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Neurologia12 junho 2024

Consenso clínico europeu sobre ESUS 

Consenso da European Society of Cardiology sobre o acidente cerebrovascular embólico de fonte indeterminada, conhecido pelo termo ESUS
Por Danielle Calil

O acidente cerebrovascular embólico de fonte indeterminada (ESUS), ocorre em um a cada 6 pacientes com AVC, em circunstâncias nas quais a etiologia é incerta a despeito de investigação diagnóstica recomendada.  

ESUS está inserido como um dos componentes que engloba o AVC criptogênico, não sendo, portanto, um sinônimo. Afinal, o AVC criptogênico é um termo mais abrangente que também inclui pacientes com múltiplas etiologias (como um paciente com fibrilação atrial e estenose carotídea ipsilateral ao infarto cerebral) e pacientes com propedêutica diagnóstica incompleta. 

Em 2024, a European Society of Cardiology publicou um consenso clínico com objetivo em prover uma abordagem do risco tromboembólico de indivíduos com ESUS através das patologias potenciais mais prevalentes, segmentadas em categorias como: aterosclerose supracardíaca, forame oval patente, cardiopatias de câmara esquerda, doença valvar cardíaca e neoplasias. 

Consenso clínico europeu sobre ESUS 

Aterosclerose supracardíaca 

O grau de estenose carotídea é considerado o principal parâmetro para acessar a relação causal entre o processo de aterosclerose com um evento isquêmico cerebral. Esse parâmetro foi baseado através da associação pregressa de estenose carotídea sintomática em ensaios clínicos antigos, que demonstraram o benefício de abordagem cirúrgica de pacientes com estenose grave. Naquela época, o grau de estenose era a única característica que poderia ser acessada através de angiografia.  

Atualmente, com os avanços em tecnologia de imagem, há como acessar outras informações sobre a placa de aterosclerose, considerando sua estrutura e sua composição que possam apresentar potencial de risco de ruptura. Já foi demonstrado que a prevalência de placas carotídeas complexas em pacientes com ESUS é duas vezes maior do que ao comparar com AVCs de pequenos vasos ou cardioembólico. Sendo assim, conhecer características da placa que proporcionam uma maior vulnerabilidade ao risco de eventos isquêmicos é fundamental. 

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A hemorragia intraplaca é uma das características mais atreladas à vulnerabilidade de ruptura, na qual o acúmulo de componentes do sangue ocorre dentro da placa ateromatosa. O melhor recurso para sua detecção é através de ressonância magnética, que pode proporcionar classificação de acordo com seu tempo de formação: agudo (menos de 1 semana), recente (1-6 semanas) ou remoto (após 6 semanas). Além disso, a capa fibrosa fina ou rompida é outro aspecto de vulnerabilidade de placa — sendo preferencialmente detectado em RM ─ visto que a capa fibrosa é tecido conectivo fibroso responsável por separar o core da placa com o lúmen arterial. Outra característica de vulnerabilidade é o trombo carotídeo intraluminal, a superfície luminal da placa carotídea (que pode ser vulnerável quando ulcerada), presença de core necrótico rico em lipídeos (principalmente quando acima de 40% da parede do vaso) e espessamento máximo da placa (principalmente quando acima de 3 mm).  

Recentemente, um sistema de classificação do risco de placa aterosclerótida para AVC foi introduzido, o Carotid Plaque-RADS. Trata-se de um sistema que acessa a morfologia de risco tromboembólico associada a essas placas carotídeas ao considerar, também, o parâmetro quantitativo do grau de estenose. 

Forame oval patente e outros shunts direita-esquerda 

Shunts direita-esquerda são uma causa potencial para AVC em contextos clínicos com potencial para embolia paradoxal, que ocorre quando um trombo perpassa a circulação venosa para arterial.  

O forame oval patente (FOP) é o shunt direita-esquerda mais comum, sendo uma anomalia congênita encontrada em 1/4 dos adultos, de modo que seu papel patogênico no AVC, inclusive, tenha sido contestado por décadas. Contudo, algumas evidências demonstraram que o forame oval patente pode apresentar risco trombogênico significativo em ESUS, de modo que a magnitude desse risco deve ser avaliada de acordo com algumas características clínicas.  

Uma forma de avaliar a patogenicidade atrelada ao forame oval patente no AVC é através da Classificação de Pascal e da escala RoPE. A aplicação dessas ferramentas possibilita analisar tanto características clínicas quanto peculiaridades anatômicas do forame oval patente que possam, em conjunto, propiciar um aumento no risco de AVC com sinais concomitantes de um tromboembolismo venoso. 

Em pacientes abaixo de 60 anos que preencham categorias “possível” ou “provável” da classificação de Pascal sem outra fonte embólica provável para AVC, o forame oval patente pode ser considerado como a causa do AVC e, portanto, não ser considerado como ESUS.  

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Na publicação dessa revisão da European Society of Cardiology, foram propostos critérios que possam acessar o risco tromboembólico de pacientes com ESUS e FOP além do preconizado pela classificação de Pascal ─ que geralmente se aplica a pacientes jovens e não considera todas características clínicas. 

Características do FOP que podem ser consideradas como risco moderado para shunts direita-esquerda em pacientes com ESUS são: tromboembolismo venoso recente e presença de aneurisma de septo atrial (ASA) ou grande shunt (independente do escore de RoPE) ou presença de ASA ou grande shunt em pacientes abaixo de 60 anos com RoPE ≥ 7.  

