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Infectologia19 dezembro 2025

Uso de PrEP aumenta a chance de outras ISTs? 

Estudo avaliou o impacto do uso de profilaxia pré-exposição (PrEP) sobre a incidência de gonorreia e clamídia entre jovens
Por Raissa Moraes

A profilaxia pré-exposição ao vírus da imunodeficiência humana (PrEP) demonstra elevada eficácia na redução da aquisição do HIV em diversas populações, incluindo homens que fazem sexo com homens (HSH). Contudo, seu uso tem sido associado ao aumento de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) bacterianas, como gonorreia e clamídia (NG/CT), suscitando preocupações quanto a possíveis implicações para a dinâmica da epidemia de ISTs e para as diretrizes de rastreamento durante o uso de PrEP. 

O impacto desproporcional do HIV entre HSH jovens negros e hispânicos ressalta a importância da ampliação da PrEP nessas comunidades como um componente fundamental das estratégias para a eliminação da epidemia de HIV. Apesar dessa necessidade, há uma lacuna significativa na literatura que examine especificamente o efeito da PrEP sobre a incidência de ISTs nesses grupos, possivelmente decorrente da escassez de dados longitudinais. 

A investigação da relação entre PrEP e ISTs envolve diversos desafios metodológicos. A intensificação do rastreamento de ISTs entre usuários de PrEP pode elevar as taxas de detecção, introduzindo vieses que superestimem a incidência real. Além disso, o tratamento mais rápido de ISTs nesses indivíduos pode reduzir a duração da infecciosidade, mas também aumentar o tempo sob risco de novas infecções. Outro desafio consiste em distinguir efeitos causais da PrEP de associações não causais. Por exemplo, indivíduos com maior número de parceiros em relações sexuais sem preservativo podem ser mais propensos a iniciar PrEP, confundindo análises de risco para ISTs; por outro lado, mudanças comportamentais motivadas pela PrEP — como compensação de risco, incluindo aumento de práticas sexuais anais sem preservativo —podem contribuir diretamente para maior aquisição de ISTs. 

Leia também: OMS alerta para aumento de gonorreia resistente a medicamentos no mundo 

Embora a quantificação precisa da incidência de ISTs associadas ao uso de PrEP seja relevante, ela fornece apenas uma perspectiva parcial sobre seus impactos mais amplos na dinâmica populacional de ISTs. A integração da PrEP ao rastreamento rotineiro e ao tratamento oportuno de ISTs pode reduzir significativamente a duração da infecciosidade, permitindo identificar e tratar infecções que, de outra forma, permaneceriam ocultas. Essa redução no período infeccioso pode diminuir a transmissão dentro das redes sexuais, levando à queda da incidência populacional de ISTs. 

Estudo 

Dessa forma, um estudo recente teve como objetivo avaliar o impacto do uso de PrEP sobre a incidência de gonorreia e clamídia entre HSH jovens negros e hispânicos. Além disso, dada sua influência na relação entre PrEP e ISTs, investigou-se também o efeito da PrEP sobre o uso de preservativos e sobre a testagem para ISTs realizada fora do contexto do estudo. Utilizando uma coorte longitudinal com testagem rotineira de NG/CT a cada seis meses, o estudo buscou mitigar alguns dos desafios metodológicos mencionados. 

Metodologia 

Em uma coorte longitudinal de HSH jovens negros e hispânicos HIV-negativos (idades entre 16 e 24 anos), modelou-se o efeito do uso de PrEP sobre a testagem para ISTs fora do estudo e sobre o número de parceiros sexuais sem preservativo nos seis meses subsequentes, utilizando modelos lineares generalizados com efeitos mistos. O efeito do uso de PrEP sobre a incidência de NG/CT foi avaliado por meio de regressão de riscos proporcionais com atualização temporal da exposição. 

Dos 576 participantes inicialmente inscritos no estudo, 397 preencheram os critérios de inclusão, com 292 contribuindo com seguimento sem casos incidentes, 90 contribuindo com um caso incidente e 15 com mais de um caso incidente. A mediana de seguimento foi de 2,32 anos. Na avaliação basal, os participantes incluídos eram 64% hispânicos, 19% negros e 18% multirraciais ou de outras origens, com média de idade de 22,95 anos (DP = 2,18), sendo 8 indivíduos (2%) menores de 18 anos. Sessenta e sete participantes utilizavam PrEP na linha de base e 330 não utilizavam, embora a adesão à PrEP tenha aumentado progressivamente ao longo do tempo. Em relação ao conhecimento sobre PrEP, mais de 90% dos participantes relataram familiaridade com a profilaxia durante todo o estudo. 

Os participantes em PrEP na linha de base eram mais velhos (P = 0,004), apresentavam maior escolaridade (P = 0,002), maior número de parceiros em práticas sexuais sem preservativo nos seis meses anteriores (P < 0,001) e maior probabilidade de terem sido testados para IST no mesmo período (P = 0,003), em comparação com aqueles que não utilizavam PrEP. Não houve diferenças significativas quanto à raça, identidade de gênero, situação financeira, cobertura de saúde ou histórico prévio de NG/CT.  

Resultados 

Dezessete participantes soroconverteram para HIV durante o seguimento, passando a ser considerados perdidos para acompanhamento. Entre eles, dez relataram nunca ter utilizado PrEP. Os demais sete não estavam em uso de PrEP no momento ou imediatamente antes da soroconversão; destes, cinco relataram uso mínimo ou intermitente, e dois relataram uso consistente por determinado período, mas ausência de uso imediatamente antes da soroconversão. 

Durante períodos em PrEP, comparados a períodos sem PrEP, os participantes relataram, em média, 2,51 parceiros adicionais em práticas sexuais sem preservativo (IC 95%: 1,51–3,51; P < 0,001) e apresentaram 2,28 vezes mais probabilidade de relatar testagem para IST fora do estudo nos seis meses subsequentes (IC 95%: 1,48–3,52; P < 0,001). A incidência de NG/CT não aumentou durante o uso de PrEP (IC 95%: 0,45–1,27; P = 0,286). 

Observou-se aumento de práticas sexuais sem preservativo durante o uso de PrEP; entretanto, o potencial aumento na aquisição de ISTs ou na duração de infecções pode ser mitigado pela testagem rotineira associada ao uso da profilaxia. Assim, a expansão da PrEP entre HSH jovens negros e hispânicos provavelmente não agravará a epidemia de ISTs. 

Saiba mais: Causas de falso-positivo em testes de HIV

Uso de PrEP aumenta a chance de outras ISTs? 

Mensagem prática: PrEP  e outras ISTs

Este estudo apresentou algumas limitações. Primeiro, o uso de profilaxia pré-exposição, o número de parceiros em práticas sexuais sem preservativo, a testagem para IST fora do estudo e outras informações foram autorrelatados, podendo estar sujeitos a vieses, como memória imprecisa, desejabilidade social ou interpretação inadequada das perguntas. Segundo, todos os participantes eram da região de Los Angeles, o que limita a generalização para HSH jovens negros e hispânicos de outras regiões. Terceiro, o questionário não coletou dados sobre o uso de profilaxia pós-exposição com doxiciclina (doxy-PEP), que pode reduzir aquisições de NG/CT em períodos mais recentes.

Autoria

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Raissa Moraes

Editora médica de Infectologia da Afya ⦁ Médica do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Mestrado em Pesquisa Clínica pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Infectologista pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense

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Referências bibliográficas

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