A revista Stroke publica recente estudo no qual os autores formularam a hipótese de que o momento e o tipo da ASyS influenciam o risco de epilepsia pós-AVC e de mortalidade. Para tal, os dados foram aplicados na atualização de um modelo prognóstico, com o objetivo de aperfeiçoar a predição de epilepsia em pacientes com ASyS após AVC isquêmico.  

Métodos 

Trata-se de um estudo de coorte multicêntrico composto a partir de um registro multicêntrico criado como parte do estudo SeLECT, que reuniu 9 coortes internacionais (n = 4.552) de adultos com AVC isquêmico agudo confirmado por neuroimagem. Ademais, foram adicionadas 3 coortes internacionais independentes, formando o conjunto de validação para o modelo prognóstico proposto, de pacientes com ASyS após AVC isquêmico por meio de convite direto a pesquisadores com interesse na pesquisa sobre epilepsia pós-AVC (PSE). 

Foram excluídos indivíduos com ataque isquêmico transitório (AIT), histórico de crises epilépticas ou epilepsia, AVC primariamente hemorrágico, comorbidades potencialmente epileptogênicas (ex. tumores intracranianos, traumatismo cranioencefálico grave, cirurgia cerebral prévia).    

Os desfechos principais estudados foram mortalidade por todas as causas e ocorrência de epilepsia (RSyS). O momento das ASyS foi categorizado em dia 0 (mesmo dia do AVC) ou posterior, enquanto os tipos de crises epilépticos classificados segundo a ILAE.  

Para análise estatística, foram utilizados modelos de regressão de Cox multivariados ajustados para idade, sexo, gravidade do AVC (NIHSS), comprometimento cortical, tratamento de reperfusão e uso de antiepilépticos. O modelo SeLECT-ASyS foi desenvolvido e validado em três coortes independentes, ajustando-o especificamente para pacientes com ASyS, visando aprimorar a predição de PSE nessa população.  

Resultados 

Entre os 4.552 participantes, 5% (n=233) apresentaram ASyS, sendo que 55% delas ocorreram no dia 0. Pacientes com ASyS no dia 0 apresentaram maior risco de desenvolver epilepsia pós-AVC (PSE) (HR ajustado: 2,3 [IC 95% 1,3-4,0]; p=0,003) em comparação àqueles com ASyS ocorrendo após o dia 0. Quanto ao tipo de crise, ASyS manifestadas como status epilepticus apresentaram o maior risco de PSE (HR ajustado: 9,6 [IC 95% 3,5-26,7]; p<0,001), seguida pelas crises focais com evolução para tônico-clônica generalizada — FBTCS (HR ajustado: 3,4 [IC 95% 1,9-6,3]; p<0,001). 

Maior risco de mortalidade por todas as causas foi mais presente em pacientes com crises focais com evolução para tônico-clônica generalizada (FBTCS )no dia 0 (HR ajustado: 2,8 [IC 95% 1,4-5,6]; p=0,004) e naqueles com status epilepticus agudo sintomático (HR ajustado: 14,2 [IC 95% 3,5–58,8]; p<0,001). 

O desempenho do modelo prognóstico publicado anteriormente (SeLECT2.0) para prever o risco de PSE foi baixo em indivíduos com ASyS (C-statistic: 0,58 [IC 95% 0,49-0,67]; n=233) em comparação com o desempenho superior na coorte geral (C-statistic: 0,75 [IC 95% 0,72-0,78]; n=4,552). Portanto, esse modelo prognóstico não conseguiu capturar adequadamente o risco de PSE em pacientes com ASyS. 

Nessa conjuntura, os autores ajustaram esse modelo prognóstico para os pacientes com ASyS após AVC, incorporando os achados sobre risco de PSE considerando o tipo e o momento da ASyS. Dessa forma, foi formulado o modelo SeLECT-ASyS, que apresentou melhor discriminação para tempo até PSE em comparação com o SeLECT2.0 original (C-statistic: 0,68 [IC 95% 0,61-0,76] versus 0,58 [IC 95% 0,49-0,67]; p=0,02) em sobreviventes de AVC com ASyS. Confira o modelo SeLECT-ASyS proposto e utilizado neste estudo, presente na Tabela 1.  

Escore SeLECT-ASyS 
Variável Escore 
Envolvimento cortical 1 ponto 
Aterosclerose de grandes artérias, sexo feminino 1 ponto 
Aterosclerose de grandes artérias, sexo masculino 2 pontos 
Sem FBTCS, após o dia 0 0 pontos 
Com FBTCS, após o dia 0 1 ponto 
Sem FBTCS, no dia 0 2 pontos 
Com FBTCS, no dia 0 3 pontos 
Status epilepticus 4 pontos 

Para reforçar os achados, foi avaliada uma coorte de validação com 74 adultos com ASyS após AVC (Suíça: n=32; Argentina: n=23; Japão: n=19). Nessa coorte, o SeLECT-ASyS demonstrou melhor discriminação (C-statistic: 0,70 [IC 95% 0,57-0,83]) comparado ao SeLECT2.0 (C-statistic: 0,59 [IC 95% 0,44-0,75]; p=0,18), indicando maior precisão preditiva para PSE em pacientes com ASyS.  

Considerando o modelo SeLECT-ASyS, resultados de menor valor (0 pontos) preveem risco de 26% (IC 95% 9-39) de PSE 10 anos após o AVC, enquanto o maior valor (7 pontos) prevê um risco de 100% (IC 95% 30-100). Na publicação, os autores mencionam que o modelo SeLECT-ASyS foi incorporado aos aplicativos de escore SeLECT disponíveis para iOS, Android e em calculadora online. 

Crises epilépticas agudas pós-AVC: quais casos indicam maior risco de epilepsia? 

Imagem de freepik

Comentários: Crises epilépticas agudas pós-AVC

Este estudo demonstra que o momento e o tipo de ASyS influenciam significativamente o risco de epilepsia e mortalidade após AVC. Crises epilépticas sintomáticas agudas no dia 0 e tipo de crises epilépticas como focal com evolução para tônico-clônica generalizada e status epilepticus apresentaram maior associação de risco. 

Destaca-se como ponto de interesse prático a atualização do modelo prognóstico SeLECT-ASyS para capturar com melhor precisão o risco elevado de epilepsia pós-AVC em indivíduos com crises sintomáticas agudas (ASyS). Para indivíduos sem ASyS após AVC, o modelo SeLECT2.0 permanece sendo a ferramenta mais indicada para previsão de risco, garantindo que cada modelo seja aplicado na população adequada, otimizando a acurácia prognóstica. 

Leia também: Epilepsia pós-AVC em jovens: risco e escores validados

Um achado relevante e com potencial para aplicabilidade prática é o risco superior a 60% em 10 anos de desenvolver epilepsia em sobreviventes de AVC com ASyS manifestadas como crise focal com evolução tônico-clônica generalizada no dia 0 ou status epilepticus (em torno de 28% de todos os casos de ASyS) e naqueles com escore SeLECT-ASyS ≥ 3 pontos. Esse nível de risco se alinha à definição prática de epilepsia da ILAE, que considera uma chance de recorrência superior a 60%. No entanto, a definição da ILAE requer pelo menos uma crise não provocada, e portanto, não é totalmente cumprida em casos de pacientes que apresentem apenas ASyS. Ainda assim, médicos podem avaliar a possibilidade em considerar pacientes de alto risco como se tivessem epilepsia, optando recomendar ou por acompanhamento clínico prolongado ou por prescrição de antiepilépticos como tratamento preventivo. É importante descartar que esse último, entretanto, não há comprovação que sustente sua eficácia como tratamento preventivo após AVC em pacientes que tiveram ASyS. 

Entre as limitações do estudo, destaca-se que ausência de monitoramento sistemático por eletroencefalograma (EEG), falta de diferenciação entre crises ocorridas imediatamente no início do AVC e aquelas no mesmo dia do AVC a partir dos dados de registro, falta de coleta sistemática de informações sobre causa de morte e incapacidade a longo prazo.  

Mensagem prática 

O escore SeLECT-ASyS fornece uma ferramenta mais acurada para estimar o risco de epilepsia após AVC em pacientes com crises sintomáticas agudas (ASyS), auxiliando na estratificação de risco e na decisão clínica individualizada.

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Referências bibliográficas

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