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Neurologia30 julho 2025

Epilepsia pós-AVC em jovens: risco e escores validados

Estudo avalia risco de epilepsia após AVC em jovens e valida escores SeLECT 2.0 e CAVE para predição individual.
Por Danielle Calil

A epilepsia pós-AVC (PSE) é uma complicação relevante, especialmente em adultos jovens que sofrem acidente vascular cerebral (AVC) em plena fase produtiva da vida. 

Apenas alguns estudos investigaram a incidência e o risco cumulativo de PSE especificamente em adultos jovens. Esses estudos relataram um risco cumulativo em 5 anos entre 5.5% e 15% para pacientes com AVC isquêmico e 21% para pacientes com hemorragia intracerebral. No entanto, essas estimativas são baseadas em pesquisas em que não era exigida comprovação por neuroimagem do AVC isquêmico, sendo conduzidas há décadas.  

Por outro lado, recentemente, vários escores de risco que predizem o risco individual de PSE foram desenvolvidos. Porém, todos foram derivados de populações gerais de AVC, incluindo principalmente pacientes com mais de 65 anos, sem validação externa específica para adultos jovens.  

Nesse contexto, a JAMA Neurology publicou estudo que investigou a incidência de PSE em adultos jovens de 18 a 49 anos em uma grande coorte prospectiva de pacientes com AVC comprovado por neuroimagem, além de características clínicas e de neuroimagem associadas à PSE. Por fim, foi avaliado o desempenho dos escores de risco existentes de PSE em uma coorte de adultos jovens. 

epilepsia

Métodos 

Trata-se de um estudo de coorte prospectivo, parte do ODYSSEY (Observational Dutch Young Symptomatic Stroke Study), envolvendo 17 hospitais holandeses, com pacientes entre 18 e 49 anos diagnosticados com AVC isquêmico ou hemorragia intracerebral comprovados por neuroimagem. O período de recrutamento foi de 2013 a 2021, com seguimento até fevereiro de 2024. O estudo seguiu a diretriz STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology) para relato de estudos de coorte. 

Já os critérios de exclusão consistiram em: cegueira monocular transitória ou infarto de retina, histórico de ataque isquêmico transitório ou AVC, hemorragia intracerebral (ICH) traumática, hemorragia subaracnoidea, ICH causada por aneurisma conhecido roto, ICH associada a neoplasia cerebral maligna conhecida, trombose do seio venoso cerebral e não residir permanentemente na Holanda. Para o presente estudo, também foram excluídos pacientes com histórico prévio de epilepsia (n = 30).  

O desfecho foi avaliado em duas etapas. Primeiro, informações sobre crises epilépticas sintomáticas agudas foram obtidas a partir dos prontuários médicos durante a coleta de dados de linha de base feita pelos médicos. Já as informações sobre a ocorrência de crises sintomáticas remotas foram coletadas por contato telefônico ou questionário online com os pacientes até 28 de fevereiro de 2024, utilizando um questionário estruturado padronizado. Em seguida, todas as primeiras crises relatadas, para as quais o paciente procurou atendimento médico, bem como o uso relatado de medicamentos antiepilépticos, foram verificados nos registros médicos do hospital participante ou do médico de atenção primária. A PSE foi definida como ≥ 1 crises sintomáticas remotas (crise epiléptica ocorrida ≥ 7 dias após o AVC inicial), de acordo com as diretrizes da ILAE (International League Against Epilepsy). 

O escore SeLECT 2.0 foi calculado para cada paciente com AVC isquêmico: gravidade do AVC (1 ponto para NIHSS 4–10 e 2 pontos para NIHSS ≥11), causa por aterosclerose de grandes artérias (1 ponto), crise sintomática aguda (3 pontos), estado de mal epiléptico sintomático agudo (7 pontos), comprometimento cortical (2 pontos) e território da artéria cerebral média (1 ponto). O desempenho dos escores SeLECT 2.0 e CAVE foi avaliado em termos de discriminação e calibração. A discriminação avalia o quão bem o modelo distingue pacientes com PSE daqueles sem PSE, sendo medida pela estatística C. A calibração mostra o grau de concordância entre o risco previsto e o risco observado, ilustrado em gráficos de barras. O risco observado foi calculado apenas para escores com no mínimo 30 pacientes. 

Resultados 

Foram avaliados 1.388 participantes com as seguintes características demográficas: mediana de idade 44.1 anos, 88.7% apresentaram AVC isquêmico e 11.3% hemorragia intracerebral. Após mediana de 5.3 anos de seguimento, 57 pacientes (4.1%) desenvolveram epilepsia após AVC. A mediana de tempo para a manifestação da primeira crise epiléptica remota foi em torno de 7 meses.  

