A avaliação do pH e dos gases sanguíneos, notadamente em pacientes hospitalizados na vigência de algum tipo de distúrbio respiratório e/ou metabólico, é imprescindível para um adequado e assertivo diagnóstico, tratamento e seguimento clínico.
Para que os resultados da gasometria – assim como em qualquer outro exame laboratorial – sejam fidedignos e representativos clinicamente, é fundamental que a etapa pré-analítica (fase que engloba todos os procedimentos anteriores à execução do exame propriamente dita) seja satisfatória.
Erros pré-analíticos mais comuns na análise gasométrica
A seguir, iremos destacar alguns dos principais erros, seus possíveis impactos no resultado e como evitá-los:
Diluição:
O uso de seringas “secas”, em que é necessária a aspiração manual de heparina líquida, aumenta o risco de diluição da amostra. Essa diluição pode alterar o pH e reduzir falsamente os níveis de hemoglobina, metabólitos, eletrólitos e do cálcio iônico (a heparina liga-se quimicamente ao cálcio). A melhor forma de evitar a diluição das amostras é o uso de seringas próprias para gasometria, previamente preparadas com heparina de lítio seca jateada na sua parede interna (50 UI/mL de sangue), balanceada com cálcio (essas seringas específicas também evitam a formação de microcoágulos, além da falsa redução do cálcio iônico).
Já nas coletas de gasometria através de um cateter, é recomendado que, previamente à coleta do sangue, se retire e despreze cerca de 3-6 vezes o volume do cateter, a fim de evitar a diluição da amostra com a solução de infusão.
Bolhas de ar:
Logo após a coleta do sangue, o profissional deve retirar as eventuais bolhas de ar presentes na seringa, já que a interferência do contato do sangue com o ar é tempo-dependente. Deve-se então, prontamente, esgotar o ar residual e vedar a ponta da seringa com um dispositivo oclusor apropriado. A PO2 (pressão parcial de oxigênio) é o parâmetro mais afetado nessa situação: via de regra, os níveis de PO2 elevam-se falsamente (a PO2 no ar atmosférico é cerca de 150 mmHg). Todavia, se a PO2 da amostra for superior a PO2 atmosférica, ocorrerá uma falsa redução. Um pequeno aumento do pH e uma diminuição da pCO2 (pressão parcial de dióxido de carbono) também podem ser observados.
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Tempo entre a coleta e análise:
Mesmo após a coleta, as células sanguíneas permanecem com um certo grau de metabolismo in vitro no interior da seringa, além da possibilidade da difusão dos gases sanguíneos pela parede de plástico da seringa. Esses fatores tempo-dependentes podem levar à alterações dos valores do pH, metabólitos, potássio e gases sanguíneos. Idealmente, a amostra deve ser processada de imediato após a coleta, ou em até 30 minutos se mantida em ar ambiente (alguns estudos indicam a estabilidade por até 60 minutos). Após esse período, se faz necessário o resfriamento (0-4 oC) da amostra a fim de reduzir o metabolismo celular.
Transporte/conservação:
Após a coleta, a seringa deve ser transportada sem a agulha (que deve ser apropriadamente descartada), ter o ar residual retirado, e ser acoplado o dispositivo oclusor. O sangue deve ser devidamente homogeneizado, invertendo a seringa delicadamente, rolando-a entre mãos. Se a amostra não for processada imediatamente pelo aparelho, a seringa deve ser mantida na posição horizontal (mitigando o efeito da sedimentação) em ar ambiente. Passados 30 minutos da coleta (alguns autores sugerem 60 minutos), o sangue deve ser resfriado (0-4 oC) em gelo moído ou reciclável (“gelox”), evitando-se colocar a amostra diretamente em contato com o gelo devido à possibilidade de hemólise do sangue.
Sedimentação:
Anteriormente à análise pelo equipamento, deve-se homogeneizar adequadamente o sangue, invertendo-o delicada e repetidamente, além de “rolar” a seringa entre as palmas das mãos, evitando-se assim a análise de uma fração sedimentada da amostra. Antes de se acoplar o material no equipamento, as primeiras gotas de sangue da extremidade da seringa devem ser descartadas. O efeito da sedimentação pode ser observado em todos os parâmetros, notadamente nas concentrações de hemoglobina.
Mensagem final
Ao se garantir uma adequada fase pré-analítica da gasometria, seguindo as boas práticas laboratoriais, determinadas não conformidades que possam interferir na sua análise são evitadas. Desse modo, possibilita-se que o seu resultado seja representativo e que as condutas clínicas a serem tomadas após sua interpretação sejam corretas e assertivas.
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