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Neurologia30 maio 2024

Benefício de craniectomia descompressiva para hemorragia intracraniana profunda

O ensaio clínico ENRICH-ICH abordou benefício de neurocirurgia a possibilidade de minimamente invasiva para drenagem de hematoma em pacientes com hemorragia intracerebral.
Por Danielle Calil

Hemorragia intracerebral espontânea ocorre em 3,4 milhões dos acidentes cerebrovasculares globais. Em estudos pregressos como STICH I e II trials, assim como no MISTIE trial, não houve evidência de superioridade de evacuação cirúrgica de hematoma (comparado à melhor terapia médica) para pacientes com hemorragia intracerebral. Por outro lado, o ensaio clínico ENRICH-ICH demonstrou benefício de neurocirurgia minimamente invasiva para drenagem de hematoma em pacientes com hemorragia intracerebral ─ embora a amostra desse estudo tenha contemplado hemorragias mais lobares do que profundas. 

O estudo SWITCH, publicado nesse ano na revista The Lancet, investiga também propostas de intervenções cirúrgicas em hemorragia intracraniana, mas o alvo não é drenagem do sangramento, mas sim redução do efeito de massa. Nesse ensaio clínico, a craniectomia descompressiva associada à melhor terapia médica foi investigada como intervenção para avaliar melhora de desfecho funcional após seis meses em pacientes com hemorragia intracraniana supratentorial profunda. 

Monitorização não invasiva da pressão intracraniana

Métodos 

Os critérios de inclusão consistiram entre adultos entre 18-75 anos com hemorragia intracraniana supratentorial profunda (ao acometer núcleos de base ou tálamo, podendo estender para ventrículos, lobos cerebrais e espaço subaracnóideo), com Escala de Coma de Glasgow entre 8-13, Escala NIHSS entre 10-30, randomização dentro de 66 horas após ictus cerebrovascular, terapia cirúrgica dentro de 6 horas de randomização, volume do hematoma entre 30-100ml, RNI < 1.5 e plaquetas acima de 100mil.  

Já os critérios de exclusão consistiram em hemorragias intracranianas relacionadas à anormalidades estruturais (como má formação arteriovenosa, neoplasias, traumas), hemorragia em cerebelo ou tronco encefálico, hemorragias exclusivamente lobares, incapacidade significativa pré-evento cerebrovascular (Escala de Rankin modificada ≥ 2), teste negativo de gestação para casos de mulheres em idade fértil, neurocirurgia nos últimos seis meses, contraindicação para procedimento cirúrgico, história prévia de hemorragia intracraniana sintomática, hemorragia intracraniana secundária à trombólise venosa e pupilas arreativas bilateralmente. 

A randomização ocorreu através de modelo computadorizado para minimizar diferenças entre os grupos principalmente diante de características como: Escala NIHSS, idade e tempo esperado para craniectomia descompressiva após início da hemorragia intracerebral.  

Os participantes foram designados para um dos grupos: (1) grupo intervenção (craniectomia descompressiva + melhor terapia médica) e (2) grupo controle (melhor terapia médica). 

O procedimento de craniectomia descompressiva consistia em realizá-la a partir de diâmetro ≥ 12cm sem drenagem do hematoma. O flap ósseo é reinserido dentro de 1-5 meses após craniectomia descompressiva, seguido por tomografia pós-operatória. O exame clínico e radiológico (com TC ou RM) era performado em torno de 48 horas. O seguimento clínico foi em torno de sete dias ou após a alta hospitalar. A avaliação clínica, através da Escala modificada de Rankin, foi acessada em exame clínico ou por entrevista telefônica após 30 dias, 180 dias e um ano. Já a avaliação radiológica (com TC ou RM) foi realizada 150-180 dias. Um questionário de qualidade de vida foi acessado em 180 dias e 12 meses.  

O desfecho primário consistiu em mensurar o escore entre 5 e 6 da Escala modificada de Rankin em 180 dias. O desfecho de segurança consistiu em avaliar eventos adversos sérios em sete ou 180 dias. 

Resultados 

Entre outubro de 2014 e abril de 2023, isto é em torno de 9.5 anos do estudo, 201 participantes em 42 centros foram recrutados de forma randomizada (correspondendo a 66% da amostra previamente calculada). Infelizmente, o estudo foi precocemente interrompido por falta de financiamento.  

O grupo intervenção contemplou 96 participantes enquanto o grupo controle 101 participantes. Desses 197 participantes analisados, 188 (em torno de 96%) receberam a intervenção alocada, isto é, não apresentaram crossover. A amostra apresentava mediana de idade de 61 anos e 32% era composta por mulheres.  

Na avaliação de desfecho primário, 42/95 (44%) do grupo craniectomia descompressiva e melhor terapia médica apresentou Rankin entre 5-6 versus 55/97 (58%) do grupo controle após 180 dias [Diferença de risco ajustado de -13%, IC (95% -26─0), p = 0.057]. Baseado nesse resultado e considerando as limitações do estudo, os autores consideraram evidência fraca para a intervenção (craniectomia descompressiva e melhor terapia médica) ao comparar com a melhor terapia médica apenas. 

No final do estudo, os participantes do grupo intervenção foram questionados se eles se optariam por realizar novamente a neurocirurgia e 28/62 (77%) responderam que “sim”. 

Na avaliação de desfecho de segurança, 41% do grupo intervenção apresentaram eventos adversos sérios em comparação a 44% do grupo placebo [(Diferença de risco de -3%, (IC 95% -16─11)]. 

Comentários 

Trata-se de um ensaio clínico com um desenho de estudo rigoroso, bem conduzido, com taxa de crossover entre os grupos aceitável, com follow up completo em 96% da amostra, de modo que seja notável o grande esforço do grupo desse estudo para sua realização.  

Embora tenha sido interrompido precocemente por falta de financiamento e o desfecho tenha demostrado uma evidência fraca para a intervenção (craniectomia descompressiva) para a população estudada, o SWITCH trial foi o primeiro ensaio clínico a ser investigado na população com hemorragia intracraniana supratentorial profunda. 

Ainda que a evidência tenha sido fraca para o desfecho primário, é interessante ressaltar que a intervenção cirúrgica proposta através da craniectomia descompressiva não aumentou a incidência de eventos adversos sérios. 

O ensaio clínico apresentou diversas limitações. A principal limitação permanece sendo a interrupção precoce do estudo diante de falta de investimento financeiro, visto que o estudo foi interrompido com 201 participantes após randomização enquanto o tamanho amostral planejado era de 300, ocorrendo uma perda do poder estatístico do estudo. Além disso, os autores mencionam que o longo período para recrutamento possa ter resultado em potencial viés de seleção. Outra limitação foi a característica da amostra, na qual um terço era constituída por mulheres e não havia dados de informação sobre a raça dos participantes, dificultando a generalização dos dados. 

Mensagem final 

Houve fraca evidência para craniectomia descompressiva como intervenção cirúrgica para manejo de hemorragia intracerebral supratentorial profunda. Ainda assim, a sobrevivência de ambos os grupos do ensaio clínico foi acompanhada por incapacidade grave. 

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Referências bibliográficas

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