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Pediatria21 outubro 2024

EAPS 2024: O que há de novo no tratamento da epilepsia neonatal?

No congresso feito pela European Academy of Paediatrics e pela European Society for Paediatric Research, tratamentos da epilepsia neonatal foram destacados.
Por Jôbert Neves

Durante o 10º Congresso da Academia Europeia de Sociedades Pediátricas (EAPS 2024) a professora Dra. Maria Roberta Cilio, uma renomada especialista em neurologia pediátrica, apresentou uma discussão aprofundada sobre os avanços no tratamento da epilepsia neonatal, destacando a necessidade crucial de precisão no diagnóstico e tratamento da epilepsia em recém-nascidos, especialmente aqueles em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN). 

Diagnóstico e tratamento precoce na UTIN: chave para o bom prognóstico 

A Dra. Cilio enfatizou que um diagnóstico oportuno é fundamental na epilepsia neonatal. Muitos recém-nascidos experimentam convulsões, que muitas vezes estão ligadas a condições graves como encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI), acidente vascular cerebral ou infecções, como as meningites neonatais. No entanto, um subconjunto de neonatos possui síndromes epiléticas genéticas que devem ser reconhecidas e tratadas de forma diferente. Ela destacou a necessidade de diagnosticar essas convulsões na própria UTIN, em vez de esperar que a criança desenvolva sintomas mais severos e veja um neurologista pediátrico meses ou anos depois, colocando o neonatologista no centro dessa discussão e manejo destes pacientes. 

Ela ressaltou ainda que, na grande maioria das vezes, as síndromes epiléticas de início neonatal frequentemente não são diagnosticadas precocemente, resultando em atrasos no tratamento, o que pode impactar o desenvolvimento neurológico de forma muito considerável.  

Técnicas avançadas de monitoramento: Novas formas de avaliação diagnóstica 

A professora Dra. Cilio discutiu o papel essencial do monitoramento na epilepsia neonatal, com foco na necessidade de um EEG (eletroencefalograma) de vídeo completo em vez de apenas EEG integrado por amplitude, que é frequentemente usado em casos de EHI ou acidente vascular cerebral. Ela enfatizou que um EEG completo é vital para diagnosticar encefalopatias epilépticas, onde o tipo de convulsão e os padrões são complexos e podem não responder a tratamentos tradicionais. 

O monitoramento de vídeo EEG fornece dados detalhados sobre o fenótipo da convulsão e ajuda os clínicos a escolherem o tratamento apropriado. Ao identificar a fonte exata das convulsões por meio do monitoramento do EEG, intervenções precisas, como a cirurgia, podem ser realizadas precocemente. Por exemplo, em casos de hemimegalencefalia, saber a região de início da convulsão pode orientar decisões precoces sobre a cirurgia, prevenindo futuros atrasos no desenvolvimento. 

Veja mais sobre em: https://papers.afya.com.br/blog/avancos-na-monitorizacao-neurologica-neonatal 

 

Tratamentos personalizados para epilepsias genéticas 

Um dos avanços mais significativos no tratamento da epilepsia neonatal é a transição para a medicina personalizada. A palestrante enfatizou como os testes genéticos estão agora desempenhando um papel crítico no diagnóstico precoce de síndromes epilépticas. Muitas epilepsias neonatais estão ligadas a mutações genéticas específicas que afetam os canais iônicos no cérebro, conhecidas como canalopatias. 

Ela destacou a epilepsia relacionada ao KCNQ2, onde bloqueadores de canais de sódio como a carbamazepina mostraram-se eficazes. As mutações KCNQ2 causam convulsões que não respondem a medicamentos típicos como o fenobarbital, mas respondem bem à carbamazepina. O tempo e a dosagem desses tratamentos são críticos; por exemplo, algumas formas de epilepsia relacionada ao KCNQ2 requerem doses baixas de carbamazepina, enquanto formas mais severas necessitam de doses mais altas. Essa transformação no tratamento exige que os pediatras, nenatologista e neurologistas ajustem sua abordagem com base no tipo de convulsão e no perfil genético. 

Cirurgia de epilepsia em neonatos: Aspectos da intervenção precoce  

Durante a plenária foram apresentadas evidências apoiando a proposta da cirurgia precoce para epilepsia em bebês com anormalidades estruturais cerebrais, como a hemimegalencefalia. Nesses casos, se o hemisfério cerebral afetado é responsável pelas convulsões, a cirurgia precoce pode melhorar drasticamente os resultados, permitindo um desenvolvimento mais típico. 

Um de seus estudos de caso apresentados envolveu um bebê que estava tendo crises de até 200 espasmos por dia e não respondia a medicamentos tradicionais. O diagnóstico precoce e a descoberta de uma hemimegalencefalia do lado direito levaram à decisão de realizar uma hemisferotomia (desconexão do hemisfério doente) com apenas dois meses de idade. Testes genéticos revelaram posteriormente uma mutação no gene AKT3, associado a essa condição. A cirurgia precoce impediu atrasos no desenvolvimento e convulsões que, de outra forma, teriam impactado severamente a vida da criança. 

Terapias modificadoras da doença e ensaios N-of-One 

A Dra. Maria Roberta também destacou o papel das terapias modificadoras de doença emergentes, como oligonucleotídeos antisense (ASO), que são projetados para atingir mutações genéticas específicas. Essas terapias oferecem esperança para o tratamento de epilepsias genéticas raras e severas, abordando a causa raiz da doença em nível molecular. 

Ela também trouxe considerações éticas em torno dos ensaios N-of-One (um ensaio clínico cruzado múltiplo, conduzido em um único paciente), que são abordagens de tratamento altamente personalizadas para doenças raras. Embora essas terapias possam ser potencialmente salvadoras, requerem uma avaliação cuidadosa e uma tomada de decisão compartilhada entre as famílias e os prestadores de cuidados de saúde.  

Mensagem prática

  • O diagnóstico rápido de epilepsias neonatais é essencial para implementar tratamentos adequados que podem melhorar os desfechos a longo prazo. Famílias e profissionais de saúde devem estar atentos a sinais de convulsões em recém-nascidos; 
  • A medicina personalizada, que leva em conta as mutações genéticas específicas, pode resultar em tratamentos mais eficazes para epilepsias neonatais, como a utilização de carbamazepina em casos de mutações KCNQ2. A identificação rápida da condição genética é fundamental; 
  • Em casos de anormalidades estruturais, como hemimegalencefalia, a cirurgia precoce pode prevenir atrasos no desenvolvimento e melhorar significativamente a qualidade de vida do bebê. Discussões sobre opções cirúrgicas devem ser feitas logo após o diagnóstico; 
  • Ao considerar terapias experimentais, é vital que as famílias estejam informadas sobre os riscos e benefícios, compreendendo que nem todas as opções podem resultar em melhorias. A comunicação clara entre clínicos e famílias é essencial. 

 

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