A Doença de Parkinson (DP) é frequentemente descrita como uma condição neurodegenerativa de curso lento e previsível, mas um artigo recente publicado na BMJ Neurology Open (2025) revisitou esse conceito e trouxe uma nova compreensão sobre a progressão clínica e biológica da doença.
O que o estudo analisou?
O autor, Peter A. Kempster, do Monash Medical Centre (Austrália), revisou dados de dezenas de estudos longitudinais envolvendo milhares de pacientes e mais de 57 mil anos-paciente de acompanhamento. O objetivo: entender como a incapacidade motora evolui ao longo do tempo e como o tratamento dopaminérgico interfere na percepção dessa progressão.
O trabalho destaca que a DP progride, em média, a uma taxa de 2% ao ano do escore máximo de incapacidade motora — um ritmo que corresponde à perda anual de neurônios dopaminérgicos da substância negra.
Fases da doença e ritmo de progressão
A revisão mostra que a velocidade da progressão não é constante:
- Fase pré-motora e diagnóstico inicial: antes do início do tratamento, o avanço é cerca de duas vezes mais rápido, com aumento anual de até 5% nos escores motores. Isso coincide com o período em que os mecanismos compensatórios neuronais começam a falhar.
- Após início da levodopa: o tratamento reduz a incapacidade em cerca de 40% do nível prévio, graças a dois componentes — o short-duration response (efeito imediato da dose) e o long-duration response (benefício cumulativo e sustentado).
- Fase avançada: caracterizada por quedas frequentes, alucinações e declínio cognitivo, que tendem a ocorrer em média nos últimos 5 anos da evolução. Nessa fase, a progressão pode tornar-se exponencial, possivelmente relacionada à disseminação cortical da patologia de Lewy.

Mitos e realidades sobre a levodopa e a progressão da doença de Parkinson
O estudo reforça que a levodopa não “deixa de funcionar” com o tempo — o que muda é o padrão de resposta.
Mesmo após 10 a 15 anos de uso, pacientes continuam apresentando resposta significativa, embora as flutuações motoras e discinesias se tornem mais frequentes. A ideia de “fase de lua de mel” é um equívoco histórico: o medicamento continua eficaz, mas a doença segue progredindo.
A importância do LDR (Long Duration Response)
Um ponto-chave do artigo é o papel do Long Duration Response — uma melhora motora sustentada, que persiste mesmo após dias sem levodopa. Estima-se que o LDR represente 30-50% do benefício total e esteja relacionado à dopamina ainda produzida por neurônios remanescentes da substância negra. Esse fenômeno explica por que pacientes recém-diagnosticados podem permanecer estáveis por anos após o início da terapia.
Implicações clínicas e científicas
- A taxa de 2% ao ano oferece uma referência objetiva para avaliar terapias modificadoras de doença.
- A constatação de progressão mais rápida antes do tratamento sugere que ensaios clínicos em fases precoces precisam considerar esse viés natural.
- A evidência de progressão quase linear reforça a utilidade das escalas motoras (MDS-UPDRS III) como indicadores clínicos confiáveis.
- A hipótese de aceleração exponencial nas fases finais da DP levanta questões sobre mecanismos prion-like e disseminação de agregados de α-sinucleína.
Conclusão
A progressão da Doença de Parkinson ocorre de modo predominantemente linear, a cerca de 2% do déficit motor máximo ao ano, mas com aceleração nos estágios iniciais e finais.
O estudo de Kempster lembra que compreender a progressão exige mais do que medir sintomas — é preciso distinguir os efeitos do tratamento dos processos degenerativos reais.
Em resumo: a levodopa continua sendo uma aliada eficaz, e o desafio da neurologia moderna é medir, com precisão, o que é melhora sintomática e o que é neuroproteção verdadeira.
Autoria

Thiago Nascimento
Formado em Medicina pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) em 2015. Residência Médica em Neurologia no Hospital Geral Roberto Santos (HGRS) Salvador - Bahia (2016-2019). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). Mestrando em Ciências da Saúde pela UFBA (PPGCs - UFBA). Preceptor da Residência de Neurologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Médico Neurologista - Membro do Ambulatório de Neuroimunologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Professor na Afya Educação Médica.
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