Já características com risco tromboembólico discreto para AVC em shunts direita-esquerda em pacientes com ESUS são: presença de ASA ou shunt largo e RoPE < 7 (independentemente da idade); ausência de ASA ou shunt largo e RoPE ≥ 7 (independentemente da idade) ou recente evento tromboembólico e ausência de ASA ou shunt largo (independentemente da idade). 

Cardiopatias atriais esquerda 

A presença de trombo em câmara atrial esquerda apresenta um elevado risco embólico, de modo que sua presença num paciente com AVC não deve ser classificada como ESUS. Ademais, pacientes com fibrilação atrial recém diagnosticados são encontrados em aproximadamente 13% dos pacientes com AVC durante fase intra-hospitalar e não devem ser classificados, portanto como ESUS. 

O aumento do tamanho do átrio esquerdo, por sua vez, já foi consistentemente associado ao aumento para risco de FA e de AVC. O alargamento dessa câmara cardíaca pode estar associado ao processo de remodelamento relacionado à idade do paciente, ao aumento de sobrecarga por pressão e volume e ao estresse oxidativo e processo inflamatório. A partir do estudo NAVIGATE-ESUS, o alargamento do átrio esquerdo foi considerado uma causa potencial de ESUS em virtude de sua análise post hoc ter demonstrado que o uso de rivaroxabana teve associação com redução de risco de AVC em pacientes com ESUS e diâmetro do átrio esquerdo acima de 4,6 cm. Contudo, recentemente, o ensaio clínico ARCARDIA, que investigou a eficácia de apixabana em pacientes com ESUS e cardiopatia atrial, foi interrompido por razões de futilidade ao apresentar, em análise interna, não haver diferenças na taxa de recorrência do AVC entre grupos intervenção e controle. 

Ademais, nessa revisão, outra cardiopatia atrial esquerda descrita como potencial causa para ESUS é a de cor triatriatum sinistrum, uma anomalia cardíaca congênita que divide o átrio esquerdo em duas câmaras por uma membrana. Considerando sua raridade, a presença desse achado em paciente com ESUS pode ser considerada como uma causa provável do AVC. 

Cardiopatias ventriculares esquerda 

A disfunção sistólica ventricular esquerda é comumente relacionada ao AVC. Cardiopatias isquêmicas e cardiomiopatias dilatadas com fração de ejeção reduzida são as causas mais comuns de AVC relacionado à disfunção ventricular esquerda. Pacientes com ventriculopatias de ejeção reduzida abaixo de 30% não são classificadas como ESUS em virtude de associação bem estabelecida para AVC. É importante destacar, nesse contexto, que os ensaios clínicos para anticoagulação em pacientes com ventriculopatias de fração de ejeção reduzida, apesar de reduzirem eventos cardiovasculares como AVC, apresentaram aumento de risco para sangramentos. 

Ainda assim, algumas formas de ventriculopatias esquerdas podem ser fontes de ESUS como amiloidose cardíaca (ao manifestar-se como cardiomiopatia restritiva grave a despeito de fração de ejeção preservada, com subsequente trombo em câmaras esquerdas), presença de aneurismas em ventrículo esquerdo ou de tecidos cicatriciais grandes/discinéticos. 

Doença valvar cardíaca 

Valvas cardíacas prostéticas, estenose mitral e vegetações devido à endocardite infecciosa são consideradas as principais fontes de cardioembolia e, portanto, sua presença em paciente com AVC não deve ser classificada como ESUS.  

Doenças cardíacas valvares nativas são fontes raras de embolismo se excluídas contexto de endocardite ou tumores cardíacos. Nessa revisão, alterações valvares associadas a risco tromboembólico discreto para casos de ESUS foram: doença valvar mitral de Barlow, calcificações valvares mitrais massivas e calcificação de valva aórtica. 

Neoplasias 

Câncer é uma doença complexa, a qual pode causar um acidente cerebrovascular por diversos mecanismos como estados de hipercoagulação (ex.: endocardite trombótica não bacteriana e coagulopatia intravascular disseminada), injúria vascular direta e complicações do tratamento (ex.: vasculopatia de radiação e cardiomiopatia induzida por quimioterapia). O aumento do risco de AVC em pacientes com câncer segue uma curva em “U”, na qual o pico inicial de risco ocorre durante o diagnóstico do câncer e o pico tardio anos após através dos efeitos cumulativos deletérios do seu tratamento. 

Considerando dados de autópsia em estudo da década de 1980, uma das principais causas de AVC em pacientes com câncer é a presença de endocardite trombótica não bacteriana, caracterizada por uma vegetação estéril de plaquetas e fibrinas em valvas cardíacas. Em virtude de serem vegetações pequenas e friáveis, é raro o diagnóstico em contexto antemortem, mesmo com aplicação de ecocardiograma transesofágico. Uma possibilidade é considerar essa causa na presença de vegetações cardíacas em pacientes oncológicos com hemoculturas negativas. 

Ademais, a coagulopatia intravascular disseminada também pode ser uma causa, na qual o diagnóstico dessa complicação é baseado de acordo com critérios estabelecidos pela International Society on Thrombosis and Haemostasis (ISTH) ≥ 5, cujos critérios são baseados em níveis séricos de d-dímero, fibrinogênio, contagem de plaquetas, tempo de protrombina.  

Outras características, com risco tromboembólico discreto, em pacientes oncológicos com ESUS são: presença de metástase ou recente progressão de doença ou  tipos de neoplasias associados a risco tromboembólico (com sítios como pulmão, pancreas, colorretal, ovário, etc); nível sério de d-dímero acima de 2.500 ng/ml na ausência de evento tromboembólico agudo e infarto cerebral em múltiplos territórios das artérias cerebrais.

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