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Medicina Legal e Perícia Médica2 outubro 2019

Análise do padrão de manchas de sangue: ficção científica ou realidade?

Os perfis de manchas de sangue são utilizados para elucidar cenas de crime. Diversos acontecimentos contribuíram para o desenvolvimento dessa ciência.

Por Caroline Daitx

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A perícia do local de crime é uma das etapas mais críticas e muito importantes em uma investigação criminal. A análise de manchas de sangue nesse cenário, pode trazer importantes vestígios que, posteriormente, poderão ser provas importantes para desfecho do caso.

Há mais de 100 anos, os perfis de manchas de sangue são utilizados para elucidar cenas de crime. Foi em 1895 que houve um grande impulso científico com a publicação do autor, Eduard Piotrowski (Instituto de Medicina Forense da Polônia), sobre origem, formato, direção e distribuição de manchas de sangue. Entretanto, existem registros desde 1834 que trazem relevantes acontecimentos que foram contribuintes para o desenvolvimento dessa ciência.

Em 1983, o perito Hebert Leon MacDonell fundou a International Association of Bloodstain Pattern Analysts (IABPA). No ano de 2002 o Federal Bureau of Investigation (FBI) criou o Scientific Working Group on Bloodstain Pattern Analysis (SWGSTAIN). O SWGSTAIN realiza diversas ações, com objetivo de padronizar e desenvolver doutrinas nessa área de conhecimento.

O estudo das manchas de sangue, para fins forenses envolve diversos processos. O termo serologia engloba o estudo dos fluidos corporais no que tange testes de laboratório realizados no soro do sangue e demais fluidos corporais. Esses testes envolvem a caracterização das manchas de sangue, como por exemplo: É sangue humano? De quem é o sangue (exames de DNA)?

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mancha de sangue espirrado na pia

O sangue como prova

O sangue é um fluido coloidal que possui propriedades que os fazem reagir de forma previsível com forças externas. Além dos testes de laboratório, a análise do padrão de manchas de sangue em um local de crime envolve diversos processos físicos que são reprodutíveis e podem definir a natureza do evento que o originou.

Essa análise trata-se de uma metodologia rápida, eficaz e de baixo custo que é baseada em princípios científicos da mecânica dos fluidos, biologia, física, química e matemática. Na América Latina poucos peritos são qualificados para realizar tais análises. Muitos países sequer possuem peritos qualificados pela IABPA. Esses profissionais denominados como BPA (Bloodstain Pattern Analyst) extraem das manchas de sangue conclusões que, de forma sistemática, através do formato, tamanho e distribuição inferem como se deu a formação dessa mancha.

Para analisar as manchas de sangue são importantes alguns conhecimentos de fisiologia e anatomia para que se saiba, por exemplo, que um sangramento que seccione por completo uma artéria pode ser menos dramático do que um sangramento proveniente de um corte parcial. As manchas de sangue são ocasionadas por hemorragias que podem ser decorrentes de condições médicas ou não. De tal forma, o perito precisa saber analisar com precaução possíveis fatores de confusão que podem estar envolvidos.

As informações para a reconstrução de um local de crime que podem ser obtidas iniciam-se desde a origem das manchas, distância entre as áreas de impacto dos respingos de sangue, distância de origem no momento do derramamento do sangue, tipo e direção do impacto, qual objeto utilizado, e número de golpes. Assim como a posição, movimentação e direção da vítima, do agressor ou de objetos, avaliação da veracidade dos depoimentos de suspeitos ou testemunhas. E ainda, critérios adicionais para a estimativa do intervalo post mortem. Outros autores também consideram o ângulo de impacto, a zona de origem para padrões de impacto, a direção da qual foi aplicada uma força e a sequência de múltiplos eventos relacionados ao incidente.

Alguns termos são utilizados para descrever o trajeto percorrido pelo sangue: ângulo de impacto, ponto de convergência, área de origem, local de impacto, direção, coagulação. Os tipos de padrões de manchas de sangue também possuem nomenclaturas específicas. Dentre elas, o padrão de transferência, cast-off (arremesso), padrão de ricochete, vazio ou sombra, esfregaço, jorro ou jato, salpico de moscas, sangue dentro do sangue, nebulização ou sangue atomizado, respingos, gotejamento ou trilha de gotejamento, fluxo, mancha raiz, mancha primária, mancha de saturação, espinhos, swipe, wipe, sangue expirado e backspatter.

Mais da autora: Medicina Legal e Perícias Médicas: uma nova especialidade?

