A ataxia de Friedreich (FRDA) é uma doença genética autossômica recessiva, causada por expansão bialélica de repetição GAA no primeiro íntron do gene da frataxina (FXN). A deficiência de frataxina resulta em disfunção mitocondrial, com sinalização Nrf2 prejudicada, alteração no metabolismo do ferro e susceptibilidade a estresse oxidativo. A deficiência de frataxina leva à desregulação de defesas antioxidantes, levando à disfunção mitocondrial, prejuízo na sinalização do Nrf2 (fator nuclear prejudicado fator 2 relacionado ao eritroide 2) e diminuição da produção de trifosfato de adenosina.
É uma doença multissistêmica, cuja apresentação clássica se inicia na adolescência, com alterações lentamente progressivas da coordenação e do equilíbrio, associadas a manifestações não-neurológicas como cardiomiopatia, escoliose, deformidade em pés e diabetes mellitus. É conhecida como doença neurológica rara, afetando em torno de 22 mil indivíduos globalmente.
Entre as doenças neurológicas raras, a ataxia de Friedreich apresenta um destaque em termos de avanços em pesquisas clínicas. As evidências de eficácia e de segurança da droga omaveloxone para ataxia de Friedreich em indivíduos acima de 16 anos é um dos seus principais exemplos. O omaveloxone é a primeira terapia específica aprovada para ataxia de Friedreich por agências regulatórias como o FDA, em 2023, o EMA, em 2024, e agora a ANVISA, em 2025.
Quais as evidências para tratamento para ataxia de Friedreich?
A aprovação do omaveloxone advém das evidências de eficácia e segurança demonstradas pelo ensaio clínico MOXIe, publicada em 2021, no Annals of Neurology. A omaveloxolona é potente ativador do Nrf2, apresentando capacidade de auxiliar na restauração da função mitocondrial ex vivo em fibroblastos de pessoas acometidas com FRDA.
O MOXIe trial foi ensaio clínico randomizado, multicêntrico, duplo-cego, controlado por placebo composto por duas partes. A parte 1 objetivou identificar a dose ideal de omaveloxolona para indução de medições farmacodinâmicas de Nrf2 a partir de variação de dose da droga realizada em estudo de 12 semanas com 49 participantes. Já a parte 2, publicada na Annals of Neurology em 2021, investigou avaliar os efeitos de eficácia e tolerância na droga na função neurológica após 48 semanas em pacientes com ataxia de Friedreich.
A parte 2 do MOXIe trial foi ensaio clínico randomizado, duplo-cego, multicêntrico, controlado por placebo, para avaliar a eficácia e segurança do uso diário de omaveloxone 150 mg em pacientes com FRDA. O estudo foi conduzido em onze instituições dos Estados Unidos, da Europa e da Austrália. Foram elegíveis pacientes confirmados geneticamente com a doença, entre 16 e 40 anos de idade, com escore na linha de base entre 20 e 80 da escala motora mFARS (Modified Friedreich’s Ataxia Rating Scale). Foram excluídos indivíduos com diabetes mal controlada, doença cardíaca clinicamente significativa, infecções ativas, anormalidades laboratoriais significativas. Os participantes foram randomizados em dois grupos, na taxa 1:1, entre intervenção (omaveloxone 150 mg ao dia) e placebo, cujo desfecho primário foi avaliar a mudança na escala mFARS após 48 semanas. Entre os 103 participantes recrutados para o estudo, foi encontrada uma diferença entre os grupos intervenção e placebo, respectivamente, de –2,40 ± 0,96 (p = 0,014). Entre os principais efeitos colaterais reportados, houve aumentos transitórios reversíveis nas aminotransferases sem aumentos na bilirrubina total ou outros sinais de lesão hepática no grupo intervenção, além de queixas como cefaleia, náuseas e fadiga.
Em 2024, dados sobre extensão aberta do uso de omaveloxone em pacientes com ataxia de Friedreich foram publicados, corroborando ainda mais os resultados encontrados do MOXIe. Em comparação usando correspondência de propensão, os pacientes com ataxia de Friedreich que recebeu omaveloxolona durante 3 anos mostraram alterações significativamente menores no mFARS em comparação com aqueles que foram acompanhados no estudo de história natural FACOMS (Friedreich ataxia Clinical Outcome Measures Study).
Próximos passos do omaveloxone
A aprovação do registro do omaveloxone pela Anvisa ocorreu em 11 de abril de 2025. Com esse registro, o medicamento poderá ser comercializado após a aprovação do preço máximo pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). No entanto, a decisão sobre quando o medicamento será disponibilizado para venda fica a cargo da empresa detentora do registro.
Após a aprovação, uma das principais tarefas será informar pacientes e cuidadores sobre essa nova terapia, além de alinhar as expectativas em relação à eficácia e ao impacto desse tratamento. A escala mFARS, utilizada no ensaio clínico, varia de 0 a 99 pontos, com as pontuações mais altas indicando maior comprometimento neurológico. A diferença de dois pontos observada entre omaveloxone e placebo durante a fase controlada do estudo MOXIe reflete o agravamento médio anual da ataxia de Friedreich, conforme quantificado pelos escores clínicos disponíveis atualmente. No entanto, é importante ressaltar que, neste contexto, é desafiador prever a evolução da incapacidade funcional ao longo do tempo e, consequentemente, estimar o benefício cumulativo do uso de omaveloxone nos pacientes.
Saiba mais: Ataxia de Friedreich: uma doença multissistêmica
Para que o medicamento seja disponibilizado no Sistema Único de Saúde (SUS), ele precisará ser avaliado e recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e, em seguida, aprovado pelo Ministério da Saúde. É importante destacar que nem todos os medicamentos registrados pela Anvisa são avaliados pela Conitec ou incorporados ao SUS.
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