As ataxias hereditárias são um grupo geneticamente heterogêneo de doenças caracterizadas por incoordenação motora resultante de acometimento do cerebelo e suas conexões. A Ataxia de Friedreich (AF) é a mais comum desse grupo, sendo responsável por até metade dos casos de atахia hereditária em geral e por até três quartos dos casos entre indivíduos com menos de 25 anos de idade.1
A idade de início dos sintomas ocorre geralmente na adolescência2, mas o surgimento pode variar desde 2 anos de idade até 70. Esse fator é um importante preditor da gravidade geral da doença e da velocidade de progressão.3
A gravidade da doença e a taxa de progressão são variáveis, com a doença mais grave sendo associada a um maior número de repetições GAA.4 O tempo médio do início dos sintomas até o uso de uma cadeira de rodas varia de 11 a 25 anos. Segundo alguns estudos, a idade média de óbito dos pacientes é de 37 anos, com alguns casos de sobrevivência até a oitava década.5 Com a AF de início tardio, a progressão da doença é geralmente mais lenta.6
A principal causa de morte é a disfunção cardíaca, geralmente insuficiência cardíaca congestiva ou arritmia. Em menor frequência, a morte ocorre por causas não cardíacas.5
Devido à sua natureza progressiva, a intervenção precoce desempenha um papel fundamental na redução da velocidade do agravamento dos sintomas e na melhora da autonomia funcional dos pacientes.1
Essa intervenção envolve uma abordagem multidisciplinar, incluindo fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia e acompanhamento médico especializado.1 Para citar algumas:
- Um programa de terapia ocupacional e fisioterapia devem ser iniciados precocemente e modificado ao longo do tempo para tratar a perda progressiva do equilíbrio e do controle motor. Eventualmente, serão necessários dispositivos adaptativos para auxiliar na deambulação e nas atividades da vida diária.7
- É necessária uma avaliação cardíaca anual para evidências de arritmia e cardiomiopatia. Alguns especialistas sugerem que a avaliação inicial inclua tanto a ecocardiografia quanto a ressonância magnética cardíaca, seguidas de ecocardiografia anual durante o acompanhamento.8 As diretrizes de consenso recomendam a avaliação cardiológica no momento do diagnóstico com eletrocardiograma (ECG), ecocardiografia e monitoramento ambulatorial de ECG, seguido de acompanhamento anual com ECG e ecocardiografia para pacientes assintomáticos e acompanhamento mais frequente para pacientes sintomáticos.9 As diretrizes também afirmam que é razoável fazer monitoramento de ECG ambulatorial ou um monitor de eventos para pacientes com sintomas de palpitações e aqueles sem sintomas a cada um a quatro anos, aumentando a frequência com o avanço da idade. É claro que os pacientes que desenvolvem novos sintomas cardíacos devem ser vistos imediatamente. Embora não haja tratamento específico para a ϲаrԁiοmiоpatia relacionada à AF, medicamentos convencionais e implantes de dispositivos podem ser usados para controlar a insuficiência cardíaca e a arritmia.10
- A deglutição deve ser avaliada no início do acompanhamento e, dependendo dos sintomas, posteriormente, com equipe de fonoaudiologia.1,3
- O rastreio da escoliose é recomendado anualmente, seguido de encaminhamento ortopédico para aqueles com anomalias musculoesqueléticas.1,3
- Avaliações oftalmológicas e audiológicas são recomendadas no início do acompanhamento e a cada dois ou três anos a partir de então, com encaminhamentos apropriados para pacientes com deficiência visual ou auditiva.1,3
- Os pacientes devem ser examinados anualmente para detectar diabetes.1
- Estudos urodinâmicos devem ser obtidos, se houver suspeita de disfunção da bexiga.1,3
- Um estudo do sono é indicado se houver suspeita de distúrbios, principalmente apneia obstrutiva do sono.1
- Aconselhamento genético e psicológico são importantes para ajudar a lidar com um transtorno progressivo crônico.1
Dispositivos não invasivos para ajudar os sintomas estão sendo estudados, como os potenciais benefícios sintomáticos da estimulação transcraniana por corrente contínua cerebelar (ETCC) na ataxia e cognição em pacientes com AF e outras ataxias.11
Embora uma grande variedade de biomarcadores tenha sido investigada nos ensaios de AF, o biomarcador ideal para avaliar a progressão da doença ou o benefício terapêutico ainda não foi identificado.12
Sob o ponto de vista medicamentoso, atualmente as terapias se concentraram em melhorar a função mitocondrial e aumentar a expressão de frataxina, como omaveloxolona, vatiquinona, dimetil fumarato e elamipretide.13 A omaveloxona foi aprovada nos EUA, pela Food and Drug Administration (FDA), em fevereiro de 2023, e, no Brasil, pela Agência Nacional de Segurança Sanitária (Anvisa), em abril de 2025, para pacientes com 16 anos de idade ou mais como a primeira e, até o momento, única terapia farmacológica para AF.14,15
A aprovação da omaveloxolona no FDA foi baseada nos resultados de um ensaio randomizado internacional (MOXIe). Trata-se de uma doença de progressão lenta, com isso, pequenas diferenças na progressão funcional ao longo de um a dois anos poderiam se traduzir em diferenças significativas ao longo do curso da doença.16
É preciso conscientizar os médicos sobre a AF e superar a hesitação destes em prescrever o tratamento adequado. A importância do diagnóstico precoce é fundamental, o quanto antes as intervenções forem implementadas, maiores serão as chances de proporcionar uma vida mais independente e funcional para os pacientes.16,17
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