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Neurologia16 setembro 2025

CIDP: Recomendações brasileiras para o diagnóstico, manejo e tratamento 

A Academia Brasileira de Neurologia elaborou recomendações nacionais para polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória crônica (CIDP)
Por Danielle Calil

A polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória crônica (CIDP) é uma neuropatia periférica adquirida, autoimune, caracterizada por fraqueza progressiva e simétrica em membros superiores e inferiores, associada à arreflexia e alterações sensitivas. O curso clínico clássico evolui por mais de oito semanas, mas até 16% dos casos podem apresentar início agudo, confundindo-se com a síndrome de Guillain-Barré. Alterações eletrofisiológicas típicas incluem bloqueio de condução, dispersão temporal e lentificação da velocidade de condução.  

Apesar de quase 50 anos de estudos desde a descrição inicial de Dyck e colaboradores, o diagnóstico ainda é desafiador, e taxas significativas de erro são relatadas mundialmente, resultando em tratamentos inadequados. No Brasil, um país de dimensões continentais e marcadas desigualdades de acesso à saúde, centros especializados em doenças neuromusculares estão distribuídos de forma desigual. Essa realidade dificulta o diagnóstico precoce e o tratamento adequado da CIDP, impactando diretamente a qualidade de vida dos pacientes.  

A Academia Brasileira de Neurologia (ABN), por meio de seu Departamento Científico de Neuropatias Periféricas, elaborou recomendações nacionais visando padronizar o diagnóstico, manejo e tratamento da CIDP, adaptando-se aos recursos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). Essas recomendações foram publicadas recentemente na revista Arquivos de Neuro-Psiquiatria. 

Métodos 

As recomendações foram desenvolvidas por um painel de 22 neurologistas brasileiros especialistas em neuropatias periféricas, membros ativos da ABN. O processo envolveu revisão não sistemática da literatura em bases como PubMed, SciELO e Embase, seguida de discussão em grupo e síntese por consenso. Foram excluídos relatos de caso e artigos não revisados por pares. As recomendações finais foram estruturadas em formato de questões práticas, abordando aspectos diagnósticos, armadilhas comuns, diagnósticos diferenciais e estratégias terapêuticas. 

CIDP: Recomendações brasileiras para o diagnóstico, manejo e tratamento 

Recomendações para polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória crônica (CIDP)

Diagnóstico 

Os critérios diagnósticos atuais (EAN/PNS 2021) recomendam classificar os casos em CIDP ou CIDP possível, abolindo categorias como “provável” e “definida”. Foram definidos critérios clínicos e eletrofisiológicos para formas típicas e variantes (distal, multifocal/focal, motora e sensitiva), conforme mais bem ilustrado nas Tabelas 1 e 2. Critérios de suporte incluem análise de líquor, exames de imagem (ultrassonografia e ressonância de plexos e raízes), resposta objetiva ao tratamento e, em casos selecionados, biópsia de nervo.  

Tabela 1. Critérios clínicos para CIDP. 

Tipo de CIDP Critérios clínicos 
CIDP típica Presença dos critérios: A + B + C
A: Fraqueza muscular proximal e distal, progressiva ou recorrente, simétrica, em membros superiores e inferiores, com envolvimento sensitivo em pelo menos dois membros.
B: Evolução com duração mínima de 8 semanas.
C: Reflexos tendíneos ausentes ou reduzidos em todos os membros. 
Variantes de CIDP ▪ CIDP distal: perda sensitiva distal e fraqueza predominantemente em membros inferiores.
▪ CIDP multifocal: perda sensitiva e fraqueza em padrão multifocal (≥2 nervos), geralmente assimétrica e predominante em membros superiores.
▪ CIDP focal: perda sensitiva e fraqueza em apenas um nervo.
▪ CIDP motor: sintomas e sinais motores sem envolvimento sensitivo.
▪ CIDP sensitivo: sintomas e sinais sensitivos sem envolvimento motor. 

Tabela 2. Categorias diagnósticas para CIDP. 

