Aneurismas intracranianos não rotos são dilatações anormais das artérias cerebrais que, embora frequentemente assintomáticos, representam a principal causa de hemorragia subaracnoide não traumática. Sua detecção incidental aumentou com a disseminação da angiografia por ressonância magnética e tomografia computadorizada, levantando dúvidas frequentes sobre conduta, especialmente diante de achados pequenos e assintomáticos.
O artigo de prática clínica Unruptured Intracranial Aneurysms, recentemente publicado no periódico The New England Journal of Medicine, analisa criticamente a conduta frente ao diagnóstico dos aneurismas, integrando evidências recentes com recomendações práticas.
Objetivo do estudo
O artigo visa orientar a tomada de decisão, equilibrando risco de ruptura, características do aneurisma, fatores clínicos e preferências do paciente. Baseia-se em revisão narrativa com embasamento em estudos de coorte, metanálises e diretrizes atuais, e propõe estratégias individualizadas de manejo.
Metodologia
O texto integra dados de estudos prospectivos significativos, além de análises populacionais e sistemas de escore como UIATS (Unruptured Intracranial Aneurysm Treatment Score), ELAPSS (earlier subarachnoid hemorrhage, location of aneurysm, age, population, and size and shape of aneurysm) e PHASES (population, hypertension, age, size of aneurysm, earlier subarachnoid hemorrhage, and site of aneurysm). São discutidos os fatores de risco, critérios diagnósticos, opções terapêuticas e incertezas clínicas.
Principais achados
A prevalência global estimada dos aneurismas não rotos é de 3,2%, com maior incidência em mulheres, hipertensos e pessoas com histórico familiar. Os fatores de risco para ruptura incluem: sexo feminino, tabagismo, hipertensão, localização posterior, formato irregular, presença de “daughter sac” e diâmetro ≥ 7 mm. Aneurismas < 7 mm em circulação anterior têm risco de ruptura < 1% ao ano; já aneurismas ≥ 10 mm podem atingir risco > 6% ao ano.
A AngioRM ou AngioTC são preferidas na triagem inicial, com a angiografia digital permanecendo como padrão-ouro em casos complexos ou pré-operatórios. O tratamento conservador é indicado na maioria dos aneurismas pequenos e assintomáticos, com foco em cessação do tabagismo e controle pressórico. Aneurismas com maior risco são tratados com técnicas endovasculares (coils, flow diverters) ou cirúrgicas (clipping).
O clipping tem maior taxa de oclusão, mas maior morbidade perioperatória, sendo a técnica endovascular menos invasiva, com recuperação mais rápida, mas maior risco de recorrência.
Discussão e implicações clínicas
O manejo dessa patologia exige abordagem centrada no paciente. A simples detecção de um aneurisma não implica indicação cirúrgica. A decisão depende da integração de fatores clínicos (idade, comorbidades, sintomas), anatômicos (tamanho, localização, morfologia) e do contexto emocional e social. Há impacto psicológico relevante: ansiedade e depressão são comuns mesmo em casos sob vigilância.
O artigo reforça a necessidade de acompanhamento longitudinal com neuroimagem e aconselhamento estruturado. Ferramentas como o PHASES (ajuda a estimar o risco de ruptura em 5 anos) e o ELAPSS (orienta seguimento baseado no risco de crescimento) ajudam, mas não substituem o julgamento clínico individualizado.
Orientações práticas sobre rastreamento familiar
Pacientes com formações aneurismáticas intracranianas devem ser questionados sobre história familiar de aneurismas ou hemorragia subaracnoide. Quando identificada história familiar positiva (≥ 2 parentes de primeiro grau afetados), o rastreamento de familiares assintomáticos com angio-RM ou angio-TC a cada 5 a 7 anos é recomendado pelas diretrizes da American Heart Association.
Outros perfis considerados de alto risco e que devem ser rastreados incluem pacientes portadores de doença policística renal autossômica dominante, coarctação da aorta ou nanismo primordial osteodisplásico microcefálico.
O rastreamento não deve ser indicado rotineiramente para a população geral. A avaliação do risco deve ser individualizada, considerando o impacto psicológico e os potenciais efeitos de achados incidentais.
O papel do neurologista inclui:
- Identificar pacientes com história familiar relevante.
- Orientar familiares de primeiro grau sobre o risco aumentado.
- Encaminhar para triagem adequada, considerando idade, comorbidades e preferências.
- Aconselhar sobre sinais de alarme e importância da busca imediata por atendimento diante de cefaleia abrupta e intensa.
Limitações do estudo
Na perspectiva de análise de risco e ferramentas de decisão clínica, o escore PHASES não inclui variáveis importantes como formato do aneurisma ou tabagismo ativo, além de que a estratificação de risco ainda é limitada por heterogeneidade populacional e viés dos estudos históricos.
Faltam estudos prospectivos que comparem diretamente a vigilância vs intervenção em aneurismas pequenos, assim como o manejo dos aneurismas nos pacientes com doenças cerebrovasculares (ex: AVC isquêmico).
Mensagem prática
Este artigo reforça a complexidade do manejo dos aneurismas intracranianos não rotos, que vai além da simples métrica do tamanho.
O neurologista deve considerar aspectos anatômicos, clínicos e psicossociais para definir conduta, de forma que o caminho mais seguro continua sendo o da decisão compartilhada, equilibrando riscos, benefícios e preferências do paciente.
A vigilância estruturada é segura para a maioria dos casos, enquanto técnicas endovasculares ampliam o leque de opções nos cenários de maior risco. Ferramentas objetivas como PHASES e ELAPSS são úteis, mas o raciocínio clínico permanece insubstituível.
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