Trombose venosa cerebral: tudo o que você precisa saber e sua relação com a Covid-19
Trombose Venosa Cerebral abrange tanto a de seio venoso quanto a trombose de veias corticais, com apresentações e prognósticos diferentes.
Recentemente observamos um aumento do número de casos de trombose venosa cerebral (TVC). Esse evento, até então raro, se tornou destaque entre o meio médico e na população em geral, em função de sua associação com algumas vacinas para Covid-19.
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Entendendo a doença
A denominação trombose venosa cerebral abrange tanto a trombose de seio venoso dural intracraniano, como a trombose de veias corticais, que apesar de parecerem semelhantes, possuem apresentações e prognósticos diferentes.
As veias corticais em sua maioria se anastomosam para formarem complexos venosos que irão drenar para os seios venosos. Já os seios venosos são grandes dobras da dura-máter, responsáveis por drenar todo o sangue venoso cerebral até as veias jugulares internas. Anatomicamente, pode-se perceber então, que apesar de ainda mais raro (apenas 116 pacientes descritos na literatura mundial), a trombose de veias corticais apresenta apenas sintomatologia focal relacionada a área isquêmica envolvida. Enquanto isso, a trombose de seio venoso apresenta sintomatologia clínica mais exuberante, e frequentemente está associada a sinais de hipertensão intracraniana.
Características clínicas
A trombose de seio dural se apresenta em 70-90% dos casos como cefaleia, com alguns dias de evolução, e exame neurológico normal. Pode apresentar outros comemorativos como característica migranosa ou cefaleia em trovoada, porém são apresentações mais raras. Podem surgir sinais neurológicos focais referentes à localização da trombose, por exemplo, hemiparesia quando envolve a região frontoparietal (veia de Trolard), e afasia quando ocorre na topografia temporal (veia de Labbé).
O paciente pode evoluir com crises convulsivas (geralmente focais), no caso de infarto venoso, podendo inclusive evoluir para status epilepticus. Em um estudo, foi observada incidência de crise convulsiva em 34% dos 1.281 pacientes avaliados, dentro da primeira semana após o diagnóstico de TVC.
Etiologias
Comumente a TVC está associada a estados de hipercoagulabilidade, como adenocarcinoma, policitemia vera, trombocitemia, leucemia, anemia falciforme, gravidez ou período pós-parto, uso de anticoncepcional oral composto, síndrome do anticorpo antifosfolipídeo, fator V de Leiden, deficiência de proteína S e C, e mutação de protrombina.
Existem três doenças raras que podem evoluir com TVC, porém com apresentação extremamente mais grave: trombocitopenia induzida por heparina (HIT); trombocitopenia induzida por heparina autoimune (aHIT); e trombocitopenia trombótica imune induzida pela vacina (VITT). A aHIT é semelhante a HIT, porém não é desencadeada por exposição à heparina, ocorrendo aparecimento de anticorpo anti fator plaquetário 4 de forma espontânea.
Essas três entidades estão associadas a trombose, baixa contagem de plaquetas, e coagulação intravascular disseminada. São mediadas por anticorpos contra o fator plaquetário 4 (PF4), que induzem a ativação plaquetária. A TVC relacionada a HIT, aHIT, e VITT possui mortalidade de 50%, em comparação a mortalidade de 8% da TVC associada a outras condições.
A associação de trombose venosa cerebral com as duas vacinas de vetor adenoviral contra Covid-19 é rara. Existem relatos de 1 caso por 100.000 vacinados com vacina AstraZeneca, e 1 por 1.000.000 vacinados com a vacina da Johnson & Johnson (Janssen). Além disso, mesmo em pessoas não vacinadas, a trombose venosa cerebral também foi relatada, com incidência de menos de 1%, nos pacientes com Covid-19 grave.
Diagnóstico
A suspeita desse diagnóstico deve ser levantada com base em achados clínicos, porém a confirmação é feita com angiotomografia ou angiorressonância magnética de crânio. A visualização da falha de enchimento na topografia de um seio venoso ou veia cortical sela o diagnóstico de TVC. Esse achado é chamado de “sinal do delta vazio” se ocorre na confluência dos seios intracranianos.
A TVC pode se manifestar como acidente vascular encefálico hemorrágico em territórios atípicos, que não respeitam a vascularização arterial do polígono de Willis, representando transformações hemorrágicas, ou de forma mais rara, apenas como hemorragia subaracnóidea.
Se houver suspeita clínica de HIT, aHIT ou VITT, deve ser solicitada a dosagem de anticorpos anti-PF4, pois estes diagnósticos implicam em mudança drástica no tratamento.
Saiba mais: Trombocitopenia induzida por heparina: como diagnosticar e tratar?
Tratamento
O tratamento se baseia na anticoagulação dos pacientes, com duração da terapia determinada pelo diagnóstico subjacente, mesmo nos casos com transformação hemorrágica. Atualmente são usadas como terapia heparina não fracionada (HNF), heparina de baixo peso molecular (HBPM ou enoxaparina), fondaparinux, varfarina, ou anticoagulantes orais de ação direta (DOAC).
Ensaios clínicos comparando estas terapias entre si, não demonstraram diferenças em desfechos clínicos de forma significativa. As terapias parecem ser seguras e comparáveis entre si.
No entanto, nos casos de HIT, aHIT e VITT, a utilização de HNF ou enoxaparina está contraindicada, assim como a transfusão de plaquetas deve ser evitada. Isso porque a administração de heparina nesse contexto precipita a agregação plaquetária, induzida pelos anticorpos anti-PF4, com piora nos fenômenos trombóticos.
Assim, nessa situação, a anticoagulação deve ser feita com fondaparinux, varfarina ou DOAC. Nesses casos, também está indicada a administração de imunoglobulina para promover bloqueio destes anticorpos. Em casos refratários, pode ser tentada plasmaférese, com troca de plasma ao invés de albumina, na tentativa de controlar a doença. Não são recomendados anticonvulsivantes profiláticos.
Um estudo demonstrou desfechos favoráveis com utilização de trombectomia mecânica em casos de TVC, porém sem grupo controle para realizar qualquer comparação.
Alguns casos de TVC extensa, com sinais clínicos ou radiológicos de hipertensão intracraniana, evoluem com necessidade de craniectomia descompressiva enquanto outros podem ser manejados com medidas de primeira linha para hipertensão intracraniana (“tier 0” do Seattle International Severe Traumatic Brain Injury Consensus Conference 2) .
Os principais guidelines sobre o assunto são da European Stroke Organization, de 2017, e da American Heart Association/American Stroke Association, de 2011. Eles concordam entre si com a maior parte das condutas, conforme citado acima. A exceção é a administração de acetazolamida (que reduz a produção de líquido cefalorraquidiano), que é indicada pelo guideline americano, mas não pelo europeu.
Mensagens finais
A trombose venosa cerebral é uma causa importante de cefaleia com sinais de alarme. Ela também deve ser lembrada em todos pacientes que possuem fatores predisponentes ou que se apresentam no pronto socorro com rebaixamento de nível de consciência, crises convulsivas, ou déficit neurológico focal.
O diagnóstico de TVC associada a HIT, aHIT, ou VITT, deve ser pensado na presença de plaquetopenia ou anemia hemolítica microangiopática. Seu tratamento e prognóstico são absolutamente diferentes dos casos de TVC habituais.
Referências bibliográficas:
- Ropper A, Klein JP. Cerebral Venous Thrombosis. N Engl J Med 2021; 385:59-64. July 1, 2021. doi: 10.1056/NEJMra2106545
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