Categoria de CIDP Critérios diagnósticos 
CIDP típica • Critérios clínicos + critérios de condução motora em dois nervos + anormalidades de condução sensitiva em dois nervos.
• CIDP típica possível + pelo menos dois critérios de suporte. 
CIDP típica possível • Critérios clínicos + critérios de condução motora em um nervo + anormalidades de condução sensitiva em dois nervos.
• Critérios clínicos + anormalidades de condução motora que não preenchem critérios para CIDP em um nervo + anormalidades de condução sensitiva em dois nervos + resposta objetiva ao tratamento + um outro critério de suporte. 
CIDP distal • Critérios clínicos + critérios de condução motora em dois nervos de membros superiores + anormalidades de condução sensitiva em dois nervos.
• CIDP distal possível + pelo menos dois critérios de suporte. 
CIDP distal possível • Critérios clínicos + critérios de condução motora em um nervo de membro superior + anormalidade de condução sensitiva em um nervo.
• Critérios clínicos + critérios de condução motora em dois nervos de membros inferiores apenas + anormalidades de condução sensitiva em dois nervos (CIDP distal possível apenas, não pode ser elevada por critérios de suporte). 
CIDP multifocal ou focal • Critérios clínicos + critérios de condução motora em dois nervos + anormalidades de condução sensitiva em dois nervos.
• CIDP multifocal ou focal possível + pelo menos dois critérios de suporte. 
CIDP multifocal ou focal possível • Critérios clínicos + critérios de condução motora em um nervo + anormalidades de condução sensitiva em dois nervos.
• CIDP focal que preenche os critérios clínicos + critérios de condução motora em um nervo + anormalidades de condução sensitiva em um nervo (CIDP focal possível apenas, não pode ser elevada por critérios de suporte). 
CIDP motora • Critérios clínicos + critérios de condução motora em dois nervos + condução sensitiva normal em quatro nervos.
• CIDP motora possível + pelo menos dois critérios de suporte. 
CIDP motora possível • Critérios clínicos + critérios de condução motora em um nervo + condução sensitiva normal em quatro nervos. 
CIDP motora-predominante • Igual à CIDP motora, mas com anormalidades de condução sensitiva em dois nervos. 

O consenso destacou o desafio no diagnóstico acurado dessa condição mediante dados de taxas significativas de diagnósticos incorretos de CIDP que, em alguns estudos internacionais, pode chegar a 50%. Entre os fatores contribuintes estão a interpretação isolada de eletroneuromiografias, a utilização acrítica da dissociação albuminocitológica no líquor e a sobreposição com neuropatias hereditárias ou adquiridas. 

Durante o processo de elucidação diagnóstica, ainda há a necessidade de atentar-se ao fato de que algumas neuropatias hereditárias podem apresentar características clínicas ou eletrofisiológicas sobrepostas às da CIDP ou de suas variantes. Um histórico familiar claro é um forte indicativo dessa possibilidade. Além disso, considerar a causa genética, mesmo na ausência de familiares afetados, pode ser considerada diante de pacientes com curso lentamente progressivo, ausência de fraqueza proximal e redução uniforme das velocidades de condução. Por fim, a falta de resposta a imunoterapia adequada é um sinal de alerta comum em pacientes com neuropatia hereditária que foram diagnosticados erroneamente como portadores de CIDP. 

Diagnósticos diferenciais

Diagnósticos alternativos à suspeita de CIDP devem ser considerados diante da presença de sinais de alarme como: presença de neuropatia de progressão muito lenta; dor intensa; atrofia muscular precoce; distúrbios esfincterianos; envolvimento de nervos cranianos; ptose cefálica; comprometimento respiratório e/ou sintomas sistêmicos e autonômicos. 

A propedêutica laboratorial deve incluir: hemograma completo, dosagem de eletrólitos (incluindo glicemia de jejum), hepatograma, pesquisa de proteínas monoclonais séricas e urinárias com imunofixação, testes de função tireoidiana, dosagem da enzima conversora de angiotensina, testagem para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e para os vírus linfotrópicos de células T humanas tipos I e II (HTLV-I/II), investigação para vírus emergentes (incluindo arbovírus e o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 – SARS-CoV-2), painel de hepatites e exames laboratoriais reumatológicos. 

Tratamento 

O objetivo terapêutico é melhorar a funcionalidade do paciente por meio do controle da fraqueza e da perda sensitiva, buscando alcançar e manter a remissão a longo prazo sem expor o paciente a tratamentos excessivos. Logo, a imunoterapia para CIDP deve ser iniciada sempre que o paciente apresentar envolvimento motor significativo e incapacidade funcional; enquanto, por outro lado, pacientes com sintomas sensitivos leves e sem comprometimento funcional podem ser apenas acompanhados clinicamente. 

As terapias de primeira linha incluem corticosteroides, imunoglobulina intravenosa (IVIg) e plasmaférese (PLEX). Não há consenso nem evidência inequívoca de nível I que suporte uma opção como superior. Apesar disso, consensos da EFNS/PNS e uma metanálise da Cochrane sugerem que a IVIg pode apresentar o melhor índice terapêutico. Ainda assim, a escolha depende da disponibilidade, custo e perfil clínico do paciente. Tanto a IVIg quanto a PLEX são caras e requerem maior cuidado em sua execução, enquanto a corticoterapia é mais barata e acessível embora possua maior efeitos adversos. 

Diversos imunossupressores e imunomoduladores (ex. azatioprina, ciclosporina, ciclofosfamida, metotrexato e micofenolato mofetil) têm sido usados como terapias de segunda linha em pacientes refratários ou intolerantes às terapias de primeira linha. Contudo, sua eficácia na CIDP costuma basear-se em relatos anedóticos ou pequenos estudos não randomizados. O uso de anticorpos monoclonais anti-CD20 em linfócitos B (rituximabe) mostrou resultados promissores, especialmente em pacientes com CIDP associada a outras doenças autoimunes ou em curso recidivante-remitente; porém, ensaios clínicos randomizados de grande porte ainda são necessários para confirmar sua eficácia e segurança. Novas terapias, como inibidores do receptor FcRn (efgartigimode, batoclimabe), seguem em estudo. 

Acompanhamento clínico 

Ferramentas clínicas têm sido propostas para avaliação de pacientes com CIDP.  Recomenda-se a aplicação combinada de instrumentos validados para a prática clínica e para a população com CIDP, incluindo: INCAT, ODSS, R-ODS e MRC-sum score. Em média, são necessários de 10 a 15 minutos para aplicação dessa bateria. 

De modo geral, entre 50% e 70% dos pacientes com CIDP sem tratamento prévio respondem a uma das imunoterapias de primeira linha. Entre os não respondedores, cerca de 50% melhoram com a introdução de uma segunda terapia, resultando em uma taxa global de resposta de aproximadamente 80% com pelo menos duas imunoterapias. Ainda assim, entre 20% e 33% dos pacientes permanecem refratários à IVIg, PLEX e corticosteroides. 

Não há consenso universal sobre o que constitui melhora clínica. Em geral, pacientes são considerados refratários se falharem em pelo menos 2 das 3 terapias padrão para CIDP (IVIg, esteroides ou PLEX). Quanto ao tempo de avaliação, propõe-se que cada agente seja testado por pelo menos 3 meses. 

Limitações 

As principais limitações deste consenso incluem: 

  • Revisão não sistemática da literatura, podendo omitir evidências recentes. 
  • Ausência de graduação formal da qualidade da evidência. 
  • Barreiras de acesso a terapias de alto custo no Brasil, o que limita a aplicabilidade plena das recomendações. 
  • Falta de biomarcadores definitivos para diagnóstico e monitoramento da CIDP, mantendo a dependência de critérios clínicos e eletrofisiológicos. 

Ainda assim, o documento representa um avanço importante ao adaptar diretrizes internacionais à realidade brasileira, oferecendo orientações práticas para neurologistas em diferentes cenários de recursos. 

Mensagem prática 

A CIDP é uma neuropatia periférica tratável, mas de diagnóstico complexo. O uso criterioso de critérios clínicos e eletrofisiológicos, aliado ao reconhecimento de diagnósticos diferenciais, é fundamental para evitar erros. É preciso reconhecer e priorizar estratégias custo-efetivas e fortalecer centros de referência para garantir acesso equitativo ao diagnóstico e ao tratamento dessa condição no cenário nacional.

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Referências bibliográficas

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