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Infectologia1 novembro 2024

Segurança de transplante de rim entre doadores e receptores HIV positivos 

Estudo avaliou a segurança e não-inferioridade de transplante de rim de doadores com infecção pelo HIV para receptores com infecção pelo HIV. 

Para indivíduos com doença renal terminal, o transplante de rim é uma terapia associada à redução de mortalidade. Entretanto, a baixa disponibilidade de doadores limita seu acesso e indivíduos com infecção pelo HIV podem ser especialmente afetados. Considerando esses fatos, novas estratégias vêm sendo estudadas de forma a aumentar a oferta de órgãos. O transplante renal de doadores com infecção pelo HIV para receptores também infectados pelo vírus já foi avaliado, no contexto de ensaios clínicos, com resultados favoráveis. Contudo, algumas lacunas em relação ao assunto, como não-inferioridade em comparação com órgãos de doadores sem infecção pelo HIV e os riscos potenciais de superinfecção pelo HIV, ocorrência de infecções oportunistas e incidência de rejeição ou disfunção do enxerto, ainda permanecem. 

Um estudo publicado na The New England Journal of Medicine procurou avaliar a segurança e não-inferioridade de transplantes de rim de doadores com infecção pelo HIV, em comparação com doadores sem infecção pelo HIV, para receptores com infecção pelo HIV. 

Materiais e métodos 

Trata-se de um estudo observacional, multicêntrico, de não-inferioridade comparando o transplante renal de doadores falecidos com HIV para receptores com HIV com os realizados a partir de doadores sem infecção pelo HIV para receptores com HIV em 26 centros de transplante nos Estados Unidos. 

Os pacientes eram considerados elegíveis se fossem adultos (≥ 18 anos), atendiam os critérios locais para transplante renal e concordaram em receber o rim de um indivíduo infectado pelo HIV. Outros critérios de inclusão foram contagem de linfócitos T-CD4 ≥ 200 células/mm³, estar em uso de terapia antirretroviral, e possuir carga viral de HIV < 50 cópias/mL. Critérios de exclusão foram a presença de infecções oportunistas, história de leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP) e linfoma de sistema nervoso central. 

Os participantes podiam receber um rim de um doador com ou sem infecção pelo HIV, sem randomização, de acordo com a disponibilidade. Os investigadores permaneceram cegos para os desfechos segundo o grupo do doador até o fim do estudo. Os doadores com HIV não podiam ter infecção oportunista ativa ou câncer. Embora não houvesse restrição em relação à carga viral, os investigadores deveriam ser capazes de antecipar e prescrever a terapia antirretroviral que os receptores receberiam após o procedimento. 

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Os participantes incluídos foram acompanhados por meio de avaliações clínicas antes do transplante, no momento da cirurgia, nas semanas 1, 2, 3, 4, 13 e 26 após o transplante e depois a cada 6 meses por um período de 1 a 4 anos. Em cada visita, dados referentes a medicações, hospitalizações, infecções e valores laboratoriais foram coletados. Biópsias no enxerto foram realizadas nas semanas 26 e 52 após o transplante e quando indicado. De forma semelhante, testagem para anticorpos direcionados ao doador foi realizada antes do transplante, na semana 52 e quando clinicamente indicado. 

O desfecho primário foi a ocorrência de evento de segurança, composto da combinação de morte por qualquer causa, perda de enxerto (terapia de substituição renal por pelo menos 90 dias, nefrectomia do enxerto ou retransplante), evento adverso grave, breakthrough infection pelo HIV (pelo menos duas cargas virais HIV > 200 cópias/mL ou uma carga viral > 1.000 cópias/mL), falha terapêutica à terapia antirretroviral (carga viral > 1.000 cópias/mL por mais de 90 dias) ou infecções oportunistas. 

Desfechos secundários avaliados incluíram sobrevivência global, sobrevivência sem perda de enxerto, eventos adversos graves, rejeição do enxerto, função do enxerto, breakthrough infection pelo HIV, falha terapêutica à terapia antirretroviral, contagem de linfócitos T-CD4, infecção, complicações vasculares ou cirúrgicas, câncer e detecção de novo anticorpos direcionados ao doador na semana 52. 

