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Cirurgia17 março 2020

E quando um paciente com coronavírus necessita de cirurgia?

Diante da pandemia atual da Covid-19, doença pelo novo coronavírus, surge o eventual questionamento: e se um paciente contaminado necessitar de cirurgia?

Diante da pandemia atual da Covid-19, doença pelo novo coronavírus, com todas as preocupações referentes aos cuidados para a contenção da propagação do vírus, surge o eventual questionamento: e se um paciente contaminado necessitar de cirurgia?

Muito do que temos na literatura até o momento ainda é relacionado a experiência dos países que primeiro sofreram com a infecção pelo vírus, assim como correlações com pandemias prévias por vírus respiratórios como SARS ou MERS datados do início do século XXI, tornando as evidências ainda escassas nesse sentido.

médico cirurgião realizando cirurgia em paciente com coronavírus

Coronavírus e cirurgia

Recentes publicações descrevem diferentes apontamentos no manejo destes pacientes, incluindo desde o fluxo e cuidados no transporte até o centro cirúrgico até o manejo das vias aéreas. Dentre estas podemos citar a experiência do Dr Lian Kah Ti e colegas de Singapura, local este que após a China enfrentou um dos maiores números de infectados desde janeiro de 2020.

O mesmo relata uma série de aspectos necessários para o preparo adequado para a recepção do paciente cirúrgico infectado ou mesmo com suspeição do quadro no centro cirúrgico, a citar:

  1. O transporte deve ser feito de forma livre, sem interrupções, garantindo fluxo privilegiado incluindo elevadores. Todos os profissionais envolvidos devem estar adequadamente paramentados incluindo o uso de máscara N95, óculos de proteção, gorro resistente à líquidos, luvas, aventais e propés. Se possível incluir o uso de respirador motorizado e purificador de ar – powered air-purifying respirator (PAPR);
  2. A sala utilizada para o procedimento deve contar com filtro com pressão negativa, de preferência específica para este grupo de pacientes, distante das demais salas cirúrgicas e com fluxo de circulação independente dos demais pacientes;
  3. Disposição de uma antessala e salas de indução anestésica com pressão atmosférica negativa;
  4. Salas de preparo e lavagem de mãos com pressão positiva;
  5. Uso de sala cirúrgica e carrinho de anestesia de uso específico para pacientes infectados pelo vírus durante toda a duração da epidemia;
  6. Uso de filtro de troca de calor e umidade colocado no ramo expiratório do ventilador. Tanto os filtros quanto a cal sodada devem ser trocados para cada paciente;
  7. O carro de medicamentos anestésicos deve ser mantido em sala separada (idealmente sala de indução anestésica) com a disponibilização de todos os medicamentos necessários para o procedimento em bandeja separada para não haver a necessidade de manuseio adicional. Havendo necessidade de medicamento que não esteja disponível na bandeja, realizar nova higienização das mãos e troca de luvas antes de manusear o carrinho com medicamentos;
  8. Também se deve ter preparado um carro de vias aéreas em sala separada. Idealmente os materiais para as vias aéreas devem ser descartáveis;
  9. Monitores de BIS (índice biespectral), entre outros e/ou bombas de infusão devem ser adequadamente desinfectados após o término do procedimento;
  10. Na troca de ventilador mecânico do paciente da UTI para o do centro cirúrgico, deve-se desligar o fluxo de gases e clampear o tubo orotraqueal com pinça;
  11. Uso pelo anestesista de PAPR durante a indução por todos da equipe que estiverem até 2 metros do paciente. Tal equipamento deve ser idealmente utilizado durante todo o procedimento de traqueostomia;
  12. Durante o procedimento, um circulante específico deve estar disponível para caso qualquer material adicional seja necessário e que esteja no carrinho da antessala. Este funcionário também deve estar adequadamente paramentado ao entrar na antessala;
  13. Funcionários que deixarem a sala, devem retirar seus gorros e luvas na antessala e realizar higienização das mãos;
  14. Nos pacientes que necessitarem retornar à UTI os cuidados de transporte são os mesmos já citados. Naqueles que não, realizar a recuperação anestésica na própria sala operatória;
  15. Observar o período mínimo de uma hora entre cada caso;
  16. Todos os itens e medicamentos não utilizados devem ser considerados contaminados e descartados;
  17. Toda equipe deve se banhar antes de encerrar suas atividades;
  18. Como precaução adicional, adicionar na descontaminação do centro cirúrgico peróxido de hidrogênio vaporizado.

Leia mais:

Recomendações na anestesia

Por outro lado Peng e colegas, da Universidade de Toronto, trazem recomendações específicas a equipe de anestesia, ressaltando que o ponto essencial o qual, em parte foi negligenciado em surtos prévios, é a adequada adesão aos equipamentos de proteção individual (EPI) por parte dos profissionais de saúde, em especial com relação aos procedimentos que gerem dispersão de aerossol entre os quais intubação orotraqueal, ventilação não invasiva, traqueostomia, broncoscopia, ventilação manual e mesmo reanimação cardiopulmonar. Destacando ainda a necessidade de frequente higienização das mãos antes e após o uso dos EPI, além de evitar o contato com a face ou cabelos antes de limpar as mãos.

Alguns apontamentos em especial deste editorial se referem às medidas para limitação de geração de aerossóis durante a instrumentação das vias aéreas, incluindo:

  1. Manejo das vias aéreas por pessoa mais experiente, limitando o número de tentativas;
  2. Uso de um filtro hidrofóbico de grande eficiência interposto entre a máscara facial e o circuito ventilatório ou entre a máscara facial e bolsa de ventilação;
  3. Pré-oxigenação com oxigênio à 100% e uso de sequência rápida de intubação, para evitar a ventilação manual.
  4. Se esta for necessária, considerar usar pequenos volumes corrente;
  5. Evitar intubação orotraqueal guiada por fibra óptica com paciente acordado, exceto em casos específicos, pelo risco da indução de tosse e anestesia local com atomizador aerolisarem o vírus, preferindo se disponível, videolaringoscopia;
  6. Preferir intubação orotraqueal a máscara laríngea e evitar ventilação não invasiva, optando por via aérea definitiva precoce no paciente com deterioração respiratória;
  7. Na reanimação cardiopulmonar, as compressões devem ser mantidas durante a intubação para evitar expor a face do profissional a aerossóis e, se possível, realizar bloqueador neuromuscular antes da intubação.

Conclusões

Ainda haverão muitos aprendizados com a progressão da pandemia e devemos estar atentos aos cuidados em especial na contenção da transmissão e cuidados com a nossa própria saúde, para poder ofertar um melhor atendimento aos nossos pacientes.

Decerto que diversas adaptações deverão ser implementadas no contexto de nosso país que não dispõe no contexto de saúde pública de alguns dos recursos como aqueles citados pelo Dr Lian, todavia, mais relevante é o cuidado com a adequada adesão aos equipamentos de proteção individual e higienização. Até o momento não há recomendações específicas neste quesito pelas sociedades ou conselhos médicos brasileiros.

Referências bibliográficas:

  • Lian Kah Ti, Lin Stella Ang, Theng Wai Foong, Bryan Su Wei Ng. What we do when a COVID-19 patient needs an operation: operating room preparation and guidance. J Can Anesth. 2020
  • Peng PW, Ho PL, Hota SS. Outbreak of a new coronavirus: what anaesthetists should know. Br J Anesth. 2020.
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