A força externa com que uma mancha de sangue é projetada pode ser dividida em categorias: como velocidade de impacto baixa, média ou alta. Os impactos de baixa velocidade são representados por gotas de sangue em queda livre. Essas, comumente afetadas pela gravidade e em forma de gotejamento, gotas que caem com movimento horizontal, espirro ou projeção de sangue, fluxo de sangue em superfícies horizontais ou verticais, padrões de transferência de sangue e sangue arremessado. Os impactos de média velocidade são decorrentes de traumatismo craniano, cortes, esfaqueamentos, dentre outros. E os impactos gerados por alta velocidade tem como exemplo, as perfurações por armas de fogo, explosões e traumas por máquinas de alta velocidade.

Muitos pesquisadores utilizam tecnologias avançadas para avaliar a trajetória de gotas de sangue. O estudo de Geoghegan, et al., publicado em 2016 no International Journal Legal Medicine, utilizou um modelo de cavidade nasal em silicone e tentou estudar aspectos relacionados a gotículas de sangue expiradas. Nesse experimento, puderam ser determinadas a velocidade de saída com que o fluxo de sangue expirado atingiu um obstáculo. Observou-se que as forças gravitacionais foram as maiores impulsionadoras na velocidade com que as gotas atingiram o anteparo, além de outras conclusões relacionadas a dinâmica do evento.

Outro aspecto a ser considerado é a coagulação do sangue. Quando o fluido sangue entra em contato com substâncias hipotônicas ocorre o rompimento das hemácias devido a diferença de concentrações. Podemos inferir o que acontece no encontro de um cadáver em uma banheira cheia de água e sangue proveniente de ferimentos externos: Seria possível diferenciar se essa banheira foi enchida antes ou depois de ocorrer o óbito? A resposta é sim!

A hemólise do sangue se dá de forma diferente com o sangue coagulado e com o sangue líquido. O sangue líquido misturado com água origina uma mistura vermelha e translúcida, sem partículas. Dessa forma, pode-se afirmar que houve hemólise completa dos componentes sanguíneos. Quando o sangue não forma essa substância translúcida com a água o motivo é a coagulação que já estava em curso, (ou seja a banheira foi enchida após o óbito). Tal fenômeno pode ser visualizado facilmente com uma pequena quantidade da mistura água e sangue em um tubo de ensaio.

Ademais, o processo de coagulação do sangue é complexo e pode se manter por até 6 horas após o óbito. Sendo assim, o perito precisa estar atento a informações sobre os antecedentes mórbidos da vítima e condições físicas do ambiente, devendo inclusive reproduzir a cena nos padrões mais próximos possíveis para avaliar com rigor científico os parâmetros.

A análise dos padrões de manchas de sangue pode revelar muito sobre a dinâmica de fatos. A atenção aos fatores que ocasionam confusão confere maior refinamento a apreciação dos eventos. Atualmente, diante do desenvolvimento dessa ciência, existe a necessidade da unificação de termos e criação de consensos. No Brasil, mesmo com elevados índices de homicídios, a análise de perfis de manchas de sangue ainda é pouco explorada e até mesmo desconhecida de profissionais ditos como renomados. É indiscutível a respeitável aplicação desse conhecimento ao explicar a dinâmica do evento e auxiliar a elucidar a causa jurídica da morte (homicídio, suicídio ou morte acidental).

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Referências bibliográficas:

  • BEVEL, T, et al. Bloodstain pattern analysis with an introduction to crime scene reconstruction. 3 ed. Boca Raton: CRC Press, 2008, 440 p.
  • FLIGHT C., et al. Determination of the maximum distance blood spatter travels from a vertical impact. Forensic Sciene International. 293, 2018, p. 27-36.
  • GEOGHEGAN P.H, et al. Experimental and computacional investigation of the trajectories of blood drops ejected from the nose. International Journal Legal Medicine, 130, 2016, p.563-568.
  • International Association of Bloodstain Pattern Analysts. IABPA. United States of America. Disponível em: https://www.iabpa.org/training-in-us-list. Acesso em: 25 de setembro de 2019.
  • NETO, A.C. Perfis de Manchas de Sangue “Do Local de Crime à Elaboração do Laudo’’. São Paulo. 1 ed. Lura Editorial 2017, 360 p.
  • VAN DEN BERGE, M, et al. Determining how diluted bloodstains were derived: Inferrung distintictive characteristics and formulating a guideline. Forensic Science International 302, 2019.
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