Para os participantes acometidos por AVC isquêmico, 44/1231 desenvolveram PSE; isto é, em torno de 3.6%. O risco cumulativo em 5 anos para PSE em pacientes com AVC isquêmico foi de 3.7% (IC 95% 0.2% a 4.8%). Entre as variáveis associadas ao desenvolvimento de PSE foram encontradas: presença de crise epiléptica sintomática aguda (HR 10.83, [IC 95% 2.05 a 57.07], p = 0.005) e comprometimento cortical do AVC (HR 5.25, [IC 95% 1.85 a 15.49], p = 0.002). 

Já para os participantes acometidos por hemorragia cerebral, 13/157 (8.3%) desenvolveram PSE. O risco cumulativo em 5 anos para PSE nesses pacientes foi de 7.6% (IC 95% 3.5% a 11.8%). Entre as variáveis associadas ao desenvolvimento de PSE foi encontrada: presença de comprometimento cortical da hemorragia cerebral (HR 8.20, [IC 95% 2.22 a 30.25], p = 0.002). 

A estatística C do escore de risco SeLECT 2.0 foi de 0.78 (IC 95%, 0.71–0.84). O risco observado de PSE, de acordo com o escore SeLECT 2.0 neste estudo, foi mais baixo em comparação com o risco previsto do estudo original para todos os escores; entretanto, houve sobreposição dos intervalos de confiança de 95% entre o risco previsto e o observado na maioria dos casos. Já estatística C do escore de risco CAVE foi de 0.83 (IC 95%, 0.76–0.90). Portanto, a aplicação desses escores demonstrou boa discriminação e calibração consistentes. 

Discussão 

Este estudo demonstrou um risco cumulativo em 5 anos de epilepsia pós-AVC (PSE) de 3.7% entre pacientes jovens com AVC isquêmico e 7.6% entre aqueles com hemorragia intracerebral (ICH). Para ambos os tipos de AVC, o risco foi mais alto no primeiro ano após o evento. As variáveis associadas à PSE foram crise sintomática aguda e comprometimento cortical, fatores que já estão contemplados nos escores de risco SeLECT 2.0 e CAVE. Ambos os escores apresentaram boa discriminação e calibração razoável nesta coorte jovem, reforçando sua aplicabilidade mesmo fora da população idosa em que foram originalmente desenvolvidos. 

As características associadas à PSE identificadas no estudo foram consistentes com os componentes dos escores SeLECT 2.0 e CAVE. Embora esses escores tenham sido criados a partir de coortes predominantemente compostas por pacientes com mais de 65 anos, os resultados indicam que também podem ser usados em adultos jovens, evidenciado pelas estatísticas C semelhantes às dos estudos originais. Foi observada uma estatística C de 0.78 (IC 95% 0.71–0.84) para o SeLECT 2.0 nesta coorte jovem, próxima da estatística C de 0.77 (IC 95% 0.71–0.82) na validação externa original. Para o escore CAVE, a estatística C foi de 0.83 (IC 95% 0.76–0.90), superior à observada na coorte de derivação original (0.81; IC 95% 0.76–0.86) e na validação externa (0.69; IC 95% 0.59–0.78). O CAVE apresentou subestimação discreta do risco de PSE após hemorragia cerebral na amostra jovem, enquanto o SeLECT 2.0 superestimou levemente o risco observado, mostrando que há espaço para aperfeiçoar a capacidade discriminativa desses escores nessa faixa etária. 

Esses achados ajudam neurologistas a orientar pacientes jovens com AVC sobre o risco de desenvolver epilepsia pós-AVC de forma mais individualizada. 

Entretanto, algumas limitações devem ser consideradas. Primeiramente, todas as crises foram autorrelatadas, o que pode ter subestimado a ocorrência real de PSE; porém, houve verificação cruzada com registros médicos, que mostrou total concordância. Em segundo lugar, o número de casos de PSE no estudo foi relativamente pequeno, sobretudo entre pacientes com hemorragia cerebral, o que pode ter limitado a força estatística para algumas associações. Terceiro, a mediana do NIHSS na coorte ODYSSEY foi relativamente baixa, embora alinhada a estudos anteriores em AVC de jovens, sugerindo que a generalização para quadros mais graves deve ser feita com cautela. Por fim, os dados sobre uso de medicações antiepilépticos foram coletados apenas na primeira crise epiléptica, não permitindo estimar quantos evoluíram para epilepsia farmacorresistente, conforme definição atual da ILAE. 

Mensagem prática 

Apesar da baixa incidência, neurologistas devem monitorar pacientes com crises epilépticas sintomáticas agudas e envolvimento cortical do AVC como sinais de maior risco de epilepsia em jovens com AVC. O uso dos escores SeLECT 2.0 e CAVE possui boas evidências para validade nesta população. 

Veja também:Qual o risco de epilepsia pós-AVC?

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