A atrofia muscular espinhal (AME) é uma doença genética autossômica recessiva caracterizada pela degeneração progressiva dos motoneurônios do corno anterior da medula espinhal, resultando em fraqueza e atrofia muscular de graus variados.
O distúrbio é causado, na maioria dos casos, por deleção ou mutação homozigótica do gene SMN1 (Survival Motor Neuron 1), localizado no cromossomo 5q13, levando à produção insuficiente da proteína SMN, essencial para a sobrevivência dos neurônios motores.
A presença de cópias do gene SMN2 (um paralogo quase idêntico ao SMN1, mas com splicing ineficiente do éxon 7) modula a gravidade da doença ao gerar produção residual de proteína SMN. Dessa forma, quanto maior o número de cópias, mais brando o fenótipo.
Essa base molecular embasou o desenvolvimento das terapias modificadoras de doença, que atuam em mecanismos distintos:
- Nusinersen (Spinraza®): Oligonucleotídeo que modula o splicing do SMN2, aumentando a expressão da proteína funcional.
- Risdiplam (Evrysdi®): Modulador oral de splicing que amplia a produção sistêmica da proteína SMN.
- Onasemnogene abeparvovec-xioi (Zolgensma®): Terapia gênica que entrega uma cópia funcional do gene SMN1 via vetor viral AAV9, restaurando a produção endógena da proteína.
Embora esses tratamentos tenham transformado o prognóstico da AME, nem todos os pacientes conseguem alcançar recuperação motora significativa. A resposta clínica é variável, principalmente quando iniciada em fases mais avançadas.
As estratégias combinadas, seja por adição terapêutica (uso concomitante) ou uso sequencial das medicações, são avaliadas em diferentes cenários, buscando sinergia molecular e funcional, com foco no impacto prognóstico e evolução clínica dos pacientes.
O artigo “Combination therapies in spinal muscular atrophy: a systematic review (Bemanalizadeh et al., European Journal of Pediatrics, 2025)” apresenta uma revisão sistemática abrangente das evidências sobre terapia combinada na AME, abordando segurança, eficácia e desafios clínicos dessa abordagem terapêutica.
Objetivo do estudo
O objetivo principal foi analisar as evidências atuais no uso combinado ou sequencial das terapias aprovadas para AME (nusinersen, onasemnogene abeparvovec e risdiplam)
O foco da análise seguiu em observação de desfechos clínicos, segurança terapêutica e racional biológico das terapias.
Metodologia
A revisão foi conduzida segundo as diretrizes PRISMA, com protocolo registrado em plataforma pública, seguindo uma meta análise descritiva e qualitativa. As buscas abrangeram as bases PubMed, Scopus, Web of Science e ClinicalTrials.gov, incluindo artigos até 05/2025.
A seleção dos artigos se baseou na qualidade metodológica,de forma que 19 estudos publicados e 6 ensaios clínicos em andamento preencheram os critérios de elegibilidade.
No total, foram analisados 29 pacientes submetidos a terapias duais ou triplas, seguindo a seguinte distribuição:
- Nusinersen + onasemnogene abeparvovec → 17 pacientes.
- Risdiplam + onasemnogene abeparvovec → 9 pacientes.
- Risdiplam + nusinersen → casos isolados e registros agregados (44 pacientes em registros multicêntricos).
- Terapia tripla (risdiplam + nusinersen + onasemnogene) → 3 pacientes.
Principais resultados
A maioria dos pacientes tratados tinha AME tipo I ou II, início precoce dos sintomas e 1–2 cópias do gene SMN2.
As combinações foram aplicadas tanto em contexto de falha terapêutica parcial seguindo com adição farmacológica quanto em troca planejada.
Nenhum caso relatou toxicidade sistêmica grave diretamente atribuída à combinação.
> Nusinersen + Onasemnogene abeparvovec: Foi a combinação mais estudada, demonstrando ganhos motores moderados em escalas clínicas e funcionais, principalmente em crianças com tratamento precoce. Naqueles com doença avançada, o efeito foi mais de estabilização do que melhora.
No contexto de toxicidade hepática, apenas um caso de insuficiência hepática fulminante foi descrito (hepatotoxicidade cumulativa?), de forma que demais alterações foram manejadas sem critérios de gravidade.
> Risdiplam + Onasemnogene abeparvovec: Estratégia usada como forma de manutenção após terapia gênica, com objetivo de sustentar os níveis de SMN.
Os desfechos indicam melhora ou estabilidade motora global, assim como aumento dos níveis de SMN. Nenhuma toxicidade hepática significativa ou eventos neurológicos adversos foram descritos.
> Risdiplam + Nusinersen: Essa estratégia foi menos encontrada na prática, sendo relacioinada na maioria das vezes como um seguimento daqueles que iniciaram terapia com Nusinersen e apresentaram dificuldade de acesso intratecal ou resposta parcial.
Os desfechos indicam manutenção da função motora e respiratória após transição, com alguns relatos de melhora discreta. A maioria dos efeitos adversos foram leves e transitórios.
> Terapia tripla (Risdiplam + Nusinersen + Onasemnogene):
Nesse esquema terapêutico, apenas três pacientes foram descritos, todos apresentaram estabilidade motora e respiratória, sem eventos adversos sérios. De qualquer forma, é essencial o desenvolvimento de estudos robustos e seguimento a longo prazo.
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Discussão e impacto clínico: Atrofia muscular espinhal (AME)
O trabalho destaca que a combinação de terapias modificadoras de curso na AME é segura no curto prazo, mas ainda não há evidência robusta de benefício funcional adicional frente ao uso isolado de uma única droga.
Os principais pontos interpretativos são:
- Sinergia terapêutica e o racional biológico: As drogas atuam por mecanismos complementares, modulação de splicing (nusinersen, risdiplam) e restauração gênica direta (onasemnogene), o que indica viabilidade biológica. Elas ainda podem ser complementar como ponte terapêutica, naqueles com contraindicação ou mesmo com baixa resposta à terapia inicial.
- Tempo de intervenção como fator crítico:Embora já bem definido, o tratamento precoce (antes da perda irreversível de motoneurônios) é o determinante mais importante para recuperação funcional, independentemente da combinação usada.
- Segurança clínica: Nenhuma combinação mostrou risco cumulativo grave, embora os cuidados clínicos e laboratórios sigam com os mesmo protocolos, com destaque para a função hepática.
Além da discussão técnica em si, também são ponderadas as dúvidas sobre efeito a longo prazo das medicações, assim como seus efeitos em diferentes apresentações e estágios da doença.
Outro ponto é a reflexão sobre custo-efetividade em sistemas de saúde públicos, algo que demanda grande discussão em diferentes áreas da sociedade.
Limitações do estudo
A principal limitação da presente revisão envolve a grande heterogeneidade metodológica e de características dos pacientes nos estudos analisados, assim como pouco tempo de seguimento dos casos e outros vieses diversos.
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Mensagem prática
O artigo representa um marco na discussão sobre combinações terapêuticas na AME, consolidando o entendimento de que tais estratégias são tecnicamente viáveis e geralmente seguras, mas ainda carecem de comprovação de eficácia baseadas em estudos mais robustos e com melhor definição de características clínicas para direcionamento terapêutico.
Nos próximos anos, ensaios clínicos em andamento podem auxiliar na definição de protocolos racionais de combinação ou sequência terapêutica, permitindo um manejo mais personalizado e biologicamente direcionado da AME.
Autoria

Johnatan Felipe Ferreira da Conceicao
Revisor médico do Portal PEBMED. Graduado em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Contato: [email protected] Instagram: @johnatanfelipef
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