A ocorrência de superinfecção pelo HIV foi definida como a aquisição de uma cepa nova, geneticamente diferente do vírus HIV, e foi avaliada em todos os participantes que receberam um órgão de um doador infectado pelo HIV, a partir de sequenciamento genético e análise filogenética. 

Segurança de transplante de rim entre doadores e receptores HIV positivos 

Imagem de freepik

Resultados 

Entre 2018 e 2021, 408 indivíduos foram considerados elegíveis para o estudo, dos quais 209 foram submetidos a transplante. Desses, 198 foram incluídos na análise, sendo 99 no grupo de doador com HIV e 99 no grupo de doador sem HIV. 

As características de receptores e doadores foram semelhantes em ambos os grupos, exceto que o grupo de doadores infectados pelo HIV tinha maior proporção de negros e tinham maiores frequências de soropositividade para hepatite B e CMV do que os doadores sem o vírus. 

A mediana de seguimento foi de 2,2 anos no grupo de doadores com HIV e de 2,3 anos no grupo de doadores sem HIV. Para o desfecho primário, a HR no grupo de doadores com HIV em comparação ao sem HIV foi igual a 1,00 (IC 95% = 0,73 – 1,38), o que foi considerado como não-inferior. 

A taxa de incidência ajustada de infecções oportunistas no grupo de doadores com HIV comparados com o grupo sem HIV foi de 1,28 (IC 95% = 0,51 – 3,18). A sobrevivência global foi de 94% no grupo que recebeu órgãos de doadores com HIV e de 95% no grupo cujo doador não tinha infecção pelo vírus em 1 ano e de 85% e 87%, respectivamente, em 3 anos. A sobrevivência sem perda de enxerto foi de 93% e 90% no primeiro ano e de 84% e 81% em 3 anos, respectivamente. 

A incidência de rejeição do enxerto foi de 13% no grupo de doadores com HIV e de 21% no grupo de doadores sem HIV em 1 ano e de 21% e 24% em 3 anos, respectivamente. A razão das taxas de incidência de rejeição no grupo de doadores com HIV foi de 0,63 (IC 95% = 0,37 – 1,10). 

A incidência de eventos adversos graves, infecções, infecções que levaram à hospitalização, infecções oportunistas, complicações vasculares ou cirúrgicas e câncer não diferiram entre os grupos. Foram relatadas 19 infecções oportunistas no estudo: 11 no grupo de doadores com HIV e 8 no grupo de doadores sem HIV. Ocorreram 17 breakthrough infection pelo HIV, sendo 13 no grupo de doadores com HIV e 4 no grupo de doadores sem HIV (razão das taxas de incidência = 3,14; IC 95% = 1,02 – 9,63). A causa mais comum para esse evento foi não adesão ao tratamento antirretroviral (11/17). Em todos os casos, a carga viral caiu para valores < 200 cópias/mL em uma mediana de 26 dias após o evento. 

Entre os participantes do grupo com doador com infecção pelo HIV, 71 tiveram análise de sequenciamento genético viral antes e em, pelo menos, um momento após o transplante. Desses, foi possível realizar análise filogenética longitudinal em 58. Em 1 participante, houve identificação de uma população viral geneticamente diferente após a realização do transplante, mas, como não foi possível realizar a análise do vírus do doador, esse caso foi classificado como potencial superinfecção pelo HIV. 

Mensagens práticas: transplante de rim entre doadores e receptores HIV positivos 

  • Nesse estudo, o transplante de rim a partir de doadores com infecção pelo HIV para receptores com infecção pelo HIV foi não-inferior para desfechos de segurança em comparação a doadores sem infecção pelo HIV. 
  • Não houve diferença significativa em sobrevivência, sobrevivência sem perda de enxerto ou em rejeição do enxerto entre os grupos. 
  • A incidência de breakthrough infection pelo HIV foi aproximadamente 3x maior no grupo de participantes cujo doador tinha HIV, sendo causada principalmente por não adesão à terapia antirretroviral. Em todos os participantes, supressão viral foi obtida novamente.
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