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Infectologia9 julho 2025

Meningite: o que dizem as novas diretrizes? 

Estima-se que só no ano de 2019 ocorreram 2,51 milhões de casos de meningite, com 236.000 óbitos, ao redor do mundo.

Quadros de meningite são uma preocupação para a saúde pública mundial. Apesar de múltiplos esforços em diversas regiões, a carga de mortalidade e morbidade associada a doença continua alta, especialmente em países em desenvolvimento. Crianças abaixo de 5 anos são as principais afetadas, correspondendo a 1,28 milhões de casos e 112.000 óbitos. 

Além da elevada letalidade, a ocorrência de meningite está associada a uma alta prevalência de sequelas. Aproximadamente 20% dos indivíduos com meningite bacteriana desenvolvem complicações de longo prazo incluindo sequelas físicas e neuropsicológicas. 

Por esse motivo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um plano com recomendações e estratégias para eliminar a meningite como um problema de saúde pública até 2030. Essas diretrizes abordam o diagnóstico, tratamento e cuidados de longo prazo em casos de meningite comunitária aguda em adultos e crianças a partir de 1 mês de idade e foram desenvolvidas para serem aplicadas em diferentes contextos, incluindo em países com poucos recursos. 

Abaixo, as principais recomendações presentes nas novas diretrizes para controle de meningites da OMS. 

Meningite: o que dizem as novas diretrizes? 

Resumo das recomendações 

Punção lombar 
Em indivíduos com suspeita de meningite aguda, punção lombar deve ser realizada o mais rápido possível, preferencialmente antes do início de antibioticoterapia, exceto se houver contraindicações ou motivos para atraso (boa prática). 
Investigação do líquor cefalorraquidiano (LCR) 
Em indivíduos com suspeita de meningite aguda, bacterioscopia pelo Gram deve ser realizada em amostras de LCR (recomendação forte). 
Em indivíduos com suspeita de meningite aguda, análise do LCR deve incluir celularidade global e específica, concentração de proteína, concentração de glicose e a razão de glicose LCR/sangue (recomendação forte). 
Em indivíduos com suspeita de meningite aguda, considerar dosagem de lactato no LCR quando antibioticoterapia ainda não houver sido administrada (recomendação condicional). 
Cultura de LCR 
Em indivíduos com suspeita de meningite aguda, cultura de LCR e testes de suscetibilidade a antimicrobianos permanecem como padrão-ouro para identificação do agente etiológico (boa prática). 
Teste molecular em LCR 
Em indivíduos com suspeita de meningite aguda, testes moleculares baseados em PCR devem ser realizados em amostra de LCR (recomendação forte). 
Hemoculturas 
Em indivíduos com suspeita de meningite aguda, hemoculturas devem ser coletadas o mais rápido possível, preferencialmente antes do início de antibioticoterapia (boa prática). 
Biomarcadores de infecção bacteriana 
Em indivíduos com suspeita de meningite aguda, em locais com poucos recursos, deve-se considerar leucograma (recomendação condicional). 
Em indivíduos com suspeita de meningite aguda, em locais com poucos recursos, deve-se considerar dosagem de PCR ou procalcitonina (recomendação condicional). 
Exames de imagem 
Em indivíduos com suspeita de meningite aguda, exames de imagem não devem ser realizados de rotina (recomendação forte). 
Quando rapidamente disponível, imagem de crânio deve ser realizada antes da punção lombar nas seguintes situações: escala de coma de Glasgow < 10, sinais neurológicos focais, déficits de pares cranianos, papiledema, crises convulsivas novas (em adultos), imunossupressão grave (recomendação forte). 
Quando exames de imagem não estiverem disponíveis, deve-se adiar a realização de punção lombar se alguma das seguintes situações for identificada no momento da apresentação e até sua resolução: escala de coma de Glasgow < 10, sinais neurológicos focais, déficits de pares cranianos, papiledema, crises convulsivas novas (em adultos), imunossupressão grave (recomendação forte). 
O tratamento não deve ser atrasado para realização de exames de imagem ou de punção lombar (recomendação forte). 
Manejo geral 
Crianças e adultos com suspeita de meningite aguda devem ser imediatamente internados ou transferidos para unidades de saúde com recursos adequados (boa prática). 
Tempo para tratamento antibiótico empírico 
Em indivíduos (crianças e adultos) com suspeita de meningite aguda, antibioticoterapia parenteral empírica antes de admissão ou transferência deve ser considerada (recomendação condicional). 
Em indivíduos (crianças e adultos) com suspeita de meningite aguda, antibioticoterapia parenteral empírica deve ser administrada o mais rápido possível (recomendação forte). 
Esquemas de tratamento antibiótico empírico 
Em indivíduos (crianças e adultos) com suspeita de meningite aguda, ceftriaxona ou cefotaxima intravenosas devem ser administrados como tratamento empírico (recomendação forte). 
Na presença de um ou mais fatores de risco para infecção por Listeria monocytogenes (idade > 60 anos, gestação, imunossupressão, transplante de órgãos, neoplasias, HIV avançado, diabetes mellitus, nefropatia avançada, cirrose, transtorno de abuso de álcool), ampicilina ou amoxicilina intravenosas devem ser associadas ao tratamento empírico inicial (recomendação forte). 
Em áreas com alta prevalência de Sterptococcus pneumoniae resistente a penicilinas ou cefalosporinas de terceira geração, a associação de vancomicina ao esquema empírico inicial deve ser considerada (recomendação condicional). 
Em indivíduos (crianças e adultos) com suspeita de meningite aguda, cloranfenicol intravenoso com Benzilpenicilina, ampicilina ou amoxicilina somente devem ser considerados como tratamento empírico quando ceftriaxona ou cefotaxima não estiverem disponíveis (recomendação condicional). 
Duração do tratamento empírico 
Fora de contextos de epidemia, em indivíduos (crianças e adultos) com suspeita de meningite aguda em que não haja identificação de patógeno, terapia antibiótica empírica pode ser descontinuada após 7 dias se houver recuperação clínica, definida como a presença de todos os seguintes por pelo menos 48h: resolução de febre, resolução de anormalidades em sinais vitais, resolução de alteração de consciência e estado mental normal (recomendação condicional). 
Durante epidemias de doença meningocócica, tratamento empírico parenteral com ceftriaxona deve ser administrado por 5 dias em crianças e adultos com meningite meningocócica suspeita ou provável (recomendação forte). 
Durante epidemias de doença pneumocócica, tratamento empírico parenteral com ceftriaxona deve ser administrado por 10 dias em crianças e adultos com meningite pneumocócica suspeita ou provável (recomendação condicional). 
Profilaxia antimicrobiana pós-exposição 
Na presença de doença esporádica, profilaxia com dose única de ceftriaxona parenteral ou ciprofloxacina oral deve ser fornecida aos contatos próximos de casos laboratorialmente confirmados de doença meningocócica, de acordo com os padrões de suscetibilidade conhecidos (recomendação forte). 
Durante epidemias de larga escala, profilaxia com dose única de ceftriaxona parenteral ou ciprofloxacina oral deve ser fornecida aos contatos próximos de casos clinicamente suspeitos de doença meningocócica, de acordo com os padrões de suscetibilidade conhecidos (recomendação forte). 
Quando ceftriaxona ou ciprofloxacina não puderem ser administradas, rifampicina deve ser considerada (recomendação condicional). 
Corticoides adjuvantes 
Em contextos não-epidêmicos em que é possível realizar punção lombar, corticoides intravenosos (dexametasona, hidrocortisona ou metilprednisolona) devem ser iniciados com a primeira dose de antibióticos em crianças e adultos com suspeita de meningite aguda bacteriana. Se os resultados do LCR não forem consistentes com meningite bacteriana, corticoterapia intravenosa pode ser suspensa (recomendação forte). 
Em contextos não-epidêmicos em que não é possível realizar punção lombar, corticoides intravenosos (dexametasona, hidrocortisona ou metilprednisolona) podem ser iniciados com a primeira dose de antibióticos em crianças e adultos com forte suspeita de meningite aguda bacteriana e nenhuma contraindicação (recomendação condicional). 
Durante epidemias de doença meningocócica, corticoides intravenosos (dexametasona, hidrocortisona ou metilprednisolona) não devem ser iniciados de rotina em crianças e adultos com meningite meningocócica suspeita ou provável (recomendação forte). 
Durante epidemias de doença pneumocócica, corticoides intravenosos (dexametasona, hidrocortisona ou metilprednisolona) devem ser iniciados de rotina em crianças e adultos com meningite pneumocócica suspeita ou provável (recomendação forte). 
Agentes osmóticos 
Glicerol não deve ser utilizado de rotina como terapia adjuvante em crianças e adultos com meningite aguda bacteriana suspeita ou confirmada (recomendação condicional). 
Ingestão de líquidos 
Crianças ou adultos com meningite aguda bacteriana suspeita ou confirmada não devem ser submetidos a restrição hídrica de forma rotineira (recomendação condicional). 
Medicamentos anticonvulsivantes 
Em crianças e adultos com crises convulsivas sintomáticas decorrentes de meningite, os medicamentos anticonvulsivantes devem ser continuados por não mais de 3 meses, na ausência de crises recorrentes (recomendação condicional). 
Manejo de sequelas 
Crianças e adultos com meningite aguda por qualquer causa devem ser avaliados em relação a sequelas antes da alta hospitalar e durante o seguimento ambulatorial (recomendação forte). 
Crianças e adultos com sequelas devido a meningite aguda por qualquer causa, reabilitação deve ser fornecida o mais rápido possível (recomendação forte). 
Crianças e adultos com meningite aguda por qualquer causa devem ter avaliação audiológica formal para rastreio de perda auditiva antes da alta hospitalar ou, quando não for possível, nas 4 semanas posteriores (recomendação forte). 
Crianças e adultos com perda auditiva devido a meningite aguda por qualquer causa, reabilitação auditiva deve ser fornecida o mais rápido possível (recomendação forte). 

Observações importantes

  • Contagem de leucócitos e concentração de proteínas podem ser mais elevados em crianças menores, o que reforça a necessidade de considerar pontos de corte adequados para idade. 
  • Classicamente, casos de meningite aguda por organismos piogênicos apresentam como características de LCR: pleocitose com predomínio de neutrófilos, baixa concentração de glicose, concentração elevada de proteínas e razão de glicose LCR/sangue baixa. 
  • Os níveis de lactato no LCR podem ajudar a diferenciar entre etiologias viral e bacteriana. Contudo, seu valor diagnóstico e sua aplicação clínica são limitados se antibioticoterapia já houver sido iniciada ou se outras infecções de sistema nervoso central façam parte do diagnóstico diferencial. 
  • A presença de hemácias no LCR pode indicar acidente de punção ou hemorragia subaracnóidea. 
  • Nenhum exame de sangue periférico é capaz de confirmar ou excluir o diagnóstico de meningite bacteriana aguda. A punção lombar continua sendo o exame diagnóstico principal e não deve ser atrasada ou substituída por esses exames. 
  • Quando a realização de punção lombar precisar ser atrasada, deve-se coletar hemoculturas e antibioticoterapia deve ser iniciada o mais rápido possível, antes da realização de exames de imagem. 
  • Como crises convulsivas em crianças febris com suspeita de meningite aguda são comuns, sua presença isolada em crianças não exige a realização de exames de imagem antes da realização de punção lombar se não houver outros fatores de risco. 
  • Ceftriaxona deve ser preferido em relação a cefotaxima em casos em que haja suspeita maior de doença pneumocócica ou meningocócica. 
  • Em áreas com baixa cobertura de vacinação para Haemophilus influenzae tipo b, deve-se preferir amoxicilina/ampicilina em relação à Benzilpenicilina para compor esquema empírico alternativo, juntamente com cloranfenicol. 
  • Na ausência de identificação de patógeno e de melhora clínica após 1 semana de tratamento empírico, antibioticoterapia deve ser prolongada e acompanhada de investigação diagnóstica, incluindo nova punção lombar se não houver contraindicações. 
  • Vacinação continua sendo a principal intervenção preventiva contra meningite meningocócica. 
  • Antibioticoprofilaxia deve ser administrada aos contatos próximos o mais rápido possível, nos 14 dias seguintes à identificação do caso. 
  • São considerados como contatos próximos e com risco maior de desenvolver infecção indivíduos que, nos 7 dias antes do início dos sintomas até 24h após administração de antibioticoterapia, tenham tido exposição prolongada a menos de 1 metro do caso índice (por exemplo, contatos domiciliares) ou exposição direta a secreções orais do caso índice (por exemplo, beijo, reanimação boca-a-boca, intubação endotraqueal). 
  • Corticoides devem ser administrados por no máximo 4 dias em casos de meningite por S. pneumoniae ou H. influenzae tipo b. Em casos em que outras bactérias forem detectadas em amostras de LCR, corticoterapia pode ser suspensa.  
  • Outros agentes osmóticos, como manitol, sorbitol ou salina hipertônica, podem ser utilizados como medidas temporárias para o manejo de hipertensão intracraniana, incluindo crianças e adultos com meningite bacteriana e sinais de herniação iminente (mudança rápida no nível de consciência, hipertensão, bradicardia, perda de reflexo pupilar). 
  • Uma avaliação clínica em relação à presença de sequelas deve ser realizada pelo menos uma vez nas 4 semanas posteriores à alta hospitalar. 
  • Se perda auditiva for detectada, deve-se proceder a encaminhamento urgente para um serviço de reabilitação auditiva ou avaliação para implante coclear, com o objetivo de evitar comprometimento de fala e ossificação da cóclea. 
  • Indivíduos que foram rastreados para perda auditiva antes de alta hospitalar devem ter uma segunda avaliação audiológica formal, uma vez que um pequeno número de pessoas pode desenvolver perda auditiva tardiamente. 

Diferenças em definições e condutas 

É importante salientar que algumas orientações diferem das adotadas pelo Ministério da Saúde (MS) brasileiro. Conforme orientação em nota técnica, o MS considera como contatos próximos: 

  • Indivíduos que tiveram contato direto e prolongado com caso suspeito ou confirmado de doença meningocócica e doença invasiva por H. infuenzae tipo b, com exposição direta às gotículas de secreções respiratórias, considerando desde o início dos sinais e sintomas até 10 dias anteriores e desde o início dos sinais e sintomas até 24h após início de tratamento adequado com cefalosporina de terceira geração ou rifampicina. 
  • As principais situações de exposição às gotículas de secreções respiratórias incluem: compartilhamento de ambiente doméstico, exposição direta às secreções nasofaríngeas (beijo ou compartilhamento de objetos que viabilizem troca salivar), exposição próxima e contínua de pelo menos 4h E até 1 metro de distância, em ambiente fechado, exposição próxima por pelo menos 5 dias (em dias contínuos ou não) e exposição direta às gotículas de secreções respiratórias na realização de procedimentos invasivos, potencialmente geradores de aerossóis, sem utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) adequado, antes do paciente completar 24h de tratamento. 
  • Indivíduos com mera proximidade com o caso índice, fora dos períodos previamente especificados, não devem ser considerados como contatos próximos e prolongados. 

Para quimioprofilaxia, o MS recomenda a rifampicina como medicamento de primeira escolha, com ceftriaxona e cirpofloxacino como alternativas. A azitromicina, na dose de 500 mg em dose única, é uma alternativa indicada em situações que houver resistência a quinolonas ou na ausência de demais opções. Em gestantes, deve-se evitar rifampicina, com preferência para ceftriaxona. Contudo, rifampicina é considerada segura durante a amamentação, podendo ser utilizada por lactantes, sem necessidade de interrupção de amamentação. 

As recomendações brasileiras para quimioprofilaxia são as seguintes:

Quimioprofilaxia para doença meningocócica 

Além dos contatos próximos, pacientes que não estejam sendo tratados com ceftriaxona ou cefotaxima também devem receber quimioprofilaxia com o objetivo de erradicar o estado de carreador. 

Medicamento Idade Dose Intervalo Duração 
Rifampicina < 1 mês 5 mg/kg/dose 12/12h 2 dias 
≥ 1 mês 10 mg/kg/dose (máximo 600mg) 
Ceftriaxona < 12 anos 125 mg IM Dose única 
≥ 12 anos 250 mg IM 
Ciprofloxacino ≥ 18 anos 500 mg VO Dose única 

Quimioprofilaxia para doença invasiva por H. influenzae tipo b 

Devem receber quimioprofilaxia: 

  • Pacientes que não estejam em tratamento com ceftriaxona ou cefotaxima. 
  • Todos os contatos domiciliares do caso, se o domicílio incluir: indivíduo imunocomprometido ou criança menor de 2 anos de idade, independentemente de situação vacinal ou criança menor de 4 anos não vacinada ou sem esquema completo de vacinação. 
  • Demais contatos próximos do caso que tenham entre seus contatos domiciliares: indivíduo imunocomprometido ou criança menor de 2 anos de idade, independentemente de situação vacinal ou criança menor de 4 anos não vacinada ou sem esquema completo de vacinação. Nesses casos, a quimioprofilaxia está indicada somente para o contato direto do caso índice. 
  • Cuidadores diretos e crianças menores de 4 anos da sala do caso-índice, quando o contato se deu por pelo menos 5 dos 10 dias que antecederam o início dos sintomas ou durante a manifestação dos sintomas, se houver: criança imunocomprometida ou menor de dois anos, independente da situação vacinal ou criança menor de 4 anos não vacinada ou sem esquema completo de vacinação. 
  • Todos os contatos da sala (incluindo cuidadores diretos e demais profissionais que entraram em contato com a referida turma, além das crianças) se for o segundo caso em um intervalo de até 60 dias, independentemente da idade ou da situação vacinal.
Medicamento Idade Dose Intervalo Duração 
Rifampicina < 1 mês 10 mg/kg/dose 24/24h (1x/dia) 4 dias 
≥ 1 mês a < 18 anos 20 mg/kg/dose (máximo 600mg) 
≥ 18 anos 600mg 
Ceftriaxona < 12 anos 10 mg/kg IM ou IV 24/24h (1x/dia) 2 dias 
≥ 12 anos 1g IM ou IV 

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Referências bibliográficas

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