Estatísticas recentes apontam mais de 200 milhões de casos de Covid-19 no mundo, com a taxa de óbitos ultrapassando a marca de 4 milhões. Grande parte das informações sobre a infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) está sendo gerada em tempo real, sendo preciso ter cuidado nas suas interpretações e ter ciência de que novos dados podem ser divulgados.
Até o momento, não há tratamento comprovadamente eficaz, embora alguns estudos em andamento com drogas experimentais sejam promissores. Dessa forma, é importante a identificação de fatores de risco para a infecção (fatores clínicos e epidemiológicos), bem como de fatores de mau prognóstico em pacientes infectados, a fim de reduzir o número de casos e de possibilitar tratamento mais intensivo aos casos mais graves.
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Uma questão importante na Covid-19, que vem sendo o foco de estudo de diversos autores, é o papel da anticoagulação em pacientes graves. Dados de necropsias revelam trombose na microcirculação, levantando a hipótese de que a infecção pelo SARS-CoV-2 cause intensa resposta inflamatória (a chamada “tempestade de citocinas”), com estado de hipercoagulabilidade e isquemia de órgãos, o que, em conjunto com a hipoxemia, resulta em falência orgânica. Biomarcadores relacionados à inflamação sistêmica e à ativação da coagulação, como proteína C reativa e D-dímero, são fatores prognósticos utilizados na avaliação do risco de insuficiência respiratória aguda, trombose e óbito.
Anticoagulação profilática
Muitos pacientes hospitalizados, independente de terem suspeita ou confirmação de Covid-19, já estão sob maior risco de tromboembolismo venoso devido à imobilização (ex.: pacientes intubados, pacientes em CTI). O risco de evento tromboembólico deve ser avaliado em qualquer paciente admitido no hospital, e a profilaxia deve ser oferecida para todos os casos de alto risco.
No entanto, diante da ocorrência de eventos tromboembólicos em indivíduos com Covid-19 recebendo anticoagulação profilática, especulou-se se o uso de doses terapêuticas de anticoagulantes não resultaria em melhores desfechos.
Anticoagulação terapêutica
Alguns protocolos sugerem doses intermediárias ou terapêuticas de forma rotineira nos casos de Covid-19, visando maior prevenção de tromboses microvasculares. Entretanto, o uso de anticoagulantes, especialmente em pacientes em estado crítico, está associado a risco de complicações hemorrágicas.
No início de agosto/2021, novo estudo sobre o papel da anticoagulação em pacientes com Covid-19 grave foi publicado no New England Journal of Medicine. Trata-se de estudo randomizado, cujo objetivo foi determinar se a anticoagulação terapêutica com heparina (não fracionada ou de baixo peso molecular) reduz a morbimortalidade da infecção pelo novo coronavírus.
Os autores consideraram infecção grave aquela com necessidade de suporte em unidade de tratamento intensivo (ex.: oxigenioterapia por cânula nasal de alto fluxo, ventilação não invasiva, ventilação mecânica invasiva, drogas vasopressoras). Os pacientes foram randomizados de forma a receber anticoagulação terapêutica ou profilática. A anticoagulação terapêutica foi feita por até 14 dias ou até recuperação do indivíduo (definida como alta hospitalar ou ausência de necessidade de suporte de oxigênio por, pelo menos, 24 horas). O grupo da anticoagulação profilática também incluiu os pacientes que fizeram uso de doses intermediárias de heparina.
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Participaram do estudo 1.098 pacientes, de dez diferentes países: 534 no grupo da anticoagulação terapêutica e 564 no grupo da profilaxia (41% receberam dose profilática padrão e 51% receberam doses intermediárias de heparina). As características clínico-epidemiológicas dos participantes foram semelhantes entre os dois braços analisados: média de idade de 60 anos, predomínio de indivíduos do sexo masculino, com incidência similar de comorbidades (ex.: diabetes mellitus, doença cardiovascular, nefropatia, pneumopatia, hepatopatia), bem como resultados laboratoriais e complicações clínicas equivalentes.
Observou-se que o uso de doses terapêuticas de heparina não se associou a maior sobrevida ou a menor necessidade de suporte em unidade de tratamento intensivo. Tal resultado contraria a hipótese de que a anticoagulação terapêutica é benéfica nos casos de Covid-19 grave, a qual foi levantada inicialmente a partir de estudos observacionais. A frequência de eventos hemorrágicos foi semelhante nos dois grupos.
Acredita-se que o impacto da anticoagulação na Covid-19 dependa do momento no qual a terapia é iniciada (período de maior inflamação e ativação da coagulação). Dessa forma, começar a anticoagulação terapêutica quando já ocorreu a intensa reação inflamatória e a isquemia de alguns órgãos pode não alterar o desfecho do paciente.
Referências bibliográficas:
- REMAP-CAP, ACTIV-4a, and ATTACC Investigators. Therapeutic Anticoagulation with Heparin in Critically Ill Patients with Covid-19. New England Journal of Medicine. 2021. doi: 10.1056/NEJMoa